O discurso do presidente Jair Bolsonaro na ONU foi o último do mandato, talvez o último da sua vida, e teve tom de despedida, prestação de contas e ataque ao líder das pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva, não citado nominalmente. No frigir dos ovos, o texto inspirado pela diplomacia profissional foi bem, mas os cacos políticos e ideológicos não poderiam faltar.
A sede da ONU amanheceu com projeções nada inspiradoras: “Shame”, “vergonha”, “Bolsonaro, vergonha nacional”. E, depois, a mídia americana acusou Bolsonaro de usar a organização como palanque para discurso eleitoral — que de fato foi —, reafirmando sua a má imagem mundo afora.
O início do discurso já dizia tudo, com Bolsonaro referindo-se ao “Brasil do passado” e alardeando, num texto um tanto mais mal-ajambrado, que o seu governo “extirpou a corrupção sistêmica”, o endividamento da Petrobras chegou a US$ 170 bilhões na gestão de esquerda e “o responsável por isso foi condenado em três instâncias, por unanimidade”. Este é, exatamente, o centro da estratégia de campanha: bater na corrupção do PT para aumentar a rejeição de Lula.
Enquanto lia o resto do discurso, e excluindo-se o jeitão primário de ler, Bolsonaro fez o que qualquer presidente faria. Falou da grandeza do Brasil, de sua agricultura e sua matriz energética, e fez um balanço bem cor de rosa de sua gestão, listando “o esforço de modernização da economia”, “a plena recuperação do emprego”, o “combate à inflação” e até a “queda da miséria em 20%”. Que o digam os miseráveis brasileiros…
Citou também “o Auxílio Brasil criado pelo meu governo” (o Bolsa Família tremeu na tumba), a deflação dois meses seguidos, a queda dos preços da gasolina e da energia elétrica, a maior safra de grãos da história e a previsão de 3% para o PIB de 2022. E falou da Amazônia, ressalvando que “não se pode esquecer das pessoas”, e defendeu a liberdade religiosa e de expressão, o acolhimento de refugiados e o “direito à vida desde a concepção”.
Tudo muito bem, tudo muito bom, mas talvez um tanto tarde demais para uma reviravolta nas pesquisas e para amenizar o seu pior índice: sólidos 50% de rejeição, segundo o IPEC divulgado na segunda-feira, 19/9. Por que será? Porque, entre o que se diz (ou se lê) e o que realmente se faz, há uma distância de léguas.
Certamente, não é à toa que os índices mais massacrantes contra Bolsonaro são entre os mais pobres, os menos escolarizados, as mulheres, os negros e no Nordeste. Esses são os maiores eleitorados do País. E parecem não concordar, sobretudo, com o blá-blá-blá da “queda da miséria”. É bacana dizer isso na ONU, mas dificilmente muda votos no Brasil.
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