BRASÍLIA - A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia médicos de realizarem procedimentos preparatórios do aborto após a 22ª semana de gestão, mesmo em casos de estupro, mobilizou aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em publicações nas redes sociais.
O campo bolsonarista critica Moraes por, dentre outros motivos, ter proferido uma medida liminar antes da votação definitiva em plenário. Já aliados de Lula, em sua maioria do PSOL, partido autor da ação no STF, celebraram a decisão do ministro como um ato que impede o constrangimento de mulheres que teriam direito ao aborto legal.
A decisão de Moraes foi tomada em regime de urgência e será submetida ao crivo dos demais ministros no plenário virtual, a partir do dia 31 de maio.
A resolução do CFM, suspensa pelo ministro, visa proibir um procedimento clínico chamado “assistolia fetal”, que antecede o aborto, em gestações com mais de 22 semanas, mesmo nas hipóteses autorizadas pela legislação, o que inclui casos de violência sexual. Esse procedimento induz a parada do batimento cardíaco do feto. A resolução barra a técnica “quando houver probabilidade de sobrevida do feto”
A deputada federal Bia Kicis (PL-DF) publicou um vídeo no último sábado, 18, em sua conta oficial no X (antigo Twitter) no qual questiona a decisão de Moraes. “Qual é a pressa de se dar uma liminar. Qual é a pressa de se promover a morte?”, questionou.
Kicis defendeu que o Congresso legisle sobre o tema para “defender a vida desde a sua concepção”. O aborto é proibido no Brasil, mas há três exceções permitidas por lei. As gestantes e os médicos que realizarem o procedimento abortivo não serão punidos quando a gravidez for resultante de estupro, se a gestação colocar a vida da mulher em risco ou quando o feto for diagnosticado com anencefalia – esta última possibilidade segue decisão do STF em julgamento de 2021.
O senador Eduardo Girão (Novo-CE) adotou a mesma abordagem de Kicis e cobrou que a Câmara dos Deputados vote a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que acaba com as decisões monocráticas de ministros do STF. O texto já foi aprovado no Senado, no fim de 2023, e criou uma crise entre o Parlamento e a Suprema Corte. “A sanha de um STF ideológico, que se mete em tudo, faz mais vítimas inocentes”, disse Girão.
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O campo progressista, por outro lado, celebrou a decisão de Moraes. A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) escreveu no X que o despacho do ministro foi uma “vitória” e destacou que a ação relatada pelo ministro foi apresentada pelo partido. “Aborto legal é direito”, escreveu.
Em audiência na Comissão da Família na Câmara no dia 18 de abril, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) afirmou, em concordância com os parlamentares bolsonaristas, que a discussão sobre o aborto deveria ser feita no Congresso. Diferente dos integrantes da oposição, no entanto, ela justificou a necessidade de o Parlamento deliberar sobre o tema sob o argumento de que a resolução do CFM violou direitos.
“Vamos deixar o Parlamento decidir. Não vamos legitimar que o Conselho Federal possa fazer essa discussão, inclusive passando por cima da lei, desrespeitando a legislação”, disse Hilton.
A deputada voltou a abordar o tema em publicação no X na última sexta-feira, 17, e afirmou que o CFM “está mais preocupado com valores bolsonaristas do que com a saúde das mulheres, meninas e pessoas que gestam”.
Embate entre Congresso e Supremo Tribunal Federal
A decisão de Moraes reacende disputas entre o Congresso e o STF sobre os limites legais para a realização de abortos no País. Em outubro do ano passado, senadores de oposição protocolaram um pedido de plebiscito para decidir sobre a legalização do aborto. A iniciativa foi adotada na esteira de um julgamento no STF que iria decidir sobre descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gestação.
A votação foi pautada pela ex-ministra Rosa Weber, antes de sua aposentadoria, mas foi suspensa por Barroso, que decidiu levar a discussão do plenário virtual para a Corte. Somente Rosa votou até o momento e não há prazo para que o tema volte a ser pautado. Barroso, atual presidente do STF, já afirmou que o aborto é “uma coisa ruim”, mas que é dever do Estado regulamentar o tema para evitar que mulheres em situação de vulnerabilidade sejam submetidas a procedimentos inadequados e perigosos.
Barroso avalia que o debate sobre aborto ainda não está maduro para retornar ao plenário do STF e não dá indicativos de quando deve pautá-lo.
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