BRASÍLIA – Um dia depois de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) abrir inquérito para investigar Jair Bolsonaro por acusações infundadas contra as urnas eletrônicas, além de condicionar a realização das eleições de 2022 ao voto impresso, o presidente transformou o conflito com o Judiciário em rixa pessoal. Em novo ataque ao presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, Bolsonaro disse que não aceitará “intimidações” nem eleições “duvidosas” e sugeriu haver um “complô” para eleger o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“O que eu falo não é um ataque ao TSE ou ao Supremo Tribunal Federal. É uma luta direta com uma pessoa apenas: ministro Luís Barroso, que se arvora como dono da verdade”, disse Bolsonaro a apoiadores, no Palácio da Alvorada. “Jurei dar minha vida pela Pátria. Não aceitarei intimidações. Vou continuar exercendo meu direito de cidadão, de liberdade de expressão, de crítica, de ouvir e atender, acima de tudo, a vontade popular.”
Em uma ação coordenada com ministros do Supremo, o TSE decidiu, por unanimidade, determinar duas medidas contra o presidente. Além do inquérito sobre as denúncias falsas feitas por Bolsonaro contra o sistema eleitoral, o TSE pediu ao Supremo que o investigue no caso das fake news. Trata-se de um inquérito conduzido pelo ministro do STF Alexandre de Moraes que já tem provas de participação de aliados de Bolsonaro em ataques orquestrados às instituições.
O desfecho dessas investigações pode tornar Bolsonaro inelegível, caso ele seja responsabilizado criminalmente, além de levar à impugnação de eventual registro de sua candidatura a um segundo mandato.
O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, também disse que só haverá eleições em 2022 com voto impresso. Como revelou o Estadão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), recebeu esse recado de Braga Netto, por meio de um interlocutor político, no último dia 8. Naquele mesmo dia, Bolsonaro afirmou: “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”.
A reabertura dos trabalhos do Judiciári foi marcada por uma estratégia agressiva para conter a disseminação de fake news e as ameaças feitas às eleições, por parte do presidente. Tanto Barroso como o presidente do Supremo, Luiz Fux, saíram em defesa da estabilidade democrática e cobraram respeito às instituições.
Em transmissão ao vivo nas redes sociais, na última quinta-feira, Bolsonaro exibiu vídeos antigos e informações sobre as urnas eletrônicas que já foram consideradas falsas por agências de checagem, como o Estadão Verifica, na tentativa de mostrar que o atual sistema – pelo qual ele próprio foi eleito – é fraudável. Disse, no entanto, que não tinha provas, mas, sim, indícios de suas acusações. O link da transmissão – divulgada pela TV Brasil, uma emissora pública – foi enviado na notícia-crime apresentada por Barroso.
Para o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luís Felipe Salomão, o inquérito administrativo deverá apurar fatos que possam configurar “abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação social, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea, relativamente aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das eleições 2022”.
Na conversa com apoiadores nesta terça, Bolsonaro fez novas ameaças. “Se o ministro Barroso continuar sendo insensível, como parece que está sendo, quer processo contra mim, se o povo assim o desejar – porque lealdade ao povo brasileiro – (haverá) uma concentração na Paulista para darmos um último recado para aqueles que ousam açoitar a democracia”, disse. “Repito: o último recado para que eles entendam o que está acontecendo e passem a ouvir o povo. Eu estarei lá.”
Bolsonaro afirmou que Barroso está “cooptando” ministros do STF e do TSE para “impor sua vontade”. Acusou, ainda, magistrados de favorecer Lula na eleição de 2022. “Nós sabemos o quanto o senhor Barroso deve ao senhor Luiz Inácio Lula da Silva”, afirmou. Desde que as pesquisas de intenção de voto começaram a mostrar Lula na liderança, Bolsonaro aumentou as críticas ao sistema eletrônico de votação. Na prática, o presidente tentar construir uma narrativa para tumultuar o ambiente político e, se necessário, justificar eventual derrota nas eleições.
‘Macho’
Em vários momentos de sua manifestação, o presidente citou Barroso. “Senhor Barroso, sua palavra não vale absolutamente nada. Está a serviço de quem?”, questionou. “Não é o caso de eu e ele mostrar (sic) quem é mais macho. Não é briga de quem é mais macho, mas aqui não abro mão de demonstrar quem respeita ou não a Constituição. A alma da democracia é o voto e o povo tem que ter a certeza absoluta que o voto dele foi para aquela pessoa.”
Na segunda, 2, ministros do TSE e do Supremo, além de ex-presidentes da Corte Eleitoral, se uniram para divulgar nota conjunta com críticas ao movimento de Bolsonaro em favor do voto impresso. Barroso chegou a dizer, depois, que o voto impresso é “a porta aberta” a ocorrência de fraudes, o incentivo ao coronelismo e às milícias.
“O ministro Barroso presta um desserviço à Nação brasileira. Cooptando gente de dentro do Supremo, querendo trazer para si, ou de dentro do TSE, como se fosse uma briga minha contra o TSE ou contra o Supremo. Não é contra o TSE nem contra o Supremo. É contra um ministro do Supremo, que é também presidente do Tribunal Superior Eleitoral, querendo impor a sua vontade”, insistiu Bolsonaro.
O voto impresso já foi adotado em caráter experimental nas eleições presidenciais de 2002, mas acabou reprovado pelo TSE. Naquele ano, para testar o sistema, a medida foi adotada em 150 municípios, atingindo 6,18% do eleitorado. “Sua introdução no processo de votação nada agregou em termos de segurança ou transparência. Por outro lado, criou problemas”, apontou relatório do TSE.
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