Bloqueio de contas da Starlink por Moraes é excepcional e só vale se houver fraude, apontam juristas

Juristas ouvidos pelo ‘Estadão’ analisam que Moraes precisa comprovar existência de fraude para justificar a extensão da responsabilidade das dívidas do X para a Starlink

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Foto do author Gabriel de Sousa
Atualização:

BRASÍLIA - O bloqueio dos bens da Starlink ordenado nesta quinta-feira, 29, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes como forma de quitar as dívidas do X (antigo Twitter) é excepcional no mundo jurídico. Segundo juristas ouvidos pelo Estadão, para cobrar de uma empresa o valor da dívida de outra, mesmo sendo do mesmo dono, é necessário comprovar existência de fraude.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes Foto: Wilton Junior/Estadão

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Moraes bloqueou as contas da empresa por entender que as duas fazem parte de um “grupo econômico de fato” comandado pelo bilionário Elon Musk. Segundo o ministro, o confisco servirá para quitar dívidas que a rede social tem com a Justiça brasileira. Porém, o X pertence à empresa X Holdings Corp, enquanto a Starlink está ligada à Space Exploration Technologies Corp, mais conhecida como SpaceX. A empresa tem 215 mil clientes no Brasil, incluindo as Forças Armadas e escolas públicas (veja abaixo).

Musk é o principal acionista das duas empresas, porém, ele atua como CEO (diretor-executivo) apenas da SpaceX. Na X Corp. ele é o presidente do conselho de administração. Quem lidera a administração da empresa é Linda Yaccarino.

De acordo com a professora Eliana Franco Neme, especialista em direito constitucional, é possível bloquear o patrimônio de uma empresa para quitar as dívidas de outra. Segundo ela, isso acontece quando é instaurada uma desconsideração de pessoa jurídica.

Isso ocorre quando a separação entre a pessoa jurídica e seus sócios é desconsiderada para atingir bens pessoais ou de outras empresas para a quitação de dívidas da instituição que está sendo processada. A medida, porém, é excepcional e precisa ser fundamentada por uma confusão patrimonial ou fraude.

“Às vezes, você tem empresas que fazem negócios milionários e os sócios têm muito patrimônio, mas, em uma ação judicial, a empresa diz que não tem patrimônio. Quando se percebe que houve uma tentativa de se furtar uma decisão judicial, o poder Judiciário desconsidera a personalidade jurídica da empresa e vai para cima do sócio. Em regra, quem responde é o devedor, que é a pessoa jurídica”, explicou a especialista.

Extensão de responsabilidade de dívidas de uma empresa é excepcional

Segundo o professor Flávio Luiz Yarshell, professor de Direito Processual da Universidade de São Paulo (USP), é necessário ter contato com a decisão de Moraes para saber se ele fundamentou a medida com base em indícios de fraude.

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Yarshell observa que é não são comuns decisões nas quais a responsabilidade de dívidas de uma empresa é estendida para outra. “Ele deve ter justificado qualquer indício de fraude que justificaria essa decisão. Eu diria que é excepcional, mas é possível. Excepcionalmente, em hipóteses de fraude, você pode responder pelas dívidas de outra pessoa jurídica se você atuou fraudulentamente”, disse o professor.

O bilionário Elon Musk, dono do X e da Starlink Foto: Soraya Ursine/Estadão

Segundo Emanuel Pessoa, doutor em Direito Econômico pela USP, a pessoa jurídica também pode ser desconsiderada quando a justiça acredita que um sócio está utilizando uma empresa para esconder determinado patrimônio.

“Um exemplo é quando um sócio que se vale da pessoa jurídica para o cometimento de ilicitudes e para esconder o seu patrimônio, evitando assim responder. Por isso, é possível que se passe a desconsiderar a personalidade jurídica de forma inversa, para que a empresa responda pelas dívidas desse sócio em questão”, afirma.

O especialista especula que Moraes bloqueou os bens da Starlink, pois, com a saída do escritório do X do País, essa seria a alternativa mais viável para a quitação das dívidas da rede social. O doutor em Direito Econômico pondera que o procedimento de desconsideração da pessoa jurídica para atingir outra empresa de Musk deveria ter sido feito por uma carta rogatória.

“O que se aparenta é que isso foi feito porque a Starlink possui receitas no Brasil e assim seria possível atingir esse direito. De toda forma, o procedimento correto teria sido a intimação de Elon Musk por uma carta rogatória, que é quando a Justiça brasileira pede a cooperação de uma justiça do exterior para procedimento e execução de sentenças. Isso é o previsto na legislação brasileira, mas demoraria muito a execução deste bloqueio”, afirmou.

Decisão de Moraes cria precedente de risco para investidores estrangeiros

Segundo Andre Marsiglia, advogado constitucionalista e especialista em liberdade de expressão, a decisão tomada por Moraes não cumpriu os ritos processuais. Segundo ele, a extensão da responsabilidade do X para a Starlink deveria ser feito mediante perícia e garantindo o direito ao contraditório por parte de Elon Musk.

Como o processo contra o bilionário é sigiloso, não se sabe se os procedimentos citados pelo especialista foram adotados. Segundo Marsiglia, a ação de Moraes cria um precedente que pode colocar o Brasil em um “mapa de risco para investidores estrangeiros”.

“Cobrar de uma empresa a dívida de outra fere a livre iniciativa e coloca o Brasil no mapa de risco para investidores estrangeiros, que correm o risco de, ao investirem no país, terem eventuais empresas estrangeiras das quais são sócios atingidas por decisões monocráticas de um único juiz”, observa.

Nesta quinta, após Moraes ordenar o bloqueio fiscal da Starlink, Musk desestimulou investidores estrangeiros, declarando que o “Brasil agora é uma ditadura” e que o País “não é mais seguro” para os acionistas.

Afetada pela decisão de Moraes, a Starlink tem hoje uma base de 215 mil clientes no Brasil em seu serviço de internet via satélite. Entre eles estão, inclusive, órgãos públicos, como escolas e até as Forças Armadas.

Entre os clientes está, por exemplo, a Rede Nacional de Pesquisa (RNP), uma organização social ligada ao governo federal que virou uma espécie de “faz-tudo” no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A outra é um projeto-piloto desenvolvido pela estrutura criada para gerir o dinheiro arrecadado com o leilão do 5G.

Inicialmente, esses contratos não serão afetados. Contudo, em médio prazo, pode levar a impactos no pagamento de fornecedores de serviços prestados em terra. Nesta quinta-feira, a companhia confirmou o bloqueio de suas contas e afirmou que continuará prestando serviços, “gratuitamente, se necessário”, já que pode ter dificuldades de fazer a cobrança das faturas.

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