Uma semana após o segundo turno da eleição presidencial, atos convocados por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) persistem na porta de quartéis do Exército. Nesta segunda-feira, 7, manifestantes permaneciam em concentrações nas sedes de comandos militares em São Paulo e no Rio de Janeiro. Na capital paulista, onde o lema da intervenção foi substituído nos últimos dias por “resistência civil”, o fluxo de pessoas que ocupam o trecho da Av. Srg. Mario Kozel Filho localizado entre o prédio da Assembleia Legislativa do Estado e o Comando Militar do Sudeste (CMSE) voltou a aumentar no final da tarde desta segunda-feira, 2. Manifestantes passaram o dia voltados à entrada do quartel, se revezando entre gritos de “Forças Armadas, salvem o Brasil”, orações e cantos do Hino Nacional.
Os manifestantes dizem não reconhecer o resultado das urnas que deram a vitória ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O conteúdo de uma live produzida pelo canal argentino La Derecha Diario, que distorce informações sobre o processo eleitoral brasileiro, é usado como principal argumento para alegar fraude eleitoral.
Alguns apoiadores vão e voltam do local, onde há barracas de camping e espaços para distribuição de alimentos. Há participantes que dizem morar em bairros distantes, na Região Metropolitana da cidade. Assim como no feriado de Finados, famílias trouxeram crianças e adolescentes para acompanhar o protesto.
O movimento no local, porém, estava menor no começo do dia, o que foi explicado por manifestantes como reflexo do horário de trabalho, que teria esvaziado parte da avenida. Na última semana, pessoas ocuparam também parte da Avenida Pedro Álvares Cabral, no Ibirapuera.
Nas redes, bolsonaristas lamentaram não poder participar dos atos ao longo do dia por causa do trabalho. O argumento contrasta com uma convocação generalizada de uma “greve geral” que ocorre nos aplicativos de trocas de mensagens. Circula, por exemplo, uma lista de empresas ligadas ao agronegócio que dizem que vão parar em apoio às manifestações. Até o momento, porém, não foram registrados episódios de paralisação.
Nos grupos também há pedidos explícitos para que os manifestantes “não cometam o mesmo erro dos americanos” e evitem invadir “o STF ou qualquer instituição”. “Se fizer isso, o Bolsonaro vai ser preso, as Forças Armadas não vão nos ajudar”, diz uma das publicações. Outra mensagem diz que o Exército está de acordo com as manifestações e pede sua continuidade por mais dois dias. No começo da semana passada, circulava o argumento de que as paralisações deveriam durar três dias para supostamente permitir uma intervenção federal, o que não aconteceu.
A artista plástica Ana Cláudia, de 57 anos, disse que participa das manifestações desde o começo por “acreditar em um país melhor” e que os atos são democráticos. “Queremos continuar acreditando em três coisas: família, Igreja e moral”, disse.
Resistência civil
Faixas com pedidos explícitos de intervenção militar diminuíram ao longo da Avenida, onde há bandeiras do Brasil e também de Israel. Os apoiadores agora falam em “resistência civil”, ainda que mantenham o pedido para que o Exército restaure a ordem no País. Em nota, o Ministério da Defesa disse que manifestações “ordeiras e pacíficas” são um “exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de reunião”. “O Ministério da Defesa pauta-se pela Constituição Federal brasileira”, escreveu.
Após Bolsonaro publicar um vídeo em que pede a desobstrução de estradas na última semana, apoiadores tomaram o discurso como um pedido para trocar as rodovias pela porta dos quartéis. Diferente do dia seguinte à eleição, porém, o nome de Bolsonaro agora é pouco mencionado. Alguns já pedem que o Exército tome o Poder sem aguardar ordem do presidente.
Também defendem que não há liderança formal dos protestos, afastando a possibilidade de vincular pedidos antidemocráticos a políticos que apoiam o presidente Jair Bolsonaro. A alegação é que o movimento é orgânico.
Rio de Janeiro
No Rio, os manifestantes seguem reunidos em frente ao Palácio Duque de Caxias, sede do Comando Militar do Leste (CML), responsável pelo Exército Brasileiro no Rio, Minas Gerais e Espírito Santo. Os protestos na Avenida Presidente Vargas, no Centro da cidade, começaram na quarta-feira, 2, Dia de Finados. Foi montado um acampamento, onde manifestantes se instalaram em barracas de camping e lonas. Nesta segunda, 7, um caminhão de som executava músicas militares e o Hino Nacional. No início da tarde, os manifestantes rezaram o Pai Nosso e, em vários momentos, entoaram o refrão “Forças Armadas, salvem o Brasil”.
Os manifestantes aparentemente também evitavam falar no nome de Bolsonaro. Alguns carregavam cartazes com os dizeres “O Brasil foi roubado”, inclusive em inglês. O controlador de acesso do sistema de trens urbanos da Região Metropolitana do Rio Jorge Costa, de 58 anos, era um dos presentes. Ele ressaltou o inconformismo como resultado eleitoral como o principal motivo para estar no protesto.
“Queremos paz no País. Queremos que seja feita uma recontagem na apuração. Cremos que não foi correta, não foi transparente. Como não tem como recontar, viemos às ruas fazer essa manifestação pacífica”, disse Costa. Ele contou que tem marcado presença no ato todos os dias desde quarta-feira, sempre em seus horários de folga.
Em conversas informais, pelo menos dois manifestantes afirmaram que os apelos dos manifestantes poderiam ser ouvidos ainda nesta segunda-feira, 7. Seria quando, segundo acreditam, o resultado da auditoria feita pelas Forças Armadas nas urnas seria apresentado. Essa informação, aparentemente circulava entre participantes do ato. O Ministério da Defesa anunciou que o documento será encaminhado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta quarta-feira, 9.
Tanto Costa quanto outros manifestantes que conversaram informalmente com o Estadão frisaram que o protesto era pacífico. Disseram também que não era antidemocrático, mas, sim, em prol de liberdades e do direito de ir e vir. Apesar dessas afirmações, os manifestantes pediam que as Forças Armadas salvassem o Brasil.
Diferentemente do ocorrido no Dia de Finados, o trânsito na Avenida Presidente Vargas, principal via de ligação entre a zona norte ao Centro da capital fluminense, não teve faixas interrompidas na tarde desta segunda-feira, 7. Mas o ato atrapalhou a operação do VLT, o sistema de trem de superfície construído para os Jogos Olímpicos de 2016.
Segundo a VLT Carioca, operadora do sistema, já houve quatro interrupções nas Linhas 2 e 3 desde o início dos protestos em frente ao Palácio Duque de Caxias. Nesta segunda-feira, 7, os problemas começaram às 12h10. Duas estações tiveram que ser fechadas. Uma delas é a da Central do Brasil. Ela conecta o sistema ao Metrô e ao sistema de trens metropolitanos.
O acampamento dos manifestantes é organizado. Ao lado do caminhão de som, há um conjunto de banheiros químicos. Uma tenda de lona oferece “atendimento médico”. Alguns manifestantes circulavam com “walkie-talkies” no entorno. No início da tarde, um dos manifestantes anunciou, pelo microfone, do alto do caminhão de som, que seria distribuído um lanche aos manifestantes.
O Estadão ouviu de um manifestante que toda a estrutura é custeada com doações dos próprios participantes. Não foi possível confirmar a informação com algum representante do grupo acampado.
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