Bolsonaro guardou joias e outros presentes em fazenda de Nelson Piquet, em Brasília

Estadão apurou que a propriedade do tricampeão de Fórmula 1 Nelson Piquet foi o destino escolhido por Bolsonaro para guardar dezenas de caixas de presentes que ex-presidente quis manter consigo, como as joias de diamantes

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Foto do author Adriana Fernandes
Atualização:

BRASÍLIA – O ex-presidente Jair Bolsonaro contou com a ajuda de um apoiador para arrumar um lugar onde guardar suas caixas de presentes recebidos durante seu mandato, como as joias de diamantes, e que não queria entregar para a União. O Estadão apurou que dezenas de caixas com pertences foram despachadas para uma propriedade do ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet.

O local escolhido para guardar os presentes é conhecido como “Fazenda Piquet”, e fica localizado no Lago Sul, uma das regiões mais nobres de Brasília. O Estadão apurou ainda que tudo que foi destinado à propriedade de Piquet saiu pelas garagens privativas do Palácio do Planalto e também do Palácio da Alvorada, a residência oficial dos presidentes da República.

Terceiro pacote de joias dado a Bolsonaro Foto: Estadão

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A data inicial para envio das caixas foi registrada no dia 7 de dezembro do ano passado, quando Bolsonaro começava a organizar a sua saída dos palácios, após a derrota na eleição presidencial. Apesar do pedido ter ocorrido nesta data, houve atraso na remessa, e os itens só seriam encaminhados à casa de Nelson Piquet no dia 20 de dezembro do ano passado, uma terça-feira, às 09h00 da manhã. Faltavam apenas 11 dias para o fim do mandato de Bolsonaro. Na semana seguinte, Bolsonaro mandaria um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) ao aeroporto de Guarulhos, para tentar resgatar a caixa de diamantes que era destinada a Michelle Bolsonaro, como seu próprio ministro Bento Albuquerque reafirmou ao Estadão.

As informações apuradas pela reportagem mostram que houve o claro objetivo de Bolsonaro em ficar com os itens de maior valor, uma vez que apenas estes foram enviados para a propriedade de Nelson Piquet, enquanto outros itens, como cartas e livros, por exemplo, foram despachados para o Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e a Biblioteca Nacional do Rio. Para estes itens, portanto, o entendimento foi que seriam bens do Estado brasileiro, enquanto as joias foram tratadas como bens pessoais.

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O Estadão não localizou Nelson Piquet para comentar o assunto.

Nelson Piquet dirigindo Rolls Royce da presidência levando o então presidente Jair Bolsonaro no dia 7 de Setembro de 2021 Foto: Fátima Meira

Nelson Piquet é um cabo eleitoral ativo de Bolsonaro. Em novembro do ano passado, um mês antes de alocar os presentes do então presidente, o ex-piloto brasileiro participou das manifestações contra a derrota Bolsonaro na disputa à reeleição. Um vídeo do tricampeão mundial de Fórmula 1 ao lado de um apoiador do presidente circulou nas redes sociais, onde ele dizia: “Vamos botar esse Lula filho de uma p* para fora”.

Ao fim da gravação, o eleitor que estava ao lado de Piquet repetiu o lema do ex-presidente, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, e o ex-piloto completou a frase dizendo “E o Lula lá no cemitério”, seguido de um palavrão.

Piquet chegou a fazer uma doação de R$ 501 mil para a campanha de Bolsonaro. A informação, registrada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), veio a público no fim de agosto, transformando o corredor e empresário no maior doador “pessoa física” da campanha do presidente à época.

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Ainda em agosto, a empresa de Piquet, a Autotrac Comércio e Comunicações, recebeu um aditivo de cerca de R$ 6,6 milhões, correspondente a um contrato assinado em 2019, sem licitação, com o Ministério da Agricultura.

Na semana passada, Piquet foi condenado em primeira instância a pagar uma indenização de R$ 5 milhões por falas racistas e homofóbicas dirigidas ao piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton, da Mercedes, durante entrevista a um canal do Youtube.



No noite desta segunda-feira, 27, o Estadão revelou que Bolsonaro ficou com um terceiro pacote de joias dadas pelo regime da Arábia Saudita quando deixou o mandato, no fim de 2022. O Estadão apurou que o estojo inclui um relógio da marca Rolex, de ouro branco, cravejado de diamantes. A caixa de madeira clara, que traz o símbolo verde do brasão de armas da Arábia Saudita, contém uma caneta da marca Chopard prateada, com pedras encrustadas.

Há um par de abotoaduras em ouro branco, com um brilhante cravejado no centro e outros diamantes ao redor. Compõe o conjunto, ainda, um anel em ouro branco com um diamante no centro e outros em forma de “baguette” ao redor, uma “masbaha”, um tipo de rosário árabe, feito de ouro branco e com pingentes cravejados em brilhantes. Há informações de que, como ocorreu com a segunda caixa de joias levada a Bolsonaro, esta possa estar entre os bens guardados na Fazenda Piquet.

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O relógio Rolex da terceira caixa é encontrado na internet pelo preço de R$ 364 mil. Os demais itens, quando comparados a peças similares, somam, no mínimo, R$ 200 mil. Isso significa que esta terceira caixa de presentes está estimada em mais de R$ 500 mil, na hipótese mais conservadora.

A reportagem apurou que este conjunto de joias, diferentemente das outras duas caixas enviadas a Bolsonaro, foi recebido em mãos pelo próprio ex-presidente, quando esteve com sua comitiva em viagem oficial a Doha, no Catar, e em Riade, na Arábia Saudita, entre os dias 28 e 30 de outubro de 2019.

O ex-presidente Bolsonaro afirmou que deve retornar ao Brasil nesta quint-feira, dia 30 de março, às 7 horas da manhã, para “trabalhar com o Partido Liberal” e “fazer política”. A expectativa é de que ele preste esclarecimentos sobre todas as joias que recebeu irregularmente e as que tentou receber.

Como mostrou a reportagem, Bolsonaro mobilizou não apenas ministérios, mas também militares, a chefia da Receita Federal é até um voo da Força Aérea Brasileira para tentar retirar o conjunto de diamantes detido pela alfândega. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal investigam os fatos, que podem resultar em crime de peculato, que ocorre quando um funcionário público se utiliza do cargo para ficar com algum bem que deveria ser público. A pena prevista é de dois a doze anos de prisão, além de multa.

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TCU é acionado para determinar apreensão de terceiro conjunto de joias

A nova revelação fez com que parlamentares procurassem o Tribunal de Contas da União (TCU), para determinar que Bolsonaro entregue o terceiro conjunto que recebeu irregularmente do regime da Arábia Saudita, já que se tratava de um bem que deveria ser incorporado pelo Estado brasileiro.

As deputada federais Fernanda Melchionna (PSOL-RS), Sâmia Bomfim Deputada Federal (PSOL-SP) e Luciene Cavalcante (PSOL-SP) acionaram o TCU para que o terceiro conjunto de joias “seja confiscado e devolvido” para a União. “Solicitamos que este Tribunal adote as medidas cabíveis para restituição dos bens ora citados ao acervo da Presidência da República e a eventual responsabilização do ex-presidente Jair Bolsonaro”, escreveu Melchionna, no documento enviado à corte de contas.

A defesa de Jair Bolsonaro já chegou a sustentar a tese de que os presentes dados pelos sauditas seriam bens pessoais e que poderiam ser incorporados ao acervo privado do presidente. Ao se manifestar sobre os presentes, o advogado do ex-presidente Bolsonaro, Frederick Wassef, declarou que Bolsonaro, “agindo dentro da lei, declarou oficialmente, os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens, não existindo qualquer irregularidade em suas condutas”. Flávio Bolsonaro também saiu da defesa do pai e disse que as caixas de joias eram “personalíssimas, independentemente do valor”.

O ministro do TCU Walton Alencar, porém, que foi o relator do processo que definiu as regras sobre o assunto, ainda em 2016, foi claro em suas colocações. “Não há dúvida de que se trata de presente oficial, protocolar, destinado ao governo brasileiro, ou seja, por de trás da primeira-dama ou do presidente da República, está o Estado brasileiro, o governo brasileiro”, comentou o ministro. “Essas joias, a exemplo de todos os demais presentes, têm de ser entregues à Presidência da República, lá catalogadas e essas joias devem integrar o patrimônio público brasileiro, sob a guarda da Presidência da República.”

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O presidente da corte, ministro Bruno Dantas, foi o autor da proposta para que os presentes oficiais passem por uma auditoria ao fim de cada mandato. Todas as propostas foram aprovadas por unanimidade. “Esse trabalho vai constar no plano de fiscalização do TCU. Não é possível que, a cada quatro anos, tenhamos uma crise porque esse ou aquele presidente entendeu que um presente era para o seu acervo particular”, afirmou Dantas.

Ele também destacou o entendimento básico sobre o que é um presente de caráter pessoal. Trata-se de atender a dois requisitos: ser um item considerado personalíssimo e de baixo valor monetário, como uma camisa de clube, uma garrafa de bebida típica, um perfume ou um lenço. “Estes são itens que preenchem esses requisitos para o acervo particular de um presidente. Se não preenche esses dois itens, devem ir para o acervo da presidência e isso está definido no acordão de 2016″, disse.

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