Bolsonaro réu: como votou cada ministro da Primeira Turma do STF?

Em votos sobre a materialidade da denúncia, ministros sinalizaram como devem julgar participação de Bolsonaro em suposta trama golpista

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Foto do author Gabriel de Sousa

BRASÍLIA – A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tornou réus, por unanimidade, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados dele por tentativa de golpe de Estado. Quatro ministros acompanharam o voto do relator Alexandre de Moraes pelo recebimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Após a leitura de voto de Moraes, se manifestaram Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Apesar de ser um julgamento sobre a materialidade da denúncia, os magistrados anteciparam posicionamentos sobre a possível culpabilidade de Bolsonaro no caso.

Alexandre de Moraes

Ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito no STF Foto: Antonio Augusto/STF

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Ao longo do voto, o relator destacou que Bolsonaro adotou uma postura sistemática de descredibilização das instituições. Moraes citou a reunião com embaixadores estrangeiros, em julho de 2022, como um exemplo de tentativa de minar a confiança nas urnas eletrônicas. O encontro motivou a inelegibilidade do ex-presidente até 2030, após decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Moraes também exibiu vídeos da invasão às sedes dos Três Poderes, em Brasília, para contextualizar a denúncia e reforçar a ligação entre os acusados e os atos violentos. O ministro definiu aquele dia como uma “guerra campal” e uma “tentativa de golpe violentíssimo”.

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“Nenhuma Bíblia é vista e nenhum batom é visto neste momento, agora a depredação ao patrimônio público, o ataque à polícia, é visto”, criticou. “Uma violência selvagem, uma incivilidade total, com pedido de intervenção militar, de golpe de Estado”, afirmou o ministro.

O relator também disse que um dos “esforços ilícitos” feitos por Bolsonaro foi ter atuado nos bastidores para tentar mudar relatórios oficiais a favor de sua narrativa. Segundo Moraes, o ex-presidente pressionou o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, que também se tornou réu nesta quarta, a alterar o conteúdo de um relatório técnico que não apontava falhas nas urnas eletrônicas.

Moraes declarou ainda que Bolsonaro manuseou uma minuta de golpe que pretendia anular o resultado das eleições de 2022. O ministro mencionou um rascunho de discurso que o ex-presidente teria preparado para ser lido após a deposição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de um documento encontrado pela PF na sede do PL.

“Não há nenhuma dúvida que o denunciado Jair Messias Bolsonaro conhecia, manuseava e discutiu sobre a minuta do golpe. Isso não há dúvida”, disse Moraes.

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Flávio Dino

O ministro do STF Flávio Dino Foto: Bruno Moura/STF

O ministro Flávio Dino foi o primeiro a acompanhar o voto do relator. Dino citou o filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles e estrelado pela atriz Fernanda Torres, para comparar o 8 de Janeiro com a ditadura militar (1964-1985). Segundo ele, o argumento de que não teria havido mortes no dia dos ataques aos Três Poderes é inválido, tendo em vista as consequências do dia em que o golpe militar de 1964 eclodiu.

“Se diz também que não morreu ninguém. No dia 1º de abril de 1964 também não morreu ninguém, mas centenas e milhares morreram depois. Golpe de Estado mata, não importa se isso é no dia, no mês seguinte ou alguns anos depois. Vimos isso agora, porque a arte é fonte do Direito”, afirmou Dino.

O magistrado também comparou o dia da depredação das sedes dos Três Poderes com a invasão do Capitólio nos Estados Unidos, no dia 6 de janeiro de 2021. Em outro ponto, Dino afirmou que quem procura atentar contra o governo legitimamente eleito também busca destruir o Estado Democrático de Direito.

“Não há dúvida que é possível que alguém consuma o crime de tentar ou atentar contra o governo legitimamente eleito e não queira destruir o Estado democrático de direito e vice-versa. Em tese, é possível”, afirmou Dino.

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O ministro do STF Luiz Fux  Foto: Gustavo Moreno/STF

Assim como na primeira etapa do julgamento da denúncia contra Bolsonaro e seus aliados, o ministro Luiz Fux apresentou contrapontos a Alexandre de Moraes. Apesar de acompanhar Moraes, Fux sinalizou que deve analisar, nas próximas etapas, pontos que divergem do relator, como a dosimetria da pena para pessoas que já foram condenadas.

“Se quero me reservar no poder de avaliar, eu necessito efetivamente receber a denúncia para que eu possa me aprofundar em todas essas questões que eu aqui citei como observações. Porquanto em relação à autoria, materialidade, o relator e o Ministério Público legaram à Turma, à sociedade, tudo quanto nós precisávamos saber para o recebimento da denúncia”, disse o ministro no voto.

O magistrado se referiu ao caso da cabeleireira Débora Rodrigues, que pichou a frase “Perdeu, mané” na estátua “A Justiça”, em frente ao STF. Moraes e Dino votaram que ela seja condenada a 14 anos de prisão, com regime inicial fechado. Fux pediu vista, ou seja, mais tempo para análise do caso.

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A ministra do STF Cármen Lúcia Foto: Wilton Junior/Estadão

A ministra Cármen Lúcia, quarta magistrada da Primeira Turma a votar, afirmou que a “ditadura mata e vive da morte”.

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“Se é fato que naquele dia, na frente ou dentro do Supremo, ou do Palácio do Planalto, ou do Congresso Nacional, não morreu alguém, ditadura mata. Ditadura vive da morte. Não apenas da sociedade, não apenas da democracia, mas de seres humanos, de carne e osso, que são torturados, mutilados, assassinados, toda vez que contrariar o interesse daquele que detém o poder para o seu próprio interesse”, afirmou a magistrada.

A ministra, que também é presidente do TSE ,disse que as minutas de golpe – uma das provas apontadas pela PGR – pretendiam alterar o resultado das eleições e tinham como objetivo abolir a Justiça Eleitoral. “Mata-se algo que tem dado certo, que é o Brasil que dá certo democraticamente”, afirmou.

Cristiano Zanin

O ministro do STF Cristiano Zanin Foto: Gustavo Moreno/STF

Fechando o julgamento, o ministro Cristiano Zanin, presidente do colegiado, proferiu um voto curto afirmando que a PGR juntou na denúncia oferecida pelo Supremo “fatos devidamente aptos a configurar” como réus Bolsonaro e os sete aliados dele.

Zanin também buscou afastar a alegação de que as acusações contra Bolsonaro se resumem à delação do tenente-coronel Mauro Cid. Segundo o presidente da Primeira Turma, documentos obtidos pela Polícia Federal (PF) mostram que os réus podem ter participado de atos que culminaram nos atos de 8 de Janeiro.

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“Como eu disse ontem (terça), longe de ser uma denúncia amparada exclusivamente em uma delação premiada. O que se tem aqui são diversos documentos, vídeos e dispositivos – enfim, diversos materiais que dão amparo àquilo que foi apresentado pela acusação”, disse Zanin.

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