BRASÍLIA – O presidente Jair Bolsonaro iniciou um movimento que pode enfraquecer o Ministério da Justiça e Segurança Pública e reduzir o papel do ministro Sérgio Moro no governo. Ele admite contrariar o ex-juiz, retirando da pasta as políticas de combate à criminalidade, uma das principais atribuições da área e a que reúne resultados positivos até aqui.
Interlocutores de Moro dizem que aconselharam ele a deixar o governo caso a mudança se concretize. A investida contra o ex-juiz da Operação Lava Jato ocorre no momento em que sua popularidade supera a do presidente e que seu nome passa a ser cotado como eventual candidato à Presidência. Em entrevista ao programa Roda Viva, nesta segunda, 20, o ministro disse que o candidato do governo é o presidente Bolsonaro, mas refutou assinar um documento dizendo que não disputaria a vaga.
No ano passado, o presidente cogitou a recriação da pasta, mas enfrentou resistências justamente devido às críticas de que a medida poderia esvaziar a pasta de Moro.
Caso Bolsonaro repita o mesmo modelo de Ministério da Segurança Pública do seu antecessor, Michel Temer, Moro perderia o comando da Polícia Federal, do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), os três órgãos mais importantes da sua pasta.
Ao ser questionado sobre o assunto na quarta-feira, 22, Bolsonaro disse que a divisão das pastas é uma demanda de secretários estaduais, com quem se reuniu anteontem no Palácio do Planalto.“É comum (o governo) receber demanda de toda a sociedade. E ontem (terça-feira) os secretários estaduais da Segurança Pública pediram para mim a possibilidade de recriar o Ministério da Segurança (Pública). Isso é estudado. É estudado com o Moro. Lógico que o Moro deve ser contra, mas é estudado com os demais ministros”, disse o presidente, na saída do Palácio da Alvorada, antes de embarcar para a Índia.
A avaliação entre auxiliares do presidente era de que Bolsonaro falou o que os secretários gostariam de ouvir, mas ainda não tomou uma decisão. O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, disse que Bolsonaro “em nenhum momento disse apoiar a iniciativa”. “Apenas, educadamente, disse que enviaria a seus ministros, para estudo, entre eles o Ministro Sérgio Moro”, postou Heleno em seu Twitter, em mensagem também reproduzida nas redes sociais por Bolsonaro.
O ministro, porém, pediu para “confiar” nas decisões do presidente, mesmo que isso contrarie alguns de seus assessores. “O que alguns não entendem é que o Presidente é o CAPITĀO DO TIME, ele escalou seus 22 ministros. As decisões são tomadas, ouvindo os ministros, mas cabe a ele, como Comandante, dar a palavra final, mesmo que isso contrarie alguns dos seus assessores ou eleitores.”
Ao comentar sobre a possível recriação do Ministério da Segurança Pública, o presidente em exercício, Hamilton Mourão (PRTB), disse que o governo “nem sempre consegue” o que deseja, pois é preciso um “diálogo” com o Legislativo.
“Agora, vocês sabem muito bem que uma decisão desta natureza depois ela vai pra onde? Vai para o Congresso e vai ser votada lá. Então vamos lembrar que tudo aquilo que o Executivo deseja fazer nem sempre consegue, porque existe um diálogo com o Legislativo”, disse ele.
Mourão afirmou que a ideia de recriar o ministério foi levada por secretários de Segurança dos Estados ao presidente Bolsonaro. “Os próprios secretários de Segurança é que solicitaram a criação deste ministério, o que levou o presidente a fazer uma declaração neste sentido", disse o presidente em exercício.”
Um dos nomes cotados para assumir a eventual pasta é o ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF), que é próximo de Bolsonaro e um dos políticos que mais frequentam o Palácio da Alvorada. Em entrevista ao Estado, Fraga contestou a capacidade técnica de Moro para cuidar da área de Segurança Pública.
Recriar ministério da Segurança Pública contradiz declaração de Bolsonaro
O presidente deixou claro que, caso decida recriar o ministério, Moro seguiria no comando da Justiça. Segundo ele, o convite para o ex-juiz federal integrar o governo, em 2018, foi feito antes de se pensar na ideia de formar um “superministério” para ele - composto por Justiça e Segurança Pública.
“Se for criado, aí o Moro fica na Justiça. É o que era inicialmente. Tanto é que, quando ele foi convidado, não existia ainda essa modulação de fundir (a Justiça) com o Ministério da Segurança”, afirmou Bolsonaro.
A declaração, porém, contradiz o que o próprio presidente disse ao anunciar a entrada do ex-juiz da Lava Jato no governo. “O juiz federal Sérgio Moro aceitou nosso convite para o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Sua agenda anti-corrupção, anti-crime organizado, bem como respeito à Constituição e às leis será o nosso norte!”, escreveu Bolsonaro, em mensagem compartilhada no seu Twitter no dia 1o. de novembro de 2018.
Se perder a Segurança Pública, Moro terá um ministério voltado para tratar de questões relacionadas a conflitos indígenas, direito do consumidor e outros assuntos com menos protagonismo. Quando criou o Ministério da Segurança Pública, Temer tirou todo o protagonismo do ministro Torquato Jardim, então comandante da pasta da Justiça.
Em reunião com os secretários estaduais nesta quarta-feira, 22, Bolsonaro admitiu que índices de violência no País ainda são altos quando comparado com outras nações, e citou a diminuição da violência como uma forma de fazer a “economia girar”. “A busca da diminuição dessa violência em nosso Brasil tem que ser compartilhada por todos nós, não é competência minha, do respectivo governador, é de todos nós”, disse.
A redução nas taxas de violência em 2019 tem sido comemorada por Moro, que atribui parte da queda à sua gestão no ministério. Uma das vitrines de sua atuação foi a transferência de líderes de facções criminosas, como o PCC, para presídios federais. Medida que não teve o apoio de todos os governadores.
sso causou um atrito com os Estados, que cobraram de Moro a divisão do mérito. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), tem resumido a insatisfação ao afirmar que os frutos colhidos pela pasta de Moro não são resultado do trabalho dele, mas do trabalho realizado na gestão de Raul Jungmann, que foi ministro da Segurança Pública no governo de Michel Temer, e dos governadores.
A recriação da pasta da Segurança também conta com o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que já travou embates com Moro. Nesta sexta, Bolsonaro destacou o aval. “O Rodrigo Maia é favorável à criação da Segurança. Acredito que a Comissão de Segurança Pública (da Câmara) também seja favorável. Temos que ver como se comporta esse setor da sociedade para melhor decidir”, declarou.
O presidente da bancada da bala da Câmara, o deputado Capitão Augusto (PL-SP), porém, criticou a possível divisão. "Não é o momento de mexer", disse ele, que é aliado do ministro da Justiça.
Ao aceitar convite, Moro tinha como meta combater a corrupção e o crime organizado
Quando aceitou o convite para ser ministro, Moro tinha como meta combater corrupção e o crime organizado, o que deixava implícito a junção das pastas. Ele também fazia questão de ter o Conselho de Controle de Atividade Financeira (Coaf) sob o seu comando, o que já perdeu para o Banco Central. Ele também foi desautorizado por Bolsonaro na indicação de uma suplente para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, a cientista política Ilona Szabó, especialista em Segurança Pública. Além disso, o presidente não se empenhou para defender a aprovação do pacote anticrime no Congresso, principal aposta de Moro, com medidas contra a corrupção e pela redução da criminalidade.
A derrota mais recente foi a sanção por Bolsonaro da implementação do juiz de garantias. Moro era contra, mas o presidente tomou partido do Congresso, que incluiu o tema dentro do pacote de Moro. O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, derrubou por meio de liminar a medida, derrotando Bolsonaro - e Moro comemorou nas redes sociais.
Correções
O texto foi atualizado às 17h26 com o posicionamento do Ministério da Justiça a respeito da revogação do decreto que dispõe sobre a expulsão de estrangeiros. Segundo a pasta, "tacitamente" nada muda.
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