BRASÍLIA - Após as eleições municipais de 2020, o então presidente Jair Bolsonaro reuniu parlamentares aliados no Palácio da Alvorada e confidenciou sua avaliação sobre o resultado das urnas. Para ele, a “turma do Luciano Huck” havia vencido o pleito — numa referência aos partidos do centro ideológico como PSD e MDB —, e endossou o diagnóstico de que a direita bolsonarista, pulverizada naquele ano em diversas siglas, precisaria de um partido único para captar o voto de legenda.
Quatro anos depois, o bolsonarismo se vê abrigado numa só sigla, o Partido Liberal (PL), e chega à disputa liderando em 14 capitais, de acordo com as pesquisas mais recentes da Quaest. Se antes Bolsonaro fora considerado derrotado por não conseguir eleger um número expressivo de candidatos apoiados, os ventos agora sopram a seu favor.
A aliança entre Bolsonaro e o chefe do PL, Valdemar Costa Neto, sanou a dispersão do voto ideológico na direita radical e a legenda, após eleger a maior bancada do Congresso Nacional em 2022, abocanhou a maior fatia do fundo eleitoral. Com o montante de R$ 886,8 milhões, vem turbinando as candidaturas que apostam nos valores conservadores para se elegerem.
Mesmo assim, a “bolsonarização” pela qual passou um partido que era pouco identificado com a direita tem deixado problemas no PL, uma vez que a associação de imagem entre candidato e o principal padrinho político se torna primordial para o desempenho eleitoral. Lideranças se queixam de que Bolsonaro tem se encontrado e gravado vídeos de apoio com nomes de baixa identificação com o próprio ex-presidente, em cidades como Guarulhos, Taubaté e Guarujá. Deputados federais relataram ao Estadão uma insatisfação interna com a postura.
O senador Rogério Marinho (PL-RN), que se licenciou do cargo para se dedicar à coordenação das candidaturas do partido a nível nacional, prevê que o PL deve dobrar seu número de prefeituras, segundo estimativas dos diretórios regionais — a sigla conquistou 345 na eleição passada. E diz não haver comparação com a eleição passada, quando Bolsonaro e o partido pelo qual se elegera em 2018, o PSL, estavam rompidos.
“Não dá para fazer uma comparação com 2020, porque nós estamos na nossa primeira campanha como um partido com nitidez maior de que somos a direita no Brasil”, afirma Marinho. “Mas é um processo de construção, que não vai acontecer da noite para o dia”.
Em capitais como Maceió, Aracaju, Palmas e Rio Branco os bolsonaristas estão pelo menos dez pontos percentuais à frente dos adversários. Na capital alagoana, o prefeito JHC vive o melhor cenário, com 74% das intenções de voto, e deve se reeleger no primeiro turno. No Acre, o prefeito Tião Bocalom (47%) está perto disso. Já em Fortaleza André Fernandes (25%) está numericamente à frente; Bruno Engler (21%) divide a liderança num empate técnico em Belo Horizonte; e Abílio Brunini (26%) segue no encalço do líder nas pesquisas em Cuiabá.
Em regiões onde o PL conta com nomes menos competitivos, a sigla tem a vice em chapas que lideram as disputas entre 17 e 45 pontos de vantagem sobre o segundo colocado em Porto Velho, Boa Vista, Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre. Em Campo Grande, a chapa que tem Coronel Neidy (PL) de vice está empatada tecnicamente na liderança, no limite da margem de erro. Em Salvador, o PL não participa da chapa, mas consta na coligação que deve conseguir reeleger o prefeito Bruno Reis (União), hoje com 74% das intenções de voto.
Bolsonaro vive uma situação peculiar em São Paulo, em que dois dos três líderes nas pesquisas disputam o espólio bolsonarista: o prefeito Ricardo Nunes (MDB), aliado ao vice coronel Mello Araújo (PL); e o candidato forasteiro Pablo Marçal (PRTB) como principal força desestabilizadora da coesão conservadora na cidade. Com um pé em cada canoa — sem prestigiar nem melindrar qualquer um dos candidatos —, o ex-presidente pode vir a se beneficiar da eleição de qualquer um deles.
O PL aportou R$ 134,9 milhões de seu orçamento eleitoral em candidatos a prefeito de 21 capitais, com destaque para os R$ 26 milhões na empreitada de Alexandre Ramagem no Rio. A missão do ex-diretor-geral da Abin de Bolsonaro é impedir uma vitória acachapante do prefeito Eduardo Paes (PSD) em 6 de outubro e levar a definição para o segundo turno.
Apesar da profunda polarização de que saiu o Brasil em 2022, nem Bolsonaro nem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mergulharam de cabeça nas eleições municipais deste ano, apesar do apelo de candidatos dos dois polos. O confronto direto tampouco se vislumbra entre as 26 capitais: apenas Fortaleza, com André Fernandes e o petista Evandro Leitão, se encaminha para ter um duelo de bolsonarista contra lulista em um eventual segundo turno.
Marinho aposta nos valores conservadores de seu partido como apelo eleitoral, mas diz confiar que o voto ideológico não será tão forte como na eleição presidencial de 2022 — e que questões como a zeladoria das cidades devem ser preponderantes no voto. O senador também tira o peso do pleito deste domingo sobre a próxima briga pelo Palácio do Planalto.
“A eleição municipal não é necessariamente tão determinante para a majoritária, em 2026. O grande recado das urnas, e vamos ter esse quadro no domingo, é que a direita está consolidada no Brasil”, declara.
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