BRASÍLIA — Uma casa na Península dos Ministros, em Brasília, foi palco de um encontro, no fim de semana, destinado a arrecadar contribuições de empresários para a campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) à reeleição. O ato ocorreu no sábado, com a presença de Bolsonaro, e na lista de convidados havia investigados pelas operações Sanguessuga e Desolata, da Polícia Federal.
Cem pessoas, entre políticos, ruralistas e lobistas, foram chamadas para o almoço de arrecadação, que teve o ex-senador Cidinho Santos (União Brasil) como um dos organizadores. Na mensagem do convite, distribuída em um grupo de WhatsApp, empresários que convocaram o evento, como o ex-prefeito de Água Boa (MT) Maurício Tonhá – dono da leiloeira de gado Estância Bahia –, disseram que o ato seria o “primeiro” de uma série voltada a ruralistas para “pagar os custos da campanha do presidente”.
Todos fizeram questão de destacar, porém, que tudo ali seria “discreto”, “sem divulgação de mídia” e com “pessoas de confiança”. “O objetivo é que esse grupo se espalhe para os 27 Estados para ajudar na campanha”, afirmava a mensagem, obtida pelo Estadão.
Cidinho fez um discurso ao lado de Bolsonaro e agradeceu a todos por aceitarem o convite. “Nós pegamos essa missão”, disse o ex-senador. Em 2019, ele foi condenado pela 8.ª Vara da Justiça Federal, em Cuiabá, no âmbito da Operação Sanguessuga, por “inflacionar” equipamentos hospitalares quando era prefeito de Nova Marilândia (MT). Apelou ao Tribunal Regional Federal e a Procuradoria da República da 1.ª Região emitiu parecer pela anulação da sentença, mas o processo está parado.
Valdemar Costa Neto, presidente do PL – partido ao qual Bolsonaro se filiou há seis meses – estava no encontro, que foi flagrado pela reportagem. A ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (Progressistas-MS), pré-candidata ao Senado, também compareceu. O titular da Secretaria de Governo, Célio Faria Júnior, acertava o almoço desde o início do mês, mas, mesmo assim, não o incluiu na agenda oficial de Bolsonaro. Em nota ao Estadão, o ministro negou que tivesse agendado a reunião.
Diante de uma plateia formada por políticos e empresários, Cidinho contou ter procurado “Fernandão” para ajudá-lo, porque ele tinha uma “casa boa”. A referência era a Fernando de Castro Marques, dono do laboratório União Química. No ano passado, a farmacêutica fez lobby para tentar vender a vacina russa Sputnik contra a covid-19, mas enfrentou resistências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Hoje, Marques quer ser suplente da ex-ministra Damares Alves, que deve concorrer ao Senado. O empresário é filiado ao Progressistas, partido do Centrão. Em 2018, ele disputou uma cadeira de senador pelo Solidariedade, mas não obteve sucesso. À época, declarou um patrimônio de R$ 667 milhões, o maior registrado por um candidato naquelas eleições. Mesmo assim, responde na Justiça por uma dívida com a gráfica Coronário pela impressão de santinhos, como informou a Coluna do Estadão. Ele nega o débito.
Valdinei Mauro de Souza, o Nei Garimpeiro, também prestigiou a reunião na casa do dono da União Química. O homem que entrou na mira da Operação Desolata por garimpo ilegal, em Poconé (MT), desembarcou em Brasília em um avião Cessna, especialmente para almoçar com Bolsonaro. Já Maurício Tonhá, que caiu em uma investigação da Receita e foi citado na Lava Jato por vender bois para o doleiro Alberto Youssef, veio em voo de carreira.
Bolsonaro foi saudado na casa aos gritos de “mito”. Chegou ali à tarde, vindo de Curitiba, onde participara da Marcha para Jesus. “É muita satisfação encontrar pessoas que trabalham e lutam para fazer o Brasil dar certo”, disse ele, em uma alusão aos ruralistas. O empresário Luiz Olavo fez uma oração.
Após a saída do presidente, participantes da reunião foram instados a oferecer doações para a conta do PL. Com chapéu texano, o ruralista Celso Gomes dos Santos, o Celso Bala, contribuiu com R$ 500 mil.
Em março, o Estadão revelou que empresários se apresentaram a representantes do agronegócio e pediram contribuições para o comitê de Bolsonaro. O grupo dizia falar em nome de Costa Neto e do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), coordenador da campanha. Maurício Tonhá estava na lista de ruralistas que se reuniram depois com o presidente, no Planalto.
Especialista em Direito Eleitoral, a advogada Juliana Bertholdi disse que a forma lícita de arrecadar recursos para campanhas, neste momento, é por meio de vaquinha virtual em plataformas autorizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Doações de empresas são proibidas. “Pessoa jurídica de forma alguma, em nenhum momento da campanha”, observou Juliana. As candidaturas podem ser registradas entre 20 de julho e 15 de agosto.
Procurado, Cidinho disse desconhecer o convite que citava arrecadação para campanha. “Fizemos um almoço lá para a ministra Tereza, em homenagem a ela. Não teve esse objetivo de arrecadar nada, não”, afirmou. “O presidente não estava nem previsto para estar lá.” A presença de Bolsonaro, porém, estava confirmada. “Tivemos um momento especial reunindo empreendedores de todo o País em apoio ao presidente Bolsonaro”, escreveu o ex-senador no Instagram.
Tonhá disse não ter o que comentar. “Eu não preciso dar satisfação da minha vida, não, querida. Não tenho nada a declarar”, afirmou, desligando o telefone. A Secretaria de Comunicação da Presidência não se manifestou. O Estadão não conseguiu localizar Valdinei Mauro de Souza nem Celso Gomes dos Santos.
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