A campanha de Jair Bolsonaro (PL) está à procura de um escândalo para desviar a atenção do caso Roberto Jefferson, o ex-deputado que até ontem era aliado número um do presidente, mas virou elemento tóxico para o Palácio do Planalto. Diante do terremoto que desnorteou a equipe de Bolsonaro, o ‘bode na sala’ da vez é uma acusação de que rádios do Norte e do Nordeste teriam surrupiado a propaganda do candidato à reeleição para beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A “coincidência” é que o comitê do PL só decidiu divulgar essa denúncia agora, um dia após o ataque de Jefferson a agentes da Polícia Federal. E também depois de pesquisas encomendadas pela campanha indicarem que os tiros de fuzil e as granadas disparadas pelo dono do PTB contra os policiais atingiram Bolsonaro nesta última semana da corrida eleitoral.
Era tudo que o ocupante do Planalto não precisava num momento em que não pode mais errar. Além disso, Bolsonaro demorou a condenar os xingamentos de Jefferson à ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF). Só o fez depois que o ex-deputado entrincheirado atirou ao tentar resistir à ordem de prisão, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, integrante do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A um só tempo, Bolsonaro se viu em um enredo com potencial de aumentar ainda mais sua rejeição entre as mulheres e tirar votos de indecisos. Sem contar que o episódio Jefferson escancarou os erros da política armamentista de seu governo, um tiro que saiu pela culatra. De fuzil em mãos, o aliado do presidente feriu dois integrantes de uma categoria que integra a base de sustentação do bolsonarismo. Mas Jefferson, o homem que “emprestou” até “padre” Kelmon para ser linha auxiliar de Bolsonaro nos debates do primeiro turno, foi renegado por ele.
Empurrado pelo antigo amigo para os braços de Lula e do PT, que denunciou pelo mensalão, em 2005, o ex-deputado sentiu o abandono do Planalto e, mais uma vez, prometeu dar o troco. O candidato à reeleição, porém, é expert em jogar os holofotes para o outro lado em momentos de crise.
Foi assim que surgiu a convocação feita pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria, anunciando que iria apresentar um “fato grave” nas eleições. Não se se referia à artilharia de Jefferson, mas, sim, a uma acusação de fraude na propaganda eleitoral.
“Nós estamos aqui porque queremos uma campanha igualitária”, disse o ministro diante de um púlpito montado na entrada do Palácio da Alvorada, na noite desta segunda-feira, 24. Ao lado de Fábio Wajngarten, que coordena a comunicação do comitê de Bolsonaro, Faria afirmou que emissoras de rádio deixaram de veicular 154.085 inserções do presidente, privilegiando os comerciais de Lula.
A portas fechadas, Alexandre de Moraes considerou a denúncia pífia. Em seu despacho, o magistrado abriu prazo de 24 horas para advogados de Bolsonaro provarem a acusação, sob pena de o candidato incorrer em crime eleitoral, se constatada a tentativa de tumultuar a disputa em sua última semana. Moraes disse que a defesa do presidente juntou na petição apenas um “suposto e apócrifo relatório de veiculações em rádio”.
Coordenadores da campanha de Lula afirmam, por sua vez, que Bolsonaro já prepara o discurso para eventual derrota no domingo, 30, e incentiva a “reação” de seus eleitores. O chefe do Executivo diz ser “perseguido” pela Justiça e vira e mexe destaca o risco de “ilegitimidade” das eleições.
Transporte
Sob o argumento de que é preciso combater o transporte irregular de eleitores, o governo pediu à Polícia Rodoviária Federal (PRF) que reforce suas operações no domingo. A estratégia é vista pela equipe de Lula como uma forma de criar dificuldades para aumentar a abstenção de quem vota no petista.
Houve divergências no comitê de Bolsonaro sobre a decisão de não recorrer da decisão do STF que liberou prefeituras e empresas concessionárias para oferecer o serviço de transporte gratuito no dia das eleições. Após idas e vindas, porém, a coligação de Bolsonaro achou melhor não adotar a mesma estratégia do primeiro turno, quando tentou, sem sucesso, impedir o passe livre. A avaliação foi a de que isso poderia ser outro tiro no pé, pois ficaria evidente o intuito de prejudicar eleitores mais pobres, faixa da população em que Lula tem mais votos.
“Estamos assistindo a uma série de manobras”, disse o senador eleito Wellington Dias (PT), ex-governador do Piauí e um dos coordenadores da campanha de Lula. “Já há até o crime da compra de votos por parte de empresários, para eleitores não irem votar. Tem de tudo.”
Ao ser questionado sobre articulações de apoiadores de Bolsonaro para que as ausências no dia da votação sejam maiores no Nordeste, onde Lula lidera com folga as pesquisas, Dias confirmou o movimento. “Mas há uma vontade inabalável, que não se vende e nem se rende, do povo do Nordeste, do povo do Brasil”, insistiu.
Um “manual” com orientações para o segundo turno chegou ao comitê de Bolsonaro na semana passada. Uma delas é pedir a eleitores do presidente que não emendem o ponto facultativo do Dia do Servidor (28 de outubro) com o feriado de Finados, em 2 de novembro.
A preocupação da campanha do PL tem motivo, uma vez que eleitores de renda mais alta podem deixar de comparecer às urnas para viajar. É justamente o público favorável a novo mandato para Bolsonaro. A pedidos, alguns governadores, como o reeleito Ibaneis Rocha, do Distrito Federal – onde o presidente está na dianteira –, já transferiram o ponto facultativo para segunda-feira, 31.
O Centrão atua para evitar a ausência de quem vota em Bolsonaro e, segundo denúncias que chegam ao Ministério Público do Trabalho, aumentar as faltas dos eleitores de Lula. Não se trata de pouca coisa. Numa campanha tão acirrada como essa, a abstenção pode ser o fiel da balança.
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