Bolsonarismo desloca palco da guerra política ao exterior com autoexílio, Trump e rede internacional

Liderado por Eduardo Bolsonaro, movimento tem como objetivo denunciar supostas violações no Brasil a estrangeiros, na medida em que cerco se fecha sobre ex-presidente e aliados

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Foto do author Guilherme Caetano

BRASÍLIA — O clã Bolsonaro e seus aliados têm agido para deslocar a disputa política nacional para outro palco: o da arena internacional. Com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) prestes a ser julgado no Supremo Tribunal Federal (STF) e alguns de seus companheiros denunciados e até presos, a direita tem cada vez mais apostado em soluções fora do País.

O movimento, liderado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), começou a ser construído a partir da eleição de seu pai, em 2018, mas tomou novo patamar com a volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos neste ano.

Comitiva de deputados e senadores brasileiros liderada pelo deputado Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos Foto: Reprodução/Eduardo Bolsonaro

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Na última semana, Eduardo reforçou a estratégia ao anunciar que se licenciaria do mandato no Congresso Nacional e permaneceria em território americano para trabalhar por “sanções” contra autoridades brasileiras.

Antes, ele havia assumido a função de secretário de Relações Internacionais de seu partido, o PL, e trabalhado para chefiar a comissão de Relações Internacionais e de Defesa Nacional da Câmara, o que não deu certo. O histórico demonstra que ele tem tornado a área internacional sua principal seara.

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Um aliado de Eduardo afirmou ao Estadão, sob anonimato, que o deputado se desmotivou em ficar no Brasil após ser desencorajado a assumir a comissão na Câmara — para não criar atrito com o STF — e concluiu que, nesse caso, seria “mais útil” ficar nos Estados Unidos, estreitando laços com políticos republicanos e o governo americano.

A proximidade de Eduardo com Trump — o republicano chegou a recebê-lo em seu escritório na Trump Tower em 2021 e no baile de gala de sua posse e mandou cumprimentos ao seu pai em um evento em fevereiro, em Washington — é o principal ativo dessa articulação. Mas aliados da família têm explorado o apelo a atores estrangeiros em suas agendas.

A conexão Brasília-Washington é cada vez mais frequente entre os bolsonaristas, que têm viajado para denunciar o que julgam ser abusos de autoridade e as perseguições políticas recorrentes no Brasil. Encontros desse tipo ocorreram algumas vezes, como em novembro de 2023 e março de 2024. O deputado federal Marcel van Hattem (Novo-RS) se destaca nessa empreitada internacional, mas nomes como Bia Kicis (PL-DF), Gustavo Gayer (PL-GO) e Carla Zambelli (PL-SP) também têm se dedicado à agenda.

A bancada bolsonarista também se reuniu no mês passado com o colombiano Pedro Vaca Villarreal, relator especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), para se queixar do STF. O objetivo era dar repercussão internacional ao que eles julgam ser uma perseguição contra os conservadores no Brasil.

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Além de uma gama de comunicadores, ativistas e políticos americanos, como Elon Musk, Jason Miller, Michael Shellenberger e Tucker Carlson, sulamericanos e europeus têm se envolvido na polarização brasileira e tomado o lado do bolsonarismo, como os argentinos Javier Milei e Fernando Cerimedo, os portugueses Sérgio Tavares e André Ventura e o espanhol Hermann Tertsch.

Após anunciar o autoexílio, Eduardo recebeu manifestações públicas de apoio de parlamentares americanos. No X, o deputado federal republicano Rich McCormick (Georgia) lembrou que ele e e sua colega Maria Elvira Salazar (Flórida) enviaram a Trump uma carta no mês passado pedindo a aplicação da Global Magnitsky Act contra o ministro do STF Alexandre de Moraes.

Trata-se de uma lei que permite ao governo americano impor sanções contra autoridades de outros países que violem direitos humanos, incluindo o congelamento de seus ativos e sua proibição de entrar nos Estados Unidos.

“O fato de Eduardo Bolsonaro, o mais votado deputado federal na história do Brasil e filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, ter sido forçado a procurar exílio nos Estados Unidos demonstra a alarmante deterioração na democracia do maior país da América do Sul”, escreveu McCormick na quinta-feira, 20.

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O parlamentar americano ignora o fato de que o Eduardo viajou aos Estados Unidos por vontade própria, já que ele não foi indiciado nem denunciado em investigações recentes sobre a tentativa de golpe de Estado.

O senador estadual de Oklahoma Shane David Jett, casado com uma brasileira, disse que “Moraes está brincando com fogo”. Matt Gaetz, republicano da Flórida e ex-indicado por Trump para o cargo de procurador-geral, disse que o Brasil passa por um “golpe judicial”. O Foro de Madrid, aliança internacional de direita criada para combater o avanço da esquerda no mundo, publicou que “o regime de Lula ameaça Eduardo Bolsonaro e intensifica a escalada repressiva”.

A antropóloga Isabela Kalil, coordenadora do Observatório da Extrema Direita, diz que a atuação de Eduardo não se trata de uma iniciativa individual, mas faz parte de um processo construído após o 8 de janeiro de 2023, especialmente com a prisão de apoiadores de Bolsonaro por causa dos ataques às sedes dos Três Poderes. A anistia aos presos, nesse caso, virou uma das pautas centrais dessa estratégia.

“A extrema direita passa a se articular globalmente com a ascensão do trumpismo, principalmente em torno da figura do Steve Bannon (ex-estrategista de Trump), que começou a viajar à Europa e criar essas redes”, diz ela.

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“No governo Bolsonaro, o Brasil ainda não tinha esse papel relevante que tem hoje. O 8 de Janeiro é que coloca o Brasil no circuito da extrema direita internacional, até por causa do espelhamento desse evento com a invasão do Capitólio (6 de janeiro de 2021), e depois com a suspensão do X (agosto de 2024)”.

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