BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro e seus filhos distorceram os critérios adotados pelo Facebook quando disseram que a plataforma somente derrubou páginas de seguidores bolsonaristas. Embora o discurso adotado pelos Bolsonaro tenha sido o da perseguição contra militantes de direita, o comunicado do Facebook deixou claro que a remoção de 73 contas da rede social, na quarta-feira, 8, não foi tomada com base nos conteúdos publicados, mas, sim, em comportamentos considerados nocivos ao debate público.
Na prática, foram identificadas e removidas 35 contas do Facebook e 38 do Instagram, o que dá o total de 73, além de 14 páginas e 1 grupo. O Facebook agiu com base no que chama de Comportamento Inautêntico Coordenado (CIB, na sigla em inglês), sem indicar se as mensagens disseminadas pelos perfis seriam ou não "fake news". A rede de páginas que foi alcançada pela medida, porém, flerta com conteúdos enganosos e com discurso de ódio e algumas publicações já haviam até mesmo sido removidas anteriormente.
"Quando investigamos e removemos essas páginas, focamos no comportamento, e não no conteúdo, independentemente de quem está por trás delas, o que elas publicam ou se são estrangeiras ou nacionais", diz o comunicado oficial do Facebook, divulgado no dia 8.
Naquele mesmo dia, a plataforma tirou do ar redes de desinformação em vários outros países, até mesmo nos Estados Unidos, terra natal da empresa. Derrubou também páginas de apoiadores do ex-presidente do Equador Rafael Correa, que é de esquerda. Correa é um dos poucos na América do Sul a dar aval ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.
O Facebook define publicamente regras de conduta que devem ser seguidas pelos usuários. Entre os comportamentos proibidos estão "utilizar várias contas", "encobrir a finalidade de uma página enganando os usuários sobre a propriedade ou controle dela", "falsificação de identidades", "usar contas falsas" e "aumentar artificialmente a popularidade do conteúdo".
Ligações
A apuração do Facebook apontou casos em que mantenedores de perfis de apoio a Bolsonaro também controlavam páginas que se passavam por jornais e eram usadas para dar vazão a conteúdos partidários.
"Ainda que as pessoas por trás dessa atividade tentassem ocultar suas identidades e coordenação, nossa investigação encontrou ligações com pessoas associadas ao Partido Social Liberal (PSL) e a alguns dos funcionários nos gabinetes de Anderson Moraes, Alana Passos, Eduardo Bolsonaro, Flávio Bolsonaro e Jair Bolsonaro", informou a empresa.
Para o presidente, seus filhos e aliados, no entanto, o Facebook tomou uma decisão política de restringir conteúdos conservadores e violou a liberdade de expressão de militantes de direita, uma posição que não adotaria com usuários de esquerda.
Foi o que alegou Bolsonaro na transmissão ao vivo que fez na noite desta quinta-feira, 9, a primeira após a ação do Facebook. Ali, no Palácio da Alvorada, Bolsonaro apresentou uma série de publicações feitas nas redes sociais contra ele, na tentativa de mostrar a parcialidade da plataforma.
"No Brasil, sobrou para quem está do meu lado, para quem é simpático a minha pessoa. E parece que a esquerda fica aí posando de moralista, de propagadores da verdade", disse o presidente.
Os filhos parlamentares de Bolsonaro foram na mesma linha quando reagiram ao bloqueio que afetou funcionários e aliados do grupo. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), por exemplo, usou as redes para insistir na tese de veto aos conteúdos postados.
"Mesmo sem definição do que seja crime de ódio, a rede de Mark Zuckerberg excluiu diversos perfis conservadores no Facebook e Instagram. Os jornais comumente não mostram os posts contendo as 'falácias de ódio' –até porque se houvesse prova teria-se um crime", escreveu ele.
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), por sua vez, bateu na tecla da suposta "censura" contra apoiadores do presidente. "Minha solidariedade a todos os perfis que foram injustamente censurados por Facebook e Instagram –aparentemente por apoiarem o presidente Bolsonaro", disse.
O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) postou um comentário no qual disse estar “cagando” para o “lixo” das fake news e destacou que estava prestes a viver “um novo movimento pessoal”, sem especificar a que se referia. “Aos poucos vou me retirando do que sempre defendi. Creio que possa ter chegado o momento de um novo movimento pessoal. Estou cagando para esse lixo de fake news e demais narrativas. Precisamos viver e nos respeitar”, afirmou ele no Twitter, nesta quinta-feira, 9.
A investigação do Facebook mostrou que o assessor especial da Presidência Tercio Arnaud Tomaz é um dos responsáveis por movimentar perfis considerados falsos. Tercio foi assessor de Carlos na Câmara de Vereadores do Rio, atuou na campanha eleitoral de Bolsonaro, em 2018, e integra o chamado “gabinete do ódio”, instalado no Palácio do Planalto. O grupo, comandado por Carlos, é responsável por alimentar um estilo beligerante nas redes sociais. A existência do “gabinete do ódio”, com esta nomenclatura, foi revelada pelo Estadão em 19 de setembro do ano passado. Na quarta-feira, 8, integrantes da CPI das Fake News solicitaram informações ao Facebook sobre as páginas derrubadas. Os responsáveis pelos perfis falsos poderão convocados pela comissão para esclarecimentos.
Desinformação
O conceito de notícia falsa é um dos temas mais delicados nas discussões sobre iniciativas para conter a desinformação. Fiscalizar comportamentos inadequados de usuários foi a saída encontrada pelaplataforma para evitar investidas sobre conteúdos, algo que pode ser interpretado como censura. Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), Carlos Affonso Souza chamou a atenção para a diferença entre a análise de comportamos e a de conteúdos.
De acordo com Souza, filtrar comportamentos pode ser mais efetivo e menos perigoso à liberdade de expressão do que analisar os conteúdos publicados. Como exemplo, o professor mencionou o funcionamento dos filtros de spams dos e-mails, que consideram não o teor das mensagens, mas características de automatização para barrar recebimentos indesejados.
"Muita gente achando que o Facebook removeu as páginas por causa do conteúdo, mas a raiz da análise não está no comportamento. No ato de criar contas falsas que se retroalimentam", escreveu Souza no Twitter. "O risco de se esbarrar na liberdade de expressão quando se foca em comportamento –e não em conteúdo –é muito menor".
Ação de fãs de K-Pop provocou discussão sobre comportamento nas redes
Um debate sobre o CIB ocorreu em junho, nos Estados Unidos, quando adolescentes fãs de K-Pop agiram de maneira coordenada para esvaziar um comício do presidente Donald Trump, em Oklahoma.
Houve críticas à ação coordenada dos adolescentes por possível violação das regras das redes sociais nas quais eles se organizaram para simular reservas de assentos para o evento –principalmente no Tik Tok. O diretor de cibersegurança do Facebook, Nathaniel Gleicher, analisou o caso e não identificou indícios de que os adolescentes estavam enganando os demais usuários ou usando contas falsas para o protesto. Depois da manifestação, os próprios jovens se apresentaram abertamente em seus perfis para falar das consequências do ato.
Apesar de a ação ter sido coordenada, tratou-se de algo que faz parte da vida política e que não poderia ser combatido pela plataforma, concluiu o diretor. "Com base em relatórios públicos, não há indicação de que as pessoas usaram contas falsas ou agiram de maneira coordenada para enganar usuários. Portanto, isso certamente não constituiria CIB para nós", argumentou Gleicher.
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