Bolsonaro diz que Mauro Cid tinha ‘autonomia’ para agir; leia a íntegra da entrevista ao Estadão

Ex-presidente nega que tenha mandado seu ex-ajudante de ordens vender um relógio Rolex no exterior e trazer de volta o dinheiro

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Foto: WILTON JUNIOR
Entrevista comJair BolsonaroEx-presidente

ABADIÂNIA (GO) – O ex-presidente Jair Bolsonaro alegou em entrevista ao Estadão que seu seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid tinha “autonomia” para agir. A declaração foi em resposta ao questionamento se o ex-presidente havia pedido para seu subordinado vender joias no exterior e trazer de volta o dinheiro para o País. Mauro Cid levou para os Estados Unidos um relógio Rolex que Bolsonaro havia recebido de presente como chefe do governo brasileiro. O item deveria ter sido devolvido à União.

Na entrevista, primeira vez em que fala longamente sobre o caso, Bolsonaro negou que tenha recebido dinheiro de Cid por conta da venda do Rolex. “Não mandei ninguém vender nada”, disse. “Não recebi nada”, completou.

Jair Bolsonaro em parada na estrada que liga Brasília a Goiânia Foto: Rodrigo Silviano / Estadão

Esse é, até o momento, a principal divergência entre as defesas do ex-presidente e do seu ex-ajudante de ordens. O advogado de Mauro Cid, Cezar Bitencourt alega que seu cliente vendeu o relógio e entregou o dinheiro ao chefe Bolsonaro. Já o ex-presidente disse que não recebeu valor algum.

Nesta sexta-feira, a defesa de Mauro Cid mudou de versão em relação a um ponto importante. Há um dia, Bitencourt havia declarado que seu cliente agiu sob ordens de Bolsonaro e que vendeu o relógio porque o chefe pediu. Agora, o advogado de Cid afirma que o ex-presidente pediu que seu subordinado resolvesse o “problema do Rolex”. Coube a Mauro Cid tratar do assunto por sua conta.

A conversa com o Estadão foi gravada numa parada na estrada que liga Brasília a Goiânia, cidade para onde o ex-presidente viajou nesta sexta-feira, 18. Enquanto tomava café com leite e comia um pão com manteiga, Bolsonaro deu a entrevista a seguir ao Estadão.

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O advogado do Mauro Cid mudou a versão dele em relação à entrevista da revista Veja...

Eu li a matéria, não achei nada de concreto contra mim ali. O tempo vai esclarecer tudo isso aí.

E a decisão do ministro Alexandre de Moraes que determinou a quebra de sigilo do senhor?

Sem problema nenhum. Minha esposa, sem problema nenhum.

Não incomoda… a primeira dama?

Lógico que tudo incomoda, lógico que incomoda, mas sem problema nenhum.

Jair Bolsonaro disse em entrevista ao Estadão que Mauro Cid tinha "autonomia" para agir Foto: Rodrigo Silviano / Estadão

Essa manhã, como que o senhor estava se sentindo assim com essas especulações (de prisão)?

O que que você acha, eu tô, eu tenho uma pressão desde antes de assumir a Presidência. Passei quatro anos difíceis, né? Para o Brasil e para mim também, para a minha família. Eu tô há oito meses aqui, estamos em agosto né? Parece que eu continuo sendo… pautando a vida. Tem uma declaração do Lira falando sobre esse caso, né? Todos os ex-presidentes tiveram problemas (com presentes). A legislação é confusa. É de 1991, se não me engano. Tem uma portaria do final de 2018 no governo Temer, e ali está dito o que é personalíssimo, que quem disse que qualquer presente é personalíssimo ou não é um órgão da Presidência. E tem começar por aí. Eu gostaria muito que vocês fizessem um jornalismo investigativo. Essa equipe que trabalha lá não é comissionada, são pessoas antigas.

Presidente, a Veja cita essa portaria do Michel Temer e lá está descrito que essa portaria foi revogada.

Final de 21.

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Em relação a isso, já não vale mais a portaria. Em relação ao caso das joias…

Ela vale, pelo menos, até a data que ela ‘vigiu’. Agora, se eu tivesse má-fé, não teria… estaria preocupado com essa portaria.

O caso então não se enquadraria no Rolex, por exemplo, da Arábia Saudita mas no Patek Philippe…

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Eu não vou entrar em detalhe. Quando a portaria é revogada, tem direito a uma vacância. O TCU fez um acórdão em 2016 que provoca o Parlamento para que uma decisão legislativa seja tomada para botar um ponto final nessas questões. Você pode ver, o Lula sofre até hoje com isso. Todos os ex-presidentes apanharam no tocante a isso aí. Eu tô nesse bolo.

Quanto ao Walter Delgatti, o senhor faria uma acareação com ele?

Vamos continuar com esse assunto (presentes), eu volto no Walter Delgatti para você. Tem que ter uma legislação, o único problema que eu tô tendo no governo é isso. Uma legislação que todo mundo com boa-fé, quando vê a legislação verifica que não tem problema. Outra coisa, quando você recebe presente fora do Brasil, você recebe muito presente. Nenhum presente veio no meu avião, vem no outro avião, e ele vem diretamente, essa é a orientação pra tal do GADH para cadastrar e classificar. Então não tenho acesso a tudo que chega lá. Eu tenho nove mil itens, metade dos itens são camisetas e bonés. Agora, camisetas e bonés. O que fazer com isso aí? Tá guardado em um conto. Tá bem guardado, mas é só dor de cabeça.

O ponto mais tenso é que na PF tem um diálogo do Cid dizendo, por exemplo, que um dos relógios foi vendido nos Estados Unidos, em Nova Iorque e seria dado 25 mil dólares ao senhor.

Eu não recebi nada. Delgatti, eu recebi o Delgatti, não nego. A Carla Zambelli levou ele lá. O que a gente procurava naquela época? Ter a certeza que o sistema é seguro. Tanto é que eu o encaminhei para a Comissão de Transparência Eleitoral, que foi uma comissão que foi criada por uma decisão do ministro Barroso, e que era para exatamente colaborar com o TSE para que a decisão fosse a mais segura possível. Pelo o que eu sei, ele ficou lá talvez 15 e 20 minutos, pelo que eu sei, ele não foi recebido pelo ministro da Defesa, foi recebido por alguém dessa comissão e pelo que eu sei, pelo que eu sei, nunca mais voltou lá.

O senhor faria uma acareação com ele?

Para que fazer uma acareação?

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O depoimento dele teve partes que o Wajngarten disse que foram mentira.

Ali, foi mostrada a vida pregressa dele, estelionatário e contumaz. A acareação tem que ser em pontos sensíveis. A palavra, só a palavra dele e mais nada? Ele está preso. Pelo que vi na imprensa, ele não quer delação premiada, ele quer entrar no programa de proteção à testemunha. Quem está preso não está no programa de proteção à testemunha. Ele está preso. À tarde, quando o pessoal da oposição começou a inquiri-lo ele falou coisas importantes. (na verdade foi em resposta para o presidente da CPMI). (Ele disse que) até 2018, apenas uma pessoa tinha o código-fonte. Ele disse que essa pessoa poderia alterar o resultado das eleições. Ele falou também de 2018, o inquérito que foi aberto lá e até hoje não foi fechado, em que foi apurado inconsistências nas minhas eleições, em 2018. Nesse ponto que ao meu entender, deveria ser focado. O que a gente tem que fazer, a gente faz, né?

O sr. disse que não que não recebeu nada. Mas o sr. mandou Mauro Cid vender as joias?

Já vi outra matéria aí, que conversaram com o advogado dele, dizendo que ele tinha autonomia.

O sr. mandou Mauro Cid vender as joias?

Como está na matéria da Folha, ele tem autonomia. Não vou mandar ninguém vender nada.

Então, ele agiu por conta própria?

Joias é tido como personalíssimo, ou seja, pertence ao presidente. Até 2021. Agora, eu deixo claro. Foi no meu governo que derrubou a portaria. Se eu tivesse intenção outra, eu teria revogado, teria preocupação com essa portaria. Teve uma viagem do escalão nosso. 20, 25 pessoas receberam relógio do chefe daquele país. Inclusive discutiram: ‘devolve, não devolve’, foi decidido que ficava com aquelas pessoas.

Anulada então a portaria, pode ter alguma implicação?

A portaria é do governo Michel Temer. Todo mundo conhece, foi presidente da Casa três vezes, é uma pessoa respeitada, exerceu dois anos e pouco de governo. Eu entendo que a portaria é legal. No mínimo até o final de 2021, tudo é personalíssimo, inclusive joia. Dali para frente, pode estar um vácuo. Precisa de uma lei para disciplinar isso aí.

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Tem matérias que dão conta que ali no ano de 2022 teria mais algum presente. Então em 2022 seria irregular?

Até 2021 tudo certo? Tem que se basear no que está escrito. A partir de 2022, está definido o que é personalíssimo.

Aí a avaliação fica para a Justiça?

Fica no ar. Em dúvida, tem que beneficiar um lado.

Há a especulação de que pode haver prisão preventiva.

Eu não sou advogado. Tem pré-requisitos.

O senhor teme que pode isso pode acontecer?

Se eu estiver ligando para alguém fazer isso ou aquilo. Se for flagrado, eu me disponho à Justiça. Eu quero clarear o mais rápido possível.

Os seus advogados vão conversar com o ministro Moraes em algum momento?

Meus advogados estão em São Paulo. Até ontem à noite, conversei com alguns. Hoje, não conversei.

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