As organizações públicas não fogem desta regra. As motivações para o surgimento de organizações públicas também podem ser por conta de uma obrigação legal, constitucional, política e até mesmo comercial quando surgem problemas que exigem reserva de mercado, controle de matérias primas, etc.
Assim, é necessário que cidadãos, servidores públicos, políticos e gestores públicos prestem a devida atenção aos motivos da existência de cada organização pública para conhecer qual é a sua finalidade, sua área de atuação e seus limites. Ou seja, conhecendo o porquê da existência de cada organização podemos entender melhor o planejamento, os planos e as metas daquela organização pública.
Na década de 1990, por conta das exigências que a ISO 9000 trouxe para o ambiente das organizações quanto à necessidade de melhoria de qualidade, a preocupação com o planejamento estratégico tornou-se uma prática indispensável, diante de um mundo que se globalizava economicamente em ritmo acelerado de transformação tecnológica e cultural.
Este clima de urgência atingiu o universo das organizações públicas e privadas e o planejamento estratégico foi o caminho para resolver o planejamento organizacional em um mundo de incertezas.
Assim, na elaboração de qualquer planejamento estratégico a definição da missão, dos valores e da visão é fundamental para que todos entendam por que a organização existe (missão); quais os princípios que a norteiam (valores) e para onde a organização quer se desenvolver (visão). O planejamento estratégico não pode ser apenas um documento interno nas organizações. É um instrumento orientador, com parâmetros e referenciais. Do mesmo modo que a missão, a visão e os valores mantêm um forte vínculo com o agir da organização. O planejamento estratégico é a base da ação das organizações em um determinado período.
Lamentavelmente, muitas organizações públicas e privadas não conseguem vincular o que foi escrito no plano estratégico com a sua realidade do dia a dia. E quando isso acontece, o descaminho das organizações é inevitável, pois a missão, os valores e a visão são letra morta.
Pode não aparecer tão rapidamente para seus dirigentes, mas o descompasso entre o que foi estabelecido no planejamento estratégico e o agir da organização mostrará resultados negativos de forma tangível ou de forma intangível, mas com certeza ocorrerão.
Alguns exemplos nos mostram claramente estas evidências. Um grande número de reclamações de clientes, como vemos nas operadoras de telefonia e nas empresas de saneamento. Os elevados índices de perda de confiança nas instituições como os partidos políticos e as polícias, são alguns dos exemplos que temos que lidar em nosso dia a dia, por conta desse descompasso entre o que consta no planejamento feito e o que se executa de fato.
Na segurança pública a situação é crítica, pois é uma atividade que exige uma relação de confiança entre a organização policial e a população. Sem isso não é possível uma boa performance. Por isso, é crítico ter um alto grau de reclamações e um baixo nível de confiança da sociedade.
A segurança pública é definida na Constituição Federal no seu art. 144, onde fica clara a relação entre as organizações policiais e a população ao incluir no texto "direito e responsabilidade de todos":
"Segurança pública é dever do estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: polícia federal; polícia rodoviária federal, polícias civis e polícias militares e corpo de bombeiros militar [....] "
As organizações que prestam serviços de segurança pública, certamente, têm sua missão, seus valores e sua visão em seus planos estratégicos para que seus policiais saibam o porquê de sua existência, quais valores orientam o caminhar da organização e para onde se deseja desenvolvê-la.
Lamentavelmente, o que temos visto nos últimos anos é um total descolamento do agir das organizações policiais em relação à sua missão, aos seus valores e sem clareza para onde estão indo. O descompasso entre a missão da organização e o agir de seus colaboradores gera resultados ruins, tanto tangíveis quanto intangíveis.
Um exemplo desse descompasso apareceu em recente ocorrência, envolvendo policiais da Polícia Rodoviária Federal que resultou na morte por asfixia por gás, dentro de uma viatura policial, de um paciente psiquiátrico "suspeito"; outro exemplo foram as operações desastrosas da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro em comunidades na região metropolitana do Rio de Janeiro, com dezenas de mortes, com a estranha participação da Polícia Rodoviária Federal neste tipo de operação. Não são casos isolados, estes foram tão absurdos que viraram notícia.
É transparente, à luz do planejamento estratégico, que tais ocorrências são consequência da falta de comprometimento dos agentes policiais com a missão, com os valores e com a visão da organização policial. É como se cada policial entendesse e agisse por sua própria conta, sem comando, sem orientação e sem conhecimento. Será que além disso também é um problema na formação profissional e na gestão de RH?
Mas em 06/08/2022, em São Paulo, uma ocorrência envolvendo um Tenente PM e o campeão mundial de jiu-jitsu, Leandro Lo, demonstra como desconhecer o próprio trabalho e as suas responsabilidades sociais podem levar a tragédias. O Tenente PM, no meio de um show no Clube Sírio, foi até à mesa onde o desportista estava e teve um comportamento inconveniente. O campeão mundial imobilizou, tecnicamente, o policial militar para acalmá-lo. O Tenente PM liberado da imobilização, covardemente, deu um tiro na cabeça do campeão de jiu-jitsu, levando o nosso campeão mundial de jiu-jitsu Leandro Lo ao falecimento.
O desportista, comprometido com sua carreira e ciente de sua responsabilidade como lutador profissional, imobilizou o Tenente PM, mas garantiu a integridade física e a vida do policial. Enquanto que o agente da lei, com a formação superior de Oficial, causou a desordem e atirou no homem desarmado que respeitou e preservou sua vida minutos antes.
Por isso é grande a responsabilidade dos gestores públicos na definição e na comunicação da Missão, dos Valores e da Visão das suas organizações, para evitar grandes danos às organizações e evitar tragédias para a sociedade.
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