Áudios e mensagens via WhatsApp levaram a Polícia Federal a indícios de compra de votos e abuso de poder econômico nas eleições municipais de 2024 no sertão do Ceará. A pista foi encontrada em diálogos recuperados por peritos federais do celular do prefeito eleito de Choró, Carlos Alberto Queiroz, o ‘Bebeto do Choró’, foragido da Justiça. Ao analisar o conteúdo do aparelho, os investigadores pegaram diálogos recheados de frases como “Você pode mandar em quem eu votar”, “diga ao padre aí que comece a pedir voto”. Interlocutores de Bebeto o chamam de ‘grande líder’ e ‘macho’. O Estadão pediu manifestação da defesa.
A recuperação do aparelho e das mensagens frustrou a tentativa de ‘Bebeto do Choró’ de “dificultar o acesso a informações potencialmente comprometedoras”, segundo a PF. Ao ser abordado por agentes federais, em outubro do ano passado, ele atirou o celular no espelho d’água de um edifício da orla de Fortaleza, onde fazia ‘atividades físicas’.
Os peritos da PF acessaram diálogos que indicam compra de votos e promessas de Bebeto de apoio financeiro a aliados. Nas conversas, que contêm inclusive áudios do prefeito foragido, os analistas encontraram comprovantes de transferências supostamente realizadas pelo político a partir de contas de laranjas.
As mesmas conversas registram compromissos assumidos por eleitores de votarem em ‘Bebeto do Choró’ ou em nomes por ele indicados. “Tava precisando de uma ajuda tua [...] aí a família tudinho vota no senhor”, disse um eleitor.
A Polícia Federal avalia que algumas mensagens revelam a influência de Bebeto nas eleições de cidades vizinhas a Choró. Como mostrou o Estadão, o inquérito mira um amplo e milionário esquema de compra de votos no Ceará no pleito de outubro passado.
As conversas registram não apenas supostos crimes eleitorais, segundo a PF, mas também indícios de um esquema de desvio e lavagem de dinheiro de emendas parlamentares, Nesse ponto, a investigação aponta para o deputado Júnior Mano (PSB), que seria ‘padrinho’ político de Bebeto, segundo investigadores.
A principal linha da investigação espreita um grupo que liga o prefeito foragido e o deputado e que teria sido formado para ‘alimentar esquema de compra de votos e consolidar a base de apoio político’ de ambos.
Algumas mensagens, com citação a Júnior Mano, fizeram a investigação ser remetida ao Supremo Tribunal Federal. O parlamentar estaria ‘diretamente envolvido’ e teria ‘papel central’ na estratégia para captação de votos com verbas de emendas. O inquérito está no gabinete do ministro Gilmar Mendes, decano da Corte.
‘20 contos que eu lhe pedi para o negócio do Aruaru... vamos começar amanhã a operação lá’
Entre os diálogos resgatados pela PF do celular de Bebeto há um com um certo ‘Edgar vice-prefeito Morada Nova’. Ele diz a Bebeto. “Carlos Alberto, o seu último comício é hoje aí?... tô mandando só mensagem para desejar boa sorte... se Deus quiser você vai tirar é oitenta por cento dos votos... deixa o amigo... me permita seu amigo lhe pedir uma coisa... os 20 contos que eu lhe pedi para o negócio do ARUARU... vamos começar amanhã a operação lá... e lá nós estava com 25 pontos, veio pra 16 e semana passada só tava com 10 atrás... nós vamos dar um arrocho neles... me ajude naquilo que eu lhe pedi... ajude seu amigo!”
A PF considera que essa conversa indica possível crime eleitoral, no caso, abuso de poder econômico. Os investigadores interpretam que Edgar pediu R$ 20 mil, conforme combinado anteriormente, para ações voltadas para um distrito, “no intuito de reverter o quadro eleitoral, o que destaca a influência de Bebeto nas eleições daquela cidade”.
Segundo a corporação, Bebeto “se compromete a resolver e fala que, naquele dia, estaria tendo despesas no valor de R$ 100 mil”.
‘Tava precisando de uma ajuda tua [...] aí a família tudinho vota no senhor’
Em outro diálogo, destaca a PF, Bebeto atende “pedido de ajuda financeira” de Rubens, que se compromete textualmente a votar no então candidato de Choró.
Rubens disse. “Bebeto, tá tudo bom graças a Deus! Macho, é porque eu tava precisando de uma ajuda tua... não sei se você vai poder me ajudar... eu até pedi o número ao IURI, mas estava com vergonha de mandar mensagem... porque o nosso salário aqui está atrasado e a escola do meu menino está atrasada 2 meses... aí eu ia pedi uma ajuda ao senhor pra mim poder quitar a escola dele... porque nós somos da família da Maria Brito... eu sou filho da Maria Brito... aí a família tudinho vota no senhor... as tias da minha esposa... todo mundo junto que é da família da Asinha... eu sou casado com a sobrinha da Asinha... nós se mudemos para Quixadá... vai fazer 3 anos que nós moramos em Quixadá, só que todo mundo vota aí... quando é assim em época de política, nós se ajunta todo mundo pra votar num candidato só, entendeu!... todo mundo junto... esse ano se Deus quiser, nós estamos apoiando vocês... só tá dividido lá o negócio de vereador, mas prefeito é todo mundo junto.”
“Assistenciazinha”
Outra suspeita de abuso de poder econômico ganha reforço no diálogo entre ‘Alexandre’ e Bebeto. “Bora botar pra torar aqui no Canindé”, convoca Alexandre, em alusão à cidade da ex-prefeita Rozário Ximenes, que denunciou o prefeito eleito de Choró ao Ministério Público Eleitoral.
O diálogo segue. Alexandre pede uma “assistenciazinha” a Bebeto, que sugere ao interlocutor que fale com sua irmã, Cleidiane Queiroz. “Ela vai ver o que pode fazer e lhe dá uma forcinha, viu!...”.
A PF destaca que Alexandre concorreu a uma cadeira na Câmara de vereadores de Canindé nas eleições de outubro passado. Ele apoiava para prefeito o candidato Jardel - adversário político de Rozário.
Segundo a corporação, Bebeto se comprometeu a apoiar financeiramente Alexandre, indicando Cleidiane para “resolver as necessidades” do interlocutor.
“Você pode mandar em quem eu votar”
Em outro diálogo, Bebeto atendeu pedido de ajuda financeira de Francisco, que se “compromete textualmente” a votar no apadrinhado do deputado Júnior Mano.
A abordagem a Bebeto partiu de Robério, que enviou um áudio. “Bebeto, eu tô ligando pro Isaac, ele tá contigo... eu tô com uma rapariga... você pode mandar em quem eu votar... eu vou lhe pagar... mande 200 reais no meu PIX, mande... eu lhe pago... voto em quem você quiser mandar... vou mandar meu Pix pra ti...”
Bebeto respondeu com um documento: o comprovante de um Pix no valor de R$ 200 em favor de Francisco.
‘Diga ao padre aí que comece a pedir voto pro nosso amarelinho’
Uma conversa que chamou atenção dos investigadores foi travada entre Bebeto e um tenente da Polícia Rodoviária Estadual (PRE) do Ceará, identificado como Roberto. Os investigadores ponderam que o diálogo abarca “temas relacionados à política e à própria atuação da PRE”. Ainda, uma “troca perigosa e suspeita de favores” envolvendo a irmã de ‘Bebeto do Choró’.
O oficial de polícia chama Bebeto de ‘grande líder’. Em outro momento, Bebeto diz: “chefe!... tu tá em reunião, né?... eu tô dando teu nome aqui... prum parceiro meu aqui... ZÉ DE CHAGAS lá de Orós... e ele passa muito nessa cancelazinha de Quixadá aí... se precisar de alguma coisa dá o teu apoio aí, gente muito boa... da melhor qualidade... e a do Orós também...”.
Bebeto responde. “Diga ao padre aí que comece a pedir voto pro nosso amarelinho JARDEL!...”
“Bom dia chefe, prestando contas e cumprindo o compromisso”
A PF recuperou um contato de Bebeto e sua irmã Cleidiane, no Whatsapp. Ela relata que estava indo de Canindé a Choró quando “deram uma batida geral” em seu carro. Bebeto diz: “Será que já tem a placa desse teu carro?... tá mudando de carro direto, né?... vai num dia num e no outro...”.
Cleidiane conta que estava andando com o veículo havia três semanas. Bebeto reclama. “Tem que ver, né!... aí tu não trazia nada, né!... vacilaram, né!”.
Em outra passagem do diálogo, Bebeto manda para a irmã foto de saldo bancário enviado por terceiros, destacando um lançamento de R$ 210 mil. Em anexo, uma mensagem: “Bom dia chefe, prestando contas e cumprindo o compromisso.”
Na conversa com Cleidiane, Bebeto cita o tenente da PRE e encaminha à irmã um print do diálogo no qual o policial diz que estaria “assumindo a coordenação (eleições) do sertão central, avisando que já tinha afastado os PMs dos plantões da região”.