Bolsonaro passou mais tempo na embaixada do que dedicou a autoridades da Hungria em 4 anos

Ex-presidente passou mais de 42 horas hospedado na Embaixada da Hungria, após ser alvo da PF; durante mandato, ex-presidente dedicou seis horas em reuniões com autoridades húngaras. Assessoria de Bolsonaro não comentou

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Foto do author Tácio Lorran

BRASÍLIA - O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) passou mais tempo hospedado na Embaixada da Hungria, em fevereiro, do que em reuniões com autoridades do país europeu nos quatro anos de seu mandato presidencial, entre 2019 e 2022. Bolsonaro esteve na representação húngara após ter o passaporte retido pela Polícia Federal.

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Entre 2019 e 2022, segundo registros oficiais no site da Presidência da República, o ex-presidente teve sete agendas com autoridades da Hungria. Juntos, os encontros somam pouco mais de 6 horas de atividades, segundo levantamento feito pelo Estadão. Procurada, a assessoria de Bolsonaro não se manifestou.

As agendas de Bolsonaro com representantes húngaros, incluindo o primeiro-ministro do país, Viktor Orbán, é menor do que as 42 horas que o ex-presidente passou na Embaixada. Bolsonaro esteve por duas noites na representação, dias após ser alvo de uma operação da PF, que investiga uma tentativa de um golpe de Estado no Brasil.

A visita de Bolsonaro abriu outra frente de apuração. A Polícia Federal agora vai analisar se o ex-presidente tentou articular alguma manobra diplomática para evitar ser preso no inquérito que apura a tentativa de golpe.

Vídeo: Bolsonaro, enfrentando investigações, se escondeu na Embaixada da Hungria Imagens de câmeras de segurança obtidas pelo The New York Times mostram que o ex-presidente do Brasil passou duas noites na Embaixada da Hungria em um aparente pedido de asilo. REPRODUÇÃO / NYT EXCLUSIVO EMBARGADO Foto: REPRODUÇÃO / NYT

Os advogados de Bolsonaro alegam que o ex-presidente ficou “hospedado a convite” e, no período, conversou com autoridades da Hungria “atualizando os cenários político das duas nações”.

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[Bolsonaro] Sempre manteve interlocução próxima com as autoridades daquele país, tratando de assuntos estratégicos de política internacional de interesse do setor conservador”, explicou a defesa do ex-presidente ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Registros publicados pelo jornal The New York Times mostram que Bolsonaro chegou à embaixada às 21h38 do dia 12 de fevereiro, uma segunda-feira, e deixou o local por volta das 16h15 de quarta, dia 14 de fevereiro. A casa do ex-presidente no Jardim Botânico, em Brasília, fica a 12 quilômetros da embaixada húngara. A distância pode ser percorrida de carro em cerca de 15 minutos.

Distância entre a casa de Bolsonaro no Jardim Botânico, em Brasília, e a Embaixada da Hungria Foto: Reprodução/ Google Maps

Enquanto era presidente da República, Bolsonaro teve quatro encontros com autoridades do país europeu. O primeiro deles ocorreu no dia 2 de janeiro de 2019, quando recebeu o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, no Palácio do Planalto por cerca de 45 minutos. Considerado um dos principais expoentes da ultradireita na Europa, Orbán havia participado da posse de Bolsonaro.

Na ocasião, o primeiro-ministro convidou o então presidente a visitar a Hungria e os países do Grupo de Visegrado, que reúne Polônia, República Tcheca e Eslováquia. Segundo registro da Presidência da República, Bolsonaro lembrou, no encontro, que Brasil e Hungria haviam celebrado 90 anos de relações diplomáticas em 2017 e manifestou interesse em enviar uma delegação para uma visita técnica para explorar oportunidades na Hungria e nos países de Visegrado.

“O mandatário brasileiro aceitou o convite feito por Orban para ir à Hungria, o que deve ocorrer em ocasião oportuna. Jair Bolsonaro reiterou ainda a intenção do Brasil em assinar o tratado de extradição bilateral com o país húngaro”, aponta o portal da Presidência.

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Dez meses depois, em outubro de 2019, Bolsonaro e o então chefe do Itamaraty, ministro Ernesto Araújo, conversaram com o ministro dos Negócios Estrangeiros e Comércio Exterior da Hungria, Péter Szijjártó. Naquele dia, os dois países emitiram um comunicado em conjunto.

“Os ministros destacaram que o Brasil e a Hungria compartilham valores e princípios comuns firmemente alicerçados na convicção de que a identidade nacional constitui direito humano fundamental e base para uma sociedade sadia”, registrou a nota.

“Brasil e Hungria escolheram caminho que combina a liberdade econômica com forte sentimento de identidade nacional e seus valores. Estão convencidos de que essas duas dimensões – a da liberdade econômica e a dos valores – se reforçam mutuamente.”

Depois do encontro de outubro de 2019, Bolsonaro voltou a se encontrar com autoridades húngaras em 2022, segundo a agenda oficial disponibilizada pelo Palácio do Planalto. Em 17 de fevereiro, o ex-presidente fez uma viagem de um dia a Budapeste, capital da Hungria, onde se reuniu com Orbán e o então presidente János Áder, num total de quatro horas de atividades.

Brasil e Hungria assinaram memorandos de entendimento nas áreas de defesa, cooperação humanitária e gestão de recursos hídricos e saneamento de águas em meio ao encontro. Bolsonaro disse que considerava a Hungria um país irmão.

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“Essa passagem por aqui é rápida, mas deixará um grande legado para os nossos povos”, afirmou. “Eu trato (Orbán) praticamente como um irmão, dada as afinidades que nós temos na defesa dos nossos povos e na integração dos mesmos.”

Em julho de 2022, Bolsonaro teve o último encontro com representantes húngaros. Às vésperas das eleições, ele se reuniu com a então presidente Katalin Novák, sucessora de János Áder, no Palácio do Planalto.

Orbán é um dos principais aliados internacionais de Bolsonaro. O primeiro-ministro húngaro assumiu o poder em 2010, cargo que ele já havia exercido por um mandato entre 1998 e 2002. Em outubro de 2022, durante as eleições brasileiras, o primeiro-ministro declarou publicamente apoio à reeleição do então presidente. “Vi poucos líderes tão excepcionais como seu presidente”, afirmou Orbán em um vídeo compartilhado por Bolsonaro.

Segundo especialistas em direito penal ouvidos pelo Estadão, visitar uma embaixada não configura crime ou seria, por si só, suficiente para adoção de alguma medida. Se a apuração já aberta pela Polícia Federal por ventura indicar que o objetivo era frustrar a aplicação da lei penal, com um pedido de asilo, por exemplo, aí sim, estaria aberta uma margem para que o Bolsonaro fosse colocado em regime de monitoramento eletrônico, ou fosse até preso preventivamente.

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