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Opinião | Vida de escritor

Só Artur Azevedo sabia o quanto era obrigado a se virar para sustentar a família. E sua obra não era tão apreciada pelos intelectuais, assim como o autor de “Dom Casmurro” também tinha seus críticos

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convidado
Por José Renato Nalini

Em país de pouca cultura, que perde leitores para as redes sociais e que vê cair o número dos que compram livros, os escritores sobrevivem porque têm outras fontes. Isso ocorre no Brasil e não é de hoje.

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Machado de Assis era funcionário público no Ministério da Viação e tinha como companheiro Artur Azevedo, um dramaturgo polivalente que viera do Maranhão para a capital, o Rio de Janeiro. Para completar o orçamento, passava as noites a escrever para o jornal e a fazer peças de teatro.

Ainda levava processos para casa, para vencer a burocracia do emprego. Um amigo, ao vê-lo com a pilha volumosa que lhe ocupava ambos os braços, comentou que não sabia como ele dava conta, se ainda se divertia a fazer folhetins, comédias e teatro de revista.

Só Artur Azevedo sabia o quanto era obrigado a se virar para sustentar a família. E sua obra não era tão apreciada pelos intelectuais, assim como o autor de “Dom Casmurro” também tinha seus críticos.

Ao escrever o perfil dos quarenta escritores que fundaram a Academia Brasileira de Letras, Antonio Sales criticou Artur Azevedo, dizendo que ele abastardava a sua arte, ao escrever comédias frívolas e apimentadas, que não eram propriamente literatura.

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Ao se encontrar com o detrator, Artur Azevedo comentou que era fácil criticá-lo. Mas era obrigado a atender ao gosto popular. O público só quer e só aceita as peças que os intelectuais condenam. Se ele escrevesse uma obra mais literária, era mínimo o número de representações e o espetáculo se transformava em fiasco. E ainda havia o seu compromisso com o sustento da “gente do teatro”. “Eu preciso dar de comer à gente do teatro, que é uma espécie de família minha. Quando não tenho uma revista de sucesso em cartaz, essa pobre gente passa horrores!”.

Artur Azevedo morava em Santa Teresa, à rua dos Junquilhos, notável por situar-se na colina da qual se descortinava toda a cidade. Mas era grande a quantidade de buracos, que tornavam o tráfego extremamente perigoso.

Durante anos os moradores apelavam para as autoridades municipais. Entrava Prefeito, saía Prefeito e os buracos lá estavam, desafiando a paciência do povo.

Foi então que Artur Azevedo decidiu colocar o seu talento a serviço da causa popular. Publicou estes versos:

Ó tu, que és Presidente. Do Conselho Municipal. Se é que tens mulher e filhos. Manda tapar os buracos. Da Rua dos Junquilhos.

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A poesia-reivindicatória fez sucesso, causou repercussão e os buracos foram finalmente tapados.

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O maranhense era provido de um fino senso de humor. Procuravam-no para que escrevesse poemas nos álbuns que as mocinhas então possuíam e que eram preenchidos por textos produzidos pelos poetas e escritores que conseguiam abordar.

Também recorriam a ele para a difícil arte de poetar. Uma jovem se acercou dele, durante um baile, pedindo uma rima para “fácel”. E ele, espantado: “Para “fácel”? São muitas, todas disponíveis, como “grácel”, “portátel” e “pontápel”... Talvez a mocinha não tenha entendido. Mas foi o que ele disse.

Na luta pela sobrevivência, Artur Azevedo, ao chegar ao Rio de Janeiro, quis conseguir um emprego. Era culto e se ofereceu para lecionar. Perguntaram-lhe durante a entrevista, o que gostaria de ensinar. Ele respondeu: “Francês”. Mas o diretor contou que já dispunha de excelente mestre, inclusive a ensinar a língua nativa, pois viera de Paris. Então se ofereceu para ensinar geografia. Mas essa era a disciplina do próprio diretor do Colégio. Depois aumentou o cardápio: poderia ensinar português e aritmética. Mas também os cargos para essas matérias estavam providos. Foi então que, ao procurar um derradeiro estabelecimento de ensino, ao lhe ser perguntado o que ensinaria, ele respondeu: “Tudo!”.

Foi assim que se viu admitido para ensinar português e conseguiu o suficiente para o sustento de sua prole.

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Durante toda a sua vida, lutou ele pelo teatro. Escreveu centenas de obras, muitas delas as peças que fizeram a família teatral carioca sobreviver por bons períodos. Quando morreu, menos de um mês depois do falecimento de Machado de Assis, os artistas lamentavam: “O que vai ser de nós, agora, sem o Artur Azevedo?”.

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José Renato Nalini
Reitor da UNIREGISTRAL, docente da pós-graduação da UNINOVE e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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