Bolsonaro deve ser julgado em 2025 pelo STF, que irá adotar estratégias do Mensalão; entenda

Mobilização da Corte e precedentes do Mensalão devem acelerar julgamento e evitar que caso se estenda até 2026, ano das eleições presidenciais

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Foto do author Hugo Henud

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar ainda este ano a possível ação penal resultante da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, evitando que o caso se arraste até 2026, ano das eleições presidenciais. Embora fatores possam influenciar o tempo de tramitação, a expectativa é que a mobilização da própria Corte e precedentes do Mensalão, como a possibilidade de testemunhas serem ouvidas por juízes federais, acelerem o andamento do processo e julgamento.

A denúncia da PGR contra Bolsonaro e outros 33 acusados pela tentativa de golpe de Estado após a vitória de Lula nas eleições de 2022 foi recebida nesta terça-feira pelo relator do caso, Alexandre de Moraes. Agora, o ministro deve abrir um prazo de 15 dias para a manifestação dos denunciados. Encerrada essa etapa, o caso será submetido a julgamento colegiado, que deve ocorrer na Primeira Turma do STF. Nesse momento, os ministros decidirão se a ação penal será aberta, levando o ex-presidente ao banco dos réus. Caso isso ocorra, o processo avança para a fase de instrução, com a coleta de provas e depoimentos, seguida do julgamento final.

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi denunciado pelo MPF por tentativa de golpe Foto: WILTON JUNIOR

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Para juristas com trânsito na Corte, essas etapas da fase de instrução do processo — que envolvem a coleta de provas, oitiva das partes e testemunhas, além da possibilidade de diligências, como perícias —, geralmente as mais demoradas, devem ser encurtadas por meio de estratégias que o Supremo pode replicar, como ocorreu no julgamento do Mensalão em 2012. Na ocasião, o processo, que envolveu 38 réus, foi analisado pelo plenário da Corte em sessões dedicadas exclusivamente ao caso ao longo de mais de quatro meses.

O esquema do Mensalão, como ficou conhecido, consistia no pagamento de mesadas a parlamentares para garantir apoio à base governista do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre 2003 e 2004. O caso levou a um dos maiores julgamentos da história do Supremo, no qual diversos políticos e empresários foram condenados por corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e outros crimes.

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O criminalista Pierpaolo Bottini avalia que o Supremo deve determinar que as oito testemunhas a que cada denunciado tem direito sejam ouvidas por juízes federais, garantindo maior celeridade ao processo. “Esse é um ponto muito importante, já que haverá muitas testemunhas, e essa dinâmica é fundamental para que o julgamento ocorra ainda neste ano, assim como no Mensalão”, afirma, acrescentando que cada denunciado pode indicar até oito testemunhas por fato imputado.

O professor de processo penal e criminalista Aury Lopes Jr. também destaca que Moraes deve designar uma equipe específica dentro de seu gabinete para se dedicar exclusivamente à análise da denúncia e às demais etapas do julgamento, como estratégia para acelerar a tramitação do caso. O grupo, composto por assessores jurídicos e técnicos, anteciparia a revisão de documentos, elaboraria pareceres e organizaria os autos, garantindo maior celeridade ao processo. “Essa prática já ocorreu anteriormente no STF. É um caso complexo que, em circunstâncias normais, não seria julgado neste ano, mas acredito que será, dada a relevância do tema e dos envolvidos”, afirmou.

Aury explica que a Corte pode ainda organizar sessões semanais dedicadas exclusivamente ao julgamento do caso, replicando a estratégia adotada no Mensalão. “Pode ser feito isso”, afirma.

Quanto à produção de provas que podem ser solicitadas pelos advogados dos envolvidos, o criminalista Antônio de Castro Almeida, conhecido como Kakay, avalia que há pouco espaço para novas diligências, dada a abrangência da denúncia apresentada pela PGR. Ele acrescenta que questões preliminares que poderiam ser levantadas pela defesa para adiar o julgamento, como a competência do Supremo, já foram analisadas em casos semelhantes, como dos acusados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.

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“Foram julgadas 381 pessoas, e todas as questões preliminares que normalmente seriam levantadas já foram decididas. Caso sejam suscitadas novamente, o Supremo resolverá rapidamente. Não tenho dúvida de que os ministros querem julgar ainda este ano”, afirma Kakay.

A avaliação de Kakay está alinhada à percepção de um interlocutor de um ministro ouvido pelo Estadão, que afirma que os magistrados do Supremo querem concluir o julgamento ainda este ano para evitar que o caso se estenda até 2026, ano eleitoral.

Os juristas avaliam que, uma vez concluídas essas etapas, o julgamento deve começar até o início do segundo semestre. “Após a decisão, ainda há a possibilidade de recursos, que devem ser analisados até o fim do ano. Caso haja condenação, as eventuais penas seriam cumpridas a partir do início de 2026”, projeta Kakay.

Sobre os recursos, Aury Lopes Jr. destaca que a tramitação deve ser rápida. “Em tese, há a possibilidade de embargos de declaração (prazo de dois dias) e embargos infringentes (prazo de dez dias). São recursos bastante limitados e julgados rapidamente”, explica.

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Decisão sobre Turma ou Plenário pode atrasar julgamento

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Um fator que pode retardar o andamento do processo é a definição sobre se o julgamento ocorrerá na Primeira Turma ou no Plenário do Supremo. Embora, em regra, a competência para julgar temas penais caiba às turmas da Corte, o jurista e presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Renato Vieira, avalia que, caso a defesa solicite, há possibilidade de o processo ser levado ao Plenário.

“O relator do caso, na turma, pode encaminhar a matéria ao plenário caso considere relevante a questão jurídica ou veja necessidade de prevenir divergências entre as turmas, conforme prevê o artigo 22, parágrafo único, inciso b, do Regimento do STF”, explica o jurista.

Se o caso for deslocado, o julgamento pode atrasar devido ao risco de pedidos de vista, mecanismo que permite a um ministro solicitar mais tempo para análise antes de votar – com prazo de devolução de 90 dias corridos. A chance de essa prerrogativa ser utilizada aumenta diante de possíveis divergências entre os magistrados, especialmente porque Kassio Nunes Marques e André Mendonça, indicados por Bolsonaro, já divergiram da maioria da Corte em casos semelhantes, como nos julgamentos dos envolvidos nos atos de 8 de janeiro.

Um advogado de um dos denunciados, ouvido pelo Estadão, acredita que o caso será levado ao Plenário, onde a posição dos ministros é mais heterogênea, e que a produção de provas e perícias devem prolongar o processo.

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Já o advogado do tenente-coronel Rodrigo Bezerra Azevedo, um dos denunciados pela PGR, Jeffrey Chiquini, afirmou que é humanamente impossível concluir o processo ainda este ano, devido ao número de acusados. “Se forem respeitados o devido processo legal, com contraditório e ampla defesa eficazes, não há como finalizar o caso em 2025. Imagine que cada réu pode indicar até oito testemunhas”, argumentou.

Chiquini também criticou a decisão de Moraes de manter o caso na Primeira Turma e disse que pretende recorrer. “Agora, por conveniência, ele desconsidera o regimento interno. Não há coerência nas decisões do ministro Alexandre de Moraes”, afirmou.

Quais são os próximos passos

Com a denúncia já sob relatoria de Alexandre de Moraes, o ministro deve abrir um prazo de 15 dias para que os denunciados apresentem suas manifestações. Encerrado esse período, o caso será encaminhado para julgamento colegiado, que poderá ocorrer no Plenário ou na Primeira Turma do STF. Caberá aos ministros decidir se a ação penal será aberta, o que levaria o ex-presidente ao banco dos réus.

A PGR, por sua vez, decidiu fatiar a denúncia contra Bolsonaro como parte de uma estratégia para acelerar o julgamento, reduzindo o número de testemunhas e incidentes processuais, além de permitir que cada parte do caso avance de forma independente.

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Se a ação for instaurada, inicia-se a fase de instrução processual, na qual são colhidas provas, como depoimentos, interrogatórios e dados, para apurar a procedência das acusações contra o ex-presidente. Concluída essa etapa, abre-se o prazo para as alegações finais, momento em que as defesas podem contestar as provas apresentadas pela PGR e levantar outros pontos que sustentem a inocência dos réus.

Na sequência, Moraes, como relator, elabora seu voto e apresenta o relatório. Não há prazo definido para essa análise nem para a realização do julgamento após sua manifestação. Uma vez finalizada essa etapa, o caso estará pronto para ser julgado pelos demais ministros do STF.