Responsável pela campanha vitoriosa de Tarcísio de Freitas (Republicanos) ao governo de São Paulo, o marqueteiro Pablo Nobel, de 59 anos, acredita que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) já não é a melhor voz para representar o conservadorismo na eleição de 2026. Segundo ele, o cenário eleitoral ainda está em aberto, mas há espaço para um candidato de centro com valores de centro-direita. Na visão de Nobel, que trabalha como consultor de comunicação política da agência PLTK, Tarcísio é “jovem” e “não tem pressa”, mas, às vezes, “cavalo selado passa só uma vez na vida”. Ele reconhece que o desconhecimento do governador fora de São Paulo representa um risco para uma candidatura presidencial, mas não deixa de ser também uma oportunidade.
Nascido em Buenos Aires, na Argentina, mas morando no Brasil “desde a época do Gardelão” — expressão argentina para se referir a um passado distante — Pablo Nobel esteve à frente de algumas das principais campanhas eleitorais da história recente do País. Formado em Ciências Sociais pela PUC e com mestrado em Antropologia, ele nunca havia trabalhado com política até o ano 2000, quando uma de suas propagandas sobre política antidrogas caiu nas graças do publicitário Duda Mendonça.
Partiu de Duda Mendonça o convite para Nobel adentrar o universo das campanhas eleitorais, e sua estreia aconteceu na própria terra natal, produzindo comerciais para a campanha de Eduardo Duhalde, que acabaria se tornando presidente do país vizinho. A parceria deu tão certo que Mendonça convidou Nobel para assumir, em 2002, a direção da campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), então líder sindicalista em sua terceira tentativa de chegar à Presidência da República.
A parceria entre Nobel e Mendonça se estendeu por 10 anos, durante os quais o argentino trabalhou ao lado de alguns dos maiores expoentes do petismo, como Marta Suplicy e José Genoino. O ciclo com a esquerda chegou ao fim com o convite para trabalhar em campanhas do PSDB, àquela época principal oposição ao PT. Foram outros 10 anos ao lado dos tucanos, participando de diversas campanhas, incluindo a presidencial de Aécio Neves contra Dilma Rousseff, em 2014, na qual atuou como diretor, trabalhando ao lado do marqueteiro Paulo Vasconcelos.
Há quatro anos, Nobel trocou novamente de ares, dedicando-se agora a candidatos da direita. Seu cartão de visitas dessa nova fase é a vitória de Tarcísio de Freitas ao governo de São Paulo, em 2022, além da contribuição à campanha de Javier Milei no segundo turno das eleições argentinas, quando o medo da mudança quase ameaçou a vitória do outsider. Neste ano, Nobel fez a campanha vitoriosa do prefeito de Santos, Rogério Santos (Republicanos), e esteve ao lado de André Fernandes (PL) em sua tentativa de desbancar os mais de 20 anos de domínio da esquerda em Fortaleza (CE). Foi a disputa mais acirrada do segundo turno das eleições municipais.
Nobel chegou ao Brasil aos 15 anos, quando seus pais, fugindo da instabilidade da Argentina, decidiram recomeçar a vida por aqui. A ideia, no início, não lhe agradou, e a promessa era ficar apenas um ano por aqui. Mas assim que chegou a São Paulo, lembra o marqueteiro, a vontade de voltar desapareceu. De fato, ele nunca voltou a morar na Argentina, embora tenha comandado várias campanhas por lá, incluindo a de Alberto Fernández em 2019. Hoje, revela Nobel, seu maior sonho é comandar a candidatura presidencial de Tarcísio, que, por enquanto, está só no plano da especulação.
Com qual saldo a direita termina 2024?
Mais do que um crescimento nas eleições municipais, houve um reconhecimento do lugar do conservadorismo na política atual. Isso vai além do bolsonarismo. Desde a democratização, acompanhamos o discurso progressista ganhando força, dizendo aos quatro ventos que o Brasil estava se tornando um lugar mais progressista. Quando, na verdade, o Brasil tem as duas coisas. Tem o progressismo, que avançou, mas tem um conservadorismo que estava, de alguma forma, escondido. Esse conservador se sentia um pouco excluído desse processo. Ele dizia: “É verdade, o Lula ganhou, o progressismo está avançando. Sou eu que não me encaixo”. O Bolsonaro catalisou esses sentimento, funcionando como um prisma que consegue concentrar e dar voz a esse conservadorismo enrustido. Este ano, entendo que o conservadorismo mostrou sua força, ganhou espaço e voz.
E o bolsonarismo?
A situação é diferente. Se, por um lado, o bolsonarismo se mostrou uma força atuante e representativa em número de votos, por outro, vemos em pesquisas recentes uma rejeição persistente ao Bolsonaro. Com essa rejeição alta, Bolsonaro passa a ter um teto, o que dificulta sua volta ao poder, independentemente da questão da inelegibilidade. Do ponto de vista eleitoral, as pesquisas mostram que Bolsonaro não é a melhor voz para representar o conservadorismo em 2026. Portanto, o saldo é o seguinte: o bolsonarismo segue forte, mas talvez não tenha força suficiente para voltar a Brasília sozinho. E o diálogo será fundamental.
Do ponto de vista eleitoral, as pesquisas mostram que Bolsonaro não é a melhor voz para representar o conservadorismo em 2026.
Pablo Nobel
Tarcísio se descolou de Bolsonaro e pode ser considerado um nome independente?
Não usaria a palavra “descolar”, porque ele é muito leal ao Bolsonaro e não acredito que ele vá se descolar. O que vejo é que ele começa a ganhar musculatura própria, uma vida própria como personagem político. As pesquisas mostram que ele está bastante focado no Sudeste, com um desconhecimento muito alto Brasil afora. Isso chama bastante a atenção. É uma oportunidade que ele tem para crescer, mas é um risco grande chegar em uma campanha presidencial com um desconhecimento tão alto.
A maneira como tem conduzido as privatizações e outros projetos começa a dar uma cara própria ao governo. Há a oportunidade de que tudo isso surta efeito, mas são projetos muito grandes, que demandam muitos anos para mostrar resultados. A questão das ferrovias no interior do Estado, por exemplo, vai levar 20 anos para começar a fazer sentido. Vejo Tarcísio como um estadista, alguém que planta para o futuro, sabendo que não vai colher. Ao contrário de um populista, que toma medidas imediatistas para colher benefícios eleitorais rápidos. Essa visão estadista é muito positiva, mas resta saber se as pessoas reconhecem isso nele. É uma oportunidade e um risco.
Se Bolsonaro não for o melhor nome para o conservadorismo em 2026, Tarcísio poderia ser?
Eu já ouvi o governador dizer algo que gosto muito: “A presidência é destino”. Para se tornar presidente ou viabilizar uma candidatura presidencial séria, é necessário que uma série de fatores aconteçam ao mesmo tempo. Dito isso, acho que é preciso esperar um pouco para entender o contexto. Vamos supor que o Lula continue forte daqui a dois anos e se candidate à reeleição com chances reais de vitória. Se eu fosse o Tarcísio, optaria pela reeleição em São Paulo, para dar tempo das sementes que ele plantou começarem a florescer e as pessoas reconhecerem seu trabalho.
Quatro anos são diferentes de oito como governador. Tarcísio é jovem, tem tempo e não tem pressa. Mas, por outro lado, às vezes, o cavalo selado passa só uma vez na vida, e se você deixar ele passar, quem garante que o cenário não será diferente daqui a quatro anos? Minha impressão é que, no momento, é preciso esperar as peças se acomodarem e tomar decisões cautelosas no futuro. Se Bolsonaro quiser ser candidato, será. Mesmo que eu ache que ele não seja o melhor nome para o conservadorismo. E pela relação entre eles, Tarcísio não vai se opor a isso. Vai apoiá-lo.
Vamos supor que o Lula continue forte daqui a dois anos e se candidate à reeleição com chances reais de vitória. Se eu fosse o Tarcísio, optaria pela reeleição em São Paulo, para dar tempo das sementes que ele plantou começarem a florescer e as pessoas reconhecerem seu trabalho.
Pablo Nobel
Como avalia essa possibilidade de Bolsonaro repetir Lula e levar a sua candidatura até o limite, mesmo inelegível?
Acho que é bom para o Bolsonaro, mas não para o conservadorismo. Eu acredito muito no trabalho de comunicação feito com antecedência. Mesmo sem declarar quem será o candidato, é importante começar a trabalhar nisso. Quem se posiciona como candidato do conservadorismo deve iniciar uma agenda presidencial, tratando de temas de interesse nacional. Precisa viajar para os Estados, entender as grandes questões do Brasil e se preparar para o futuro.
O que esperar do comportamento do eleitor daqui pra frente?
Aquilo que sempre tratamos na comunicação política como “voto de interesse” — aquele voto “que vantagem Maria leva com isso” — perdeu força. Os votos fundamentados em princípios, em valores e até em preconceitos ganharam musculatura nas últimas eleições. E isso não é um fenômeno exclusivo do Brasil, é algo que estamos vendo internacionalmente. Vimos com Milei, na Argentina, e agora com a eleição do Trump. Na eleição americana, o Biden não estava mal. A economia americana estava se recuperando após a pandemia. Ele assumiu um governo com um desemprego em torno de 6% e reduziu para algo próximo a 4%. Mas o voto não passava mais por ali. Aquela quantidade de dados, gráficos, toda aquela racionalidade que a campanha de Biden tentou impor não se conectava mais com o eleitorado porque o voto deixou de ser um voto de vantagens e passou a ser muito mais sobre princípios, valores e até preconceito. É o voto afetivo, muito mais emocional do que racional.
Não é sobre a economia estar indo bem?
“Não é a economia, estúpido”, para citar a história do Bill Clinton. Não é mais isso. Ou pelo menos não é apenas isso. O voto está mais sofisticado. Vivemos um momento muito desafiador de entender o que se passa na cabeça e no coração desse eleitorado.
Aqui no Brasil, o que está pautando mais o voto do eleitor?
A palavra mágica é atenção. O que faz com que você pare para olhar um post em uma rede social? O político não está competindo com outro político, está competindo contra um jogo de futebol, uma viagem. Cada vez mais, eu acredito que a grande batalha da comunicação política é pela atenção dessa audiência, é saber como se conectar com esse eleitor.
E eu entendo que a esquerda perdeu a conexão com o eleitorado, deixou de entender o interesse do eleitor, especialmente aquele que achava que precisava muito do Estado. Esse eleitor agora começa a olhar para outras coisas.
Aí entra o Pablo Marçal, com sua teologia da prosperidade. O que ele diz para as pessoas? “Não é o Estado que vai fazer por você. Você tem o poder de transformar a sua vida.” Ele se afasta da questão do papel do Estado e se conecta diretamente com o eleitor de forma mais afetiva, dizendo que ele sabe o que fazer para transformar a vida daquela pessoa. Isso é o que o Pablo traz para a mesa. Na outra ponta, vemos uma esquerda um pouco repetitiva, um pouco sem discurso.
Lula, nos últimos dias, tem reclamado muito da comunicação…
Sim, dizendo que não está conseguindo transmitir para as pessoas o que ele está fazendo. Mas me parece que a questão é mais profunda do que essa. O que a esquerda, nesse momento, tem a oferecer para essas pessoas? Por que o pêndulo histórico está pendendo mais para a direita nesse momento? Essas são as questões que estão sobre a mesa e que a comunicação vai precisar burilar daqui para a frente. É preciso enxergar o eleitor menos como um grande grupo, menos como “eu, político, falo com argumentos, dados e gráficos e te convenço”.
Entendo que a comunicação vai precisar ouvir muito mais esse eleitor, conhecê-lo de verdade, segmentá-lo de forma mais precisa, entender as idiossincrasias distintas de cada audiência para poder se relacionar de um lugar mais real, mais verdadeiro, com ela. O Antoni Rubí, no seu livro “A Fadiga Democrática”, aborda muito essa questão, discutindo por que a democracia passa a ser tantas vezes questionada e atacada. E uma das hipóteses é que a sensação das pessoas é de que, apesar de tantas propostas, promessas e eleições, a sua vida está mudando pouco. A sua vida não está se transformando.
Por que Lula tem enfrentado dificuldade para melhorar a aprovação do governo?
Uma das questões é que, de fato, o governo não está entregando o suficiente. Lula criou muita expectativa e a picanha não chegou. A sensação é de que está tudo lindo, mas a vida da pessoa não melhora. Ela continua passando horas no ônibus, o filho segue estudando em uma escola que não atende às suas necessidades, o sistema de saúde continua precário. Então, há uma frustração, independentemente de qualquer coisa.
Uma das questões é que, de fato, o governo não está entregando o suficiente. Lula criou muita expectativa e a picanha não chegou.
Pablo Nobel
Por outro lado, o governo Lula não está conseguindo dar respostas para os desafios gigantes que esse país exige nesse momento. Em parte, porque já está mais velho. O mundo mudou, as ferramentas e os canais de comunicação são outros, a forma de se comunicar é outra. Ele é um homem de quase 80 anos, e é natural que isso aconteça. Ele acabou ficando antiquado. O jogo econômico e as relações entre os países mudaram muito desde 2002, quando foi presidente pela primeira vez. Estamos vivendo uma aceleração histórica violenta que o governo Lula parece não ter compreendido.
Em 2026, que movimento Lula deve fazer para conseguir se reeleger? Há quem defenda uma aproximação maior com o centro ou até o contrário, uma chapa puro-sangue, Lula e Haddad.
Se ele optar por uma chapa puro-sangue, estará cometendo um erro. O que vale para a direita, vale para a esquerda. Há 30% de eleitores mais conservadores e 30% de eleitores mais progressistas. Mas quem decide a eleição continua sendo o eleitor de centro. E esse centro, muitas vezes, é mais apolítico, que tem um voto não ideológico. É um eleitor que decide seu voto na última hora. Não está acompanhando a política agora, não sabe exatamente o que o Lula ou o Tarcísio estão fazendo.
Alguns analistas acreditam que existe espaço para um candidato de centro em 2026. Você concorda ou ainda estamos muito presos a Lula e Bolsonaro?
Eu acho que não. Tem lugar para aparecer nomes novos, sim. Não sou pessimista, não acho que já é jogo jogado. Acho que o tabuleiro ainda não está montado. Ainda dá tempo de muita coisa acontecer. A impossibilidade de Bolsonaro participar da eleição é uma delas. O Lula não ter a saúde necessária para encarar outra campanha e outro governo é outra. Marçal ser um player ou não, também. Acho que está tudo muito em aberto.
Mas, de um ponto de vista mais macro, um centro que tenha um discurso e uma proximidade com o sistema de crenças do eleitor pode funcionar. Por que não um candidato que se considera de centro, mas tenha valores de centro-direita? Uma pessoa religiosa, antiaborto, que valoriza a segurança, temas que conversam com a direita, mas que, ao mesmo tempo, seja moderado.
Como Tarcísio e Caiado?
Exato. Pode ter lugar para um Caiado, para um Tarcísio, para um Ratinho Júnior, para um Marçal.
Acredita que a saúde do presidente Lula será um ponto relevante na eleição de 2026, assim como ocorreu nos Estados Unidos?
Não tenho dúvida que vai ser um tema. Estou certo disso. Ele já vai estar acima dos 80 para uma eleição. Acho que vai ser explorado pelos adversários. E não especificamente apenas pela questão da saúde, mas também pela questão de não ter mais o conhecimento e as ferramentas do mundo que a gente vive hoje. Devia dar espaço para outras pessoas.
Como ficará o PT sem o Lula?
Lula foi presidente do PT há mais de 40 anos. E não cresceu nenhuma liderança sobre a sombra dele. Na ausência do Lula, o PT, como a gente conhece hoje, vai ter muitas dificuldades. O PT vai virar o PSDB. Para mim, é claríssimo que ele deveria ter investido em outras lideranças ao longo do tempo. Bolsonaro, com todas as questões, fez isso. Tarcísio é prova disso. E tem uma direita de jovens que foram surgindo de alguma maneira apoiados também pelo bolsonarismo, coisa que a gente não vê do lado da esquerda. O Lula acabou centralizando muito.
Na ausência do Lula, o PT, como a gente conhece hoje, vai ter muitas dificuldades. O PT vai virar o PSDB.
Pablo Nobel
Você contribuiu com a campanha do Milei no segundo turno. Como você avalia o governo dele, passados quase um ano desde a vitória?
Eu acho que o Milei surpreendeu, sem dúvida. Tomou medidas radicais que disse que tomaria e teve o apoio da maioria da população para isso. O argentino, de alguma forma, estava cansado. Apesar de achar que as medidas seriam muito radicais, que o Milei ia “meter o pé na cristaleira”, o argentino decidiu: “Vamos fazer isso, vamos ver para onde os cacos rolam.”
Havia uma exaustão do eleitorado argentino nesse momento. E, apesar do sofrimento das medidas duras, como o aumento brutal das tarifas públicas e dos preços, quando eu estava lá, os preços praticamente duplicaram em um ano. Era algo muito forte, e as pessoas não conseguiram repassar isso para seus ganhos.
Mesmo com o enorme sacrifício, muitos começaram a ver que valeu a pena. Não todos, claro. Está muito dividido, mas há uma maioria que entende que o pior passou, que a inflação diminuiu — esse mês foi a 2,5% — e que as coisas vão começar a melhorar. O que precisa acontecer agora? Investimento.
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