A pouco mais de 24 horas do início da votação em segundo turno, o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição pelo PL, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participaram na noite desta sexta-feira, 28, do último debate da eleição, na TV Globo. O derradeiro confronto direto entre os postulantes ao Palácio do Planalto reforçou a temática agressiva da campanha, marcada pela prevalência de acusações mútuas e carência de propostas. Ao fim, Bolsonaro afirmou que “quem tiver mais voto leva”.
Planos para um futuro governo foram pontuais em discussões que em diversas oportunidades resultaram em troca de ofensas. Os candidatos chamaram-se reiteradas vezes de mentirosos. Salário mínimo, rachadinha, desvios na Petrobras, ideologia de gênero, Viagra e pílula do aborto marcaram momentos belicosos do programa, que teve cinco blocos – o último destinado a considerações finais. Foram mais de duas horas de interlocução tensa.
Os candidatos iniciaram o debate sem trocarem cumprimentos, olhares e visivelmente nervosos. No primeiro bloco, Bolsonaro trouxe um tema ao abordar o salário mínimo, que causou desgaste à campanha nos últimos dias. A informação de que o Ministério da Economia pretendia mudar a fórmula de reajuste do piso e de benefícios previdenciários, reduzindo o índice de aumentos, foi explorada pelo PT na reta final do segundo turno.
Com uma cola na mão, Bolsonaro perguntou se, conforme teria sido divulgado pelo programa de Lula na televisão, se ele acabaria, ou não, com direitos trabalhistas, como 13.º salário, férias e hora extra. O presidente disse que o petista mente ao dizer que ele não vai aumentar o salário mínimo. “Nós concedemos reajuste ao salário mínimo pela inflação”, afirmou Bolsonaro.
Lula lembrou que, em seus governos, implementou política de aumento real e afirmou que não houve reajuste acima da inflação no governo Bolsonaro. O presidente justificou a limitação em razão da crise em decorrência da pandemia da covid e prometeu um valor de R$ 1,4 mil para o próximo ano, caso seja reeleito. Atualmente, o piso é de R$ 1,212 mil. “Vou acabar ou não?”, questionou o presidente. “Só sua consciência (sabe)”, respondeu Lula.
A alta temperatura no confronto se explica pela disputa acirrada na corrida presidencial. No primeiro turno, Lula foi o mais votado com 48,4% dos votos. Bolsonaro recebeu 43,2%. A diferença entre os dois foi de pouco mais de 6,2 milhões de votos. Na maioria das pesquisas de intenção de voto no segundo turno, o petista mantém a liderança por margem apertada.
Leia também
Bandido
Nesse contexto, a discussão deslizou para o assunto corrupção, com troca de acusações muitas vezes desconexas e repetitivas. Bolsonaro chegou a chamar Lula de bandido, lembrou as condenações (depois anuladas) do petista na Lava Jato. O ex-presidente rebateu citando suspeitas que envolvem a família Bolsonaro na compra de imóveis com dinheiro vivo e rachadinhas, e disse, por mais de uma vez, que gostaria de discutir propostas.
Lula, porém, também dirigiu ataques, entre eles ao ex-juiz, ex-ministro e atual senador eleito Sérgio Moro (União Brasil), que acompanhava Bolsonaro no debate de ontem e foi responsável por sua prisão. “Fui acusado para permitir que você disputasse as eleições, fui julgado por um juiz mentiroso”, afirmou.
O petista ainda chamou o ex-presidente Michel Temer (MDB) de golpista. Na segunda etapa da eleição, a emedebista Simone Tebet (MS), derrotada no primeiro turno, foi um dos principais cabos eleitorais de Lula, que, em diversos momentos, também recorreu a ironias. “Fica aqui, rapaz”, disse Bolsonaro para ter o petista mais perto no estúdio. “Não quero ficar perto de você”, afirmou Lula.
Ironias
O presidente ironizou a defesa de Lula sobre as condenações na Justiça. “Só foi absolvido se foi pelo (jornalista e mediador do debate) William Bonner”, disse o chefe do Executivo. A citação gerou uma manifestação do apresentador, que lembrou que o teor de sua pergunta na sabatina no Jornal Nacional foi com base em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). “Você foi ‘descondenado’ por um amigo do STF”, afirmou Bolsonaro. “Lula, você é um bandido.”
Os dois candidatos citaram o episódio envolvendo o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), que no domingo passado recebeu agentes da Polícia Federal que foram cumprir mandados de prisão com tiros de fuzil e granadas. Bolsonaro questionou onde estava José Genonio, José Dirceu, Antonio Palocci, ex-ministros e ex-dirigente do PT, que foram alvo do mensalão e Lava Jato. “Ele acabou de esconder Roberto Jefferson, o pistoleiro dele, o homem que atirou na PF”, disse o petista. “O seu modelo de paz é o Jefferson armada até os dentes atirando na Polícia Federal”, afirmou também.
Bolsonaro rebateu: “O Roberto Jefferson recebia mala de dinheiro para comprar apoio parlamentar. O Roberto Jefferson explodiu o seu governo com o mensalão. Mais de cem pessoas presas”. O presidente fez referência à denúncia que deflagrou o escândalo no primeiro mandato de Lula, em 2005.
Constituição
Quando foram apresentados temas e discutiu-se o “respeito pela Constituição”, Bolsonaro acusou Lula de apoiar invasões de terra. Depois, de ter apoiado a censura à mídia – ele citou o caso da Jovem Pan, que foi alvo de decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em razão de ações movidas pela campanha petista. Lula negou a censura. Afirmou que busca a isonomia.
Ao responder à acusação de que incentivava invasões de terra, o petista disse que defendia a agricultura familiar. Ele, na sequência, leu um trecho de um discurso de Bolsonaro no qual o então deputado defendia a “pílula de aborto”. “O Lula, você é abortista. E defendeu a ideologia de gênero”, disse o presidente. “Posso ter mudado. Nem lembro mais.” O petista disse que respeita a vida. “Porque tenho cinco filhos, oito netos, um bisneto.”
Lula lembrou dos sigilos impostos por Bolsonaro. “O cidadão transforma tudo em sigilo. Ora de 100 anos, ora de 50 anos, ora de 20 anos. A gente vai saber quem eram os pastores que saíram com o caminhão com os pneus cheios de barras de ouro”, afirmou em referência ao caso de suspeitas no Ministério da Educação, revelado pelo Estadão.
Leia também
Democracia
Durante as considerações finais, ex-presidente aproveitou para agradecer pela oportunidade e relembrar marcos do seu governo. “Se você quiser, posso ser o próximo presidente da República a estabelecer harmonia no país. Depende única e exclusivamente de você votar no Lula para a gente voltar a consertar esse país”, afirmou.
Já Bolsonaro, confundiu-se no discurso e cometeu um ato falho: “Se essa for da vontade de Deus, estarei pronto para cumprir mais um mandato como deputado federal”, disse, antes de se corrigir: “Presidente”. Em entrevista após o debate, Bolsonaro se comprometeu a respeitar o resultado das urnas: “Quem tiver mais voto leva. É isso que é a democracia.”/JOÃO KER, JOÃO SCHELLER, LAIS ADRIANA, LEVY TELES, MARCELO GODOY E RAYANDERSON GUERRA
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.