Questionado sobre o uso da camisa nacional por seus apoiadores, o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que disse que a camisa e a bandeira são de “todos nós”, mas acrescentou que “você não nega o amor da esquerda por ditaduras no mundo todo”. Ele menciona, então, a carta em defesa à democracia e cita, indiretamente, seu principal opositor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “O cara assina uma carta à democracia mas sempre foi amigo de Chavez, de Maduro, de Fidel Castro, de Evo Morales, de Mujica, de Lugo, de Bachelet, de Kim Jong Un”, disse o presidente, comparando ditadores a líderes da América Latina eleitos democraticamente, como Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile e chefe de Direitos Humanos da ONU. A fala ocorreu neste sábado, 13, em entrevista ao podcast Cara a Tapa, do influenciador Rica Perrone.
Bachelet foi presidente do Chile duas vezes e é crítica de Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, e de outras ditadores. Além disso, teve seu pai, Alberto Bachelet, preso, torturado e morto pelo regime do ditador chileno Augusto Pinochet entre 1973 e 74. Ao longo de sua trajetória como deputado federal, Bolsonaro já se disse admirador de Pinochet e, em visita ao Chile em 2019, causou problemas até ao presidente de direita, Sebastián Piñera, que governava o país.
Na entrevista ao podcast, Bolsonaro também defendeu a ditadura no Brasil, voltando a alegar que o que ocorreu em 1964 não foi um golpe, pois o presidente João Goulart teria sido afastado pelo Congresso. “Dizem que foi ditadura, foi golpe. Golpe é quando você dá um pé na porta, mata o cara que tá na cadeira. Ou prende, ou exila o cara. Nada disso aconteceu em 64.”
O presidente desdenhou ainda da tortura ocorrida durante o regime militar. “Teve coisa errada? Ninguém vai negar que teve. Levou cascudo, tapa, afogamento. Ninguém vai negar que teve isso. Mas ninguém vai negar que do lado de cá nós sofremos também”.
Antes da Presidência, em seu gabinete na Câmara dos Deputados, Bolsonaro tinha as fotografias de todos os presidentes da ditadura militar na parede. Além disso, mesmo depois de assumir o Palácio do Planalto, tem afirmado que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, primeiro militar condenado por sequestro e tortura durante a ditadura, seria um “herói nacional”.
Busca e apreensão na mansão de Trump
O entrevistador Rica Perrone pediu que o presidente comentasse a ordem de busca na mansão do ex-presidente americano Donald Trump, tido por Bolsonaro como um aliando. O chefe do executivo, no entanto, não respondeu diretamente. “Tenho liberdade de conversar com o Trump, mas não liguei para ele”, afirmou.
O mandado de busca para a mansão de Mar-a-Lago, na Flórida, indicou que Donald Trump é investigado pela possível violação de três leis americanas por reter informações de segurança nacional, remover ilegalmente materiais governamentais e destruir ou esconder documentos para obstruir investigações do governo.
Bolsonaro, no entanto, desdenhou da situação. “Um presidente não precisa de papéis. Eu tenho informações privilegiadas. Vão fazer o que? Vão me prender agora?”
Na sexta-feira, 5, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou o arquivamento do inquérito que investiga o presidente brasileiro justamente pelo vazamento de informações ao divulgar a íntegra de um inquérito da Polícia Federal (PF) sobre uma suposta invasão ao sistema do TSE que teria acontecido em 2018.
Bolsonaro no Flow
A entrevista deste sábado não foi a primeira vez em que o presidente Bolsonaro apareceu em um podcast transmitido pelo YouTube. Na segunda-feira, 8, o chefe do executivo conversou por mais de 5 horas com o entrevistador Igor Coelho, conhecido como Igor 3k, no Flow Podcast. Na ocasião, atacou ministros do STF, afirmando que a maioria dos magistrados da Corte têm “viés de esquerda” e que fariam “ativismo judicial”, interferindo em atribuições do Executivo e do Legislativo.
O mandatário repetiu, também, seus questionamentos sobre as urnas eletrônicas, sem apresentar provas. Ainda assim, negou que articule um golpe. “Se eu quisesse dar golpe, eu não falaria nada, deixa correr, no último dia dá golpe. Ou você fala que vai dar golpe agora? Por que essa acusação de golpista contra mim?”, alegou.
Ele ainda se eximiu da responsabilidade pelo orçamento secreto, um esquema, revelado pelo Estadão, que fortaleceu a relação entre o governo Bolsonaro e o Congresso às custas de emendas pouco transparentes liberadas aos deputados. O presidente também voltou a defender compras de Viagra e próteses penianas para o Exército.
Durante suas 5 horas no Flow, o presidente foi pouco pressionado pelo entrevistador. Os podcasts também já foram usados por outros presidenciáveis como alternativas de campanha, por oferecerem muito tempo e pouca contestação ao entrevistado.
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