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‘Zampieri vendia dos dois lados’, diz desembargador sobre ‘lobista dos tribunais’; ouça

Em gravação obtida pelo Estadão, Sebastião de Moraes Filho, afastado das funções no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, revela métodos empregados pelo advogado Roberto Zampieri, elo de suposto esquema de venda de sentenças, executado com 12 tiros à porta de seu escritório em Cuiabá, em dezembro passado; ‘Recebia de quem ele vendia’, diz o magistrado em conversa gravada

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Atualização:
O desembargador Sebastião de Moraes Filho e o advogado Roberto Zampieri (falecido) Foto: TJMT e Arquivo Pessoal

O advogado Roberto Zampieri, o ‘lobista dos tribunais’, executado com 12 tiros à porta de seu escritório em Cuiabá, em dezembro do ano passado, é o pivô de uma crise no Judiciário. O conteúdo de seu celular - cinco mil diálogos recuperados pela Polícia Federal - já levou até aqui ao afastamento de oito magistrados dos Tribunais de Justiça de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul sob suspeita de ligação com esquema de venda de sentenças.

O Estadão busca contato com os investigados. O espaço está aberto para manifestações. Em nota, o Tribunal de Mato Grosso do Sul disse que “investigados terão certamente todo o direito de defesa e os fatos ainda estão sob investigação, não havendo, por enquanto, qualquer juízo de culpa definitivo”. O desembargador Sebastião de Moraes Filho contesta as acusações.

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As conversas de Zampieri provocam também uma tempestade no Superior Tribunal de Justiça ante a suspeita de envolvimento de um de seus ministros, Paulo Moura Ribeiro, e de servidores lotados nos gabinetes de outros magistrados da Corte superior, que se denomina o ‘Tribunal da Cidadania’. O ministro nega a prática de ilícitos.

A citação a ministro do STJ fez subir o patamar da investigação, chegando ao Supremo Tribunal Federal - Corte que detém competência para eventualmente processar magistrados do STJ. No Supremo, o relator da investigação será o ministro Cristiano Zanin.

Na sessão da Terceira Turma do STJ, realizada no último dia 8, a ministra Nancy Andrighi fez referência ao caso. “Não posso dizer o que sente um juiz com 48 anos de magistratura quando se vê numa situação tão estranha como essa. O importante é que já foi localizada a pessoa, respondeu sindicância e está aberto o PAD (Procedimento Administrativo Disciplinar) no tribunal.”

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Roberto Zampieri foi assassinado aos 59 anos e deixou digitais em decisões sobre grandes demandas, especialmente referentes a disputas de terras, em curso nos TJs de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul.

Nesta quinta, 24, cinco desembargadores da Corte de Mato Grosso do Sul foram alvo da Operação Última Ratio, deflagrada por ordem do ministro Francisco Falcão, do STJ. Os magistrados foram afastados de suas funções por 180 dias e serão monitorados com tornzeleiras eletrônicas.

São eles: Sérgio Fernandes Martins, presidente do TJ estadual, Vladimir Abreu da Silva, Alexandre Aguiar Bastos, Sideni Soncini Pimentel e Marcos José de Brito. Faz companhia a eles o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Osmar Domingues Jeronymo.

Achados no celular de Zampieri empurram sete desembargadores e um juiz de primeira instância para a vala dos suspeitos de corrupção, lavagem de dinheiro e até extorsão.

Um desembargador do Tribunal de Mato Grosso sob investigação é Sebastião de Moraes Filho, que conhecia bem Zampieri. Em uma conversa com o advogado Carlos Naves de Resende, que gravou o diálogo, ele detalhou os métodos de atuação de Zampieri. “Dizem que o Zampieri tinha ligação comigo. Ficou todo o tribunal aí, no negócio do celular dele. Sabe que o Zampieri era um cara que vendia dois dois lados.”

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A Operação Última Ratio, aberta nesta quinta, 24, na mira de cinco deembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul foi abastecida em parte também pelo conteúdo do celular de Zampieri.

O suposto envolvimento com Zampieri levou ao afastamento de Moraes Filho em agosto, por ordem do então corregedor-nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão.

Outros episódios colocam o desembargador sob suspeita. Ele foi denunciado ao TJ de Mato Grosso pelo advogado Naves de Resende, que representa uma família de Rondonópolis em uma ação pela disputa de 224 hectares. Naves recorreu à cúpula do Judiciário e também ao Ministério da Justiça. Ele pede proteção por causa de ameaças de morte que vem sofrendo.

Naves gravou uma conversa com o desembargador. Ele diz a Moraes Filho que ouviu de um outro interessado na ação sobre as terras, Luciano Polimeno, que tinha ‘comprado’ o magistrado. Naves gravou também o diálogo com Polimeno. Ele mostrou essa gravação ao desembargador. Nela, Polimeno diz que está ‘gastando muito’ e citou nominalmente Moraes Filho.

OUÇA O DESEMBARGADOR

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Nesse encontro com Naves de Resende, o desembargador fala de Roberto Zampieri, Cita o impacto das informações encontradas no celular do advogado executado.

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Ao ouvir o que Polimeno disse sobre ele, o desembargador comentou. “Hoje é meu dia mesmo, saiu no jornal que dei o despacho (sobre) de quem matou o Zampieri. Acontece que o despacho foi favorável ao cara que matou, vou processar o jornal também. Hoje é meu dia, o meu despacho foi favorável ao cara que matou.”

O desembargador falou sobre o burburilho no tribunal com os diálogos encontrados no celular de Zampieri. Nessa conversa demonstrou conhecimento das estratégias de Zampieri.

“Dizem que o Zampieri tinha ligação comigo. Ficou todo o tribunal aí, no negócio do celular dele. Sabe que o Zampieri era um cara que vendia dos dois lados e recebia de quem ele vendia. Você e você. Ele vendia dois e dois. Aí diz que ele ganhava, ele vendia e ganhava. Daquele que ele ganhava ele recebia e daquele que perdia, ele devolvia o dinheiro”, afirmou.

O desembargador contesta as acusações de Carlos Naves de Resende. Ele pediu o arquivamento do pedido de investigação feito à Corregedoria do TJ-MT. Alega ‘insubsistência das imputações, desprovidas de mínimo indício probatório, a comprovar a ausência de justa causa para o prosseguimento do feito’.

Moraes Filho contesta a gravação feita por Naves, ‘contra preceitos constitucionais e até da ética’.

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‘Amizade íntima’

Ao decretar o afastamento de Sebastião de Moraes Filho, em agosto, o então corregedor nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão, destacou as suspeitas de ‘amizade íntima’ do magistrado com Zampieri. Na mesma decisão, Salomão afastou outro desembargador, João Ferreira Filho, também supostamente ligado à venda de sentenças. A investigação aponta que ambos os magistrados recebiam presentes e propinas de Zampieri ‘em vez de se declararem impedidos para julgarem os processos’ em razão da relação próxima.

Em sua decisão, Salomão alertou para a ‘existência de um esquema organizado de venda de decisões judiciais, seja em processos formalmente patrocinados por Zampieri, seja em processos em que o advogado não atuou com instrumento constituído, mas apenas como uma espécie de lobista no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso’.

Segundo o Ministério Público de Mato Grosso, que também investiga o caso, o assassinato de Zampieri pode ter relação com decisões da Justiça do Estado.

A Corregedoria Nacional de Justiça já havia determinado, em maio último, o compartilhamento de provas apreendidas pela Polícia Civil de Mato Grosso, especialmente o conteúdo extraído do celular do advogado.

COM A PALAVRA, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MS

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O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul vem comunicar ao público que o Ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça, no âmbito de investigação que corre naquela Corte, ainda sigilosa, determinou medidas direcionadas exclusivamente a alguns Desembargadores, magistrado e servidores deste Tribunal, as quais estão sendo regularmente cumpridas, sem prejuízo a quaisquer dos serviços judiciais prestados à população e que não afetam de modo algum os demais membros e componentes da Justiça Sul-mato-grossesse.

Os investigados terão certamente todo o direito de defesa e os fatos ainda estão sob investigação, não havendo, por enquanto, qualquer juízo de culpa definitivo.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul seguirá desenvolvendo seu papel de prestação jurisdicional célere e eficaz, convencido de que aos Desembargadores, magistrado e servidores referidos, será garantido o devido processo legal.

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