O outro lado da notícia

Lula 'esquece' o centro, radicaliza discurso e quer impor agenda do PT ao País

Presidente tem se colocado como se tivesse sido eleito por chapa "puro-sangue" e não tivesse recebido apoio decisivo de forças de centro para sua eleição

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Foto do author José Fucs
 Foto: Adriano Machado / Reuters

Na campanha de 2022, muita gente que votou em Lula "pela democracia", mesmo sem ser do PT ou ligada aos tradicionais aliados do partido, imaginou que ele adotaria um discurso mais moderado e defenderia propostas mais "ecumênicas". Não só por ter como vice o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, visto como um político mais comedido, mas principalmente pelos apoios que recebeu de forças de centro e de centro-esquerda no segundo turno das eleições.

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Até agora, porém, Lula tem se colocado como se tivesse sido eleito por uma chapa "puro-sangue" e como se não tivesse recebido uma contribuição decisiva do centro e da centro-esquerda para sua eleição. Pela forma como tem atuado, ele parece acreditar que teria chegado lá de qualquer jeito, só com o apoio do PT e de seus fiéis parceiros da esquerda, e que terá sustentação política para impor o programa de governo petista ao País.

Desde sua posse, em 1º de janeiro, Lula não fez um aceno sequer em suas declarações e entrevistas para agradar os "cristãos novos" que embarcaram na arca petista em 2022. Em vez da propalada "pacificação", em nome da qual prometeu atuar, está "pondo pilha" na polarização e resgatando o velho "nós contra eles" que marcou os primeiros mandatos petistas e boa parte da história do PT.

"Alienígenas"

Ao montar o governo, destinou os principais cargos para correligionários do partido, reservando apenas postos de importância secundária para apoiadores de última hora, como a ex-senadora Simone Tebet (MDB), que queria comandar a área social e acabou recebendo um esvaziado Ministério do Planejamento.

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Seu discurso está voltado principalmente para sua base tradicional e suas propostas procuram ressuscitar os mesmos projetos e programas implementados em governos anteriores do PT, muitos dos quais não deram certo e eram criticados pelas mesmas forças "alienígenas" que lhe deram apoio nas urnas em 2022.

Na reunião de cúpula realizada em janeiro na Argentina, com a presença de líderes latino-americanos, Lula chamou de "golpe de Estado" o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que foi avalizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), aprovado pelo Congresso e apoiado por sete de seus ministros.

 "Aliança bolivariana"

Num sinal de que pretende reeditar a "aliança bolivariana" implementada nos governos petistas, também alvo de críticas de grupos de centro e centro-esquerda na época, Lula defendeu a "democracia" na América Latina e mostrou-se preocupado com o crescimento da "extrema direita" na região, mas não fez qualquer menção aos regimes autoritários de Cuba, da Venezuela e da Nicarágua, acusados de violações recorrentes dos direitos humanos.

Também defendeu a retomada dos financiamentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para países da região, ainda que essas operações sejam rejeitadas por boa parte dos forasteiros que lhe deram um voto de confiança nas eleições, e prometeu financiar um gasoduto na Argentina - país que afirmou viver uma "situação privilegiada", apesar do aumento da pobreza nos últimos anos e da inflação de 100% registrada em 2022.

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Na economia, Lula tem reforçado o tempo todo as bandeiras do PT e da esquerda que sempre esteve ao seu lado e se insurgido contra medidas caras ao centro político, como a autonomia do Banco Central, as metas de inflação, o marco regulatório do saneamento e a Lei das Estatais, além de propagar uma suposta oposição entre equilíbrio fiscal e responsabilidade social. De quebra, hostilizou os empresários, ao afirmar que "eles não ganham muito dinheiro porque trabalharam, mas porque os trabalhadores deles trabalharam".

Passados apenas 45 dias desde sua posse, Lula mostra que continua apegado às velhas práticas e propostas do PT, e pouco, pouquíssimo disposto a incorporar em sua agenda bandeiras defendidas por grupos de centro e centro-esquerda, que deram uma contribuição fundamental para levá-lo de volta ao Planalto.

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