Escrevo a bordo de um voo de volta para casa, depois de alguns dias em Nova York e Washington. Viajo com frequência, especialmente para os Estados Unidos, onde criei uma iniciativa para encontrar a cura do meduloblastoma, o mais frequente dos tumores cerebrais pediátricos. Tenho conhecido muitas pessoas nessas andanças. Apesar de gostar de viajar, confesso que gosto ainda mais do retorno. Afinal, não há nada melhor do que estar junto da família e dos amigos. E, neste mundo cada vez mais turbulento, a simples possibilidade de retornar para casa pode ser considerada um privilégio.
Nestes dias, por coincidência, tive a oportunidade de conversar com três pessoas que não estão nos Estados Unidos por opção. São refugiados da Ucrânia, Venezuela e Afeganistão. Suas histórias são tristes, reais e, mais do que tudo, atuais. Eles me relataram o que tenho lido nos jornais e assistido na TV. Impressionante!
A primeira foi Halyna, uma ucraniana motorista de Uber em Washington. Decidiu fugir com os três filhos pequenos assim que os bombardeios russos atingiram sua cidade. Atravessou a fronteira para a Polônia e ficou em um campo de refugiados até conseguir ir para a Suíça, Alemanha e, finalmente, migrar para os EUA. “A vida aqui, longe de tudo e de todos, é muito difícil, mas temi pela vida dos meus filhos. Não tive alternativa”, diz Halyna. O marido, que ela não vê há quase três anos, segue no front combatendo os russos.
Já Rosa, a camareira do hotel em Nova York, saiu de Caracas com a filha de quatro anos. Ela se soma aos mais de oito milhões de venezuelanos que fugiram da ditadura de Maduro. Rosa conseguiu voar até o México e, de lá, migrou ilegalmente para os Estados Unidos com a ajuda de coiotes (máfia que transporta pessoas). Ela se arrepia ao contar os detalhes da travessia.
Rosa tem também um filho de 20 anos, Juan, que decidiu ficar na Venezuela. Porém, a situação do país só piora, e a fraude das eleições recentes foi a gota d’água. Rosa diz que se endividou para resgatar o filho e, como nenhum país concede mais visto para venezuelanos, ele não pôde voar para o México como ela. Os coiotes o estão trazendo clandestinamente por terra, através da Colômbia, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras e Guatemala, até o México. Neste momento, e para a angústia de Rosa, Juan está no meio da jornada.
Por último, conheci Abdul, um afegão que fugiu de Cabul em 2021, tão logo os americanos deixaram o país após 20 anos de intervenção. Todos os milhares de afegãos que prestavam serviço para os americanos tiveram que sair. Se ficassem, morreriam. Quem não lembra daquelas cenas no entorno do aeroporto de Cabul? Multidões querendo fugir a qualquer custo. Mães entregando crianças para estranhos na tentativa de que seus filhos pudessem ser levados para um lugar seguro. Homens decolando clandestinamente no trem de pouso dos aviões e, logo em seguida, despencando para a morte. Cenas desesperadoras. Pois lá estava Abdul, com a esposa e três filhos, então com 5, 4 e 1 ano de idade. Depois de muita angústia e sofrimento, finalmente partiram em um dos aviões do exército americano. Deixaram tudo para trás. “Se eu voltar ao Afeganistão, me matam na hora”, disse Abdul.
Bem, depois de ouvir relatos tão tristes e comoventes como esses, é impossível não me sentir privilegiado. Afinal, estou em um avião voltando para casa.