No ato mais ousado de golpismo até aqui, Jair Bolsonaro resolveu oficializar, diante de mais de trinta embaixadores e setenta diplomatas, sua fajuta narrativa de fraude eleitoral. Em monólogo de menos de uma hora sem direito a perguntas ou esclarecimentos, o presidente disparou vinte acusações falsas contra o sistema eleitoral, atacou adversários e ministros do STF e distorceu fatos como se estivesse no cercadinho do Alvorada.
O ataque escancarado às instituições democráticas não trouxe nenhuma novidade, mas abriu duas novas frentes na rota de subversão das eleições deste ano. Primeiro, ao formalizar seu pacote de inverdades políticas a representantes estrangeiros, o presidente obriga governos a incluir em suas comunicações diplomáticas a versão de Bolsonaro, que até agora vinha sendo tratada como caricata (e irrelevante) bravata de campanha.
Segundo, ao internacionalizar a narrativa de vulnerabilidade eleitoral, Bolsonaro tenta criar obstáculos para que países reconheçam automaticamente o resultado das urnas, em caso de vitória do ex-presidente Lula. Ao semear dúvida sobre um processo que nunca foi questionado e que segue sem razões para ser colocado em xeque, quer-se, unicamente, protelar uma eventual transição de mandatário num contexto democrático.
Nessa celebração solene do golpe preventivo encabeçado pelo presidente, articulado por seus asseclas fardados e referendado pelo servil chanceler, os embaixadores estrangeiros, instados a comparecer por dever de ofício, serviram de meros amplificadores de uma teoria conspiratória que, até aqui, estava restrita aos círculos bolsonaristas nas redes sociais e no WhatsApp.
No fundo, pouco importa se os interlocutores dão crédito à versão do governo. A essa altura, quase ninguém acredita. Além de criar uma história que se oponha à vasta cobertura da imprensa, inclusive internacional, sobre os arroubos antidemocráticos de Bolsonaro, o cerne desse lamentável roteiro envolve impor todo tipo de constrangimento – jurídico, político e agora diplomático – ao transcurso normal das eleições presidenciais.
Bolsonaro sabe que dificilmente alguma liderança estrangeira deixará de reconhecer o resultado das urnas no Brasil e a legitimidade de um novo presidente. Portanto, diante de uma possível derrota, a melhor estratégia é impedir que as eleições ocorram, nem que seja por meio de sucessivos crimes de responsabilidade. Até outubro, o presidente seguirá jogando pedras no caminho das eleições. Cada nova oportunidade de fazê-lo, como hoje, é uma vitória para Bolsonaro – e uma derrota para a democracia.
*Professor de Ciência Política e Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas
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