BRASÍLIA - A estratégia do presidente Jair Bolsonaro de se aproximar de líderes do Centrão pode levar ao Palácio do Planalto o apoio de um grupo decisivo para seu futuro no cargo. Para barrar um eventual processo de impeachment, Bolsonaro necessitaria reunir 172 votos que rejeitem as acusações crime de responsabilidade contra si. E se ainda não há certeza sobre os números atuais da base aliada no Congresso, tampouco avalia-se que o presidente estaria longe de atingir essa quantidade de apoios.
Um cacique partidário que esteve recentemente com Bolsonaro considera que ele conquistou, com mudança de tratamento e oferta de cargos de segundo e terceiro escalão, os partidos de bancadas médias no Centrão. Com isso, rachou o bloco que dava sustentação ao atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de quem Bolsonaro desconfia e a quem passou a atacar como principal adversário no Congresso.
Atualmente, o governo negocia cargos na administração federal com lideranças do Progressistas (legenda com 40 deputados), PL (39), PSD (37), Solidariedade (14), PTB (12) e Republicanos (31). O último partido abriga filhos do presidente. Seriam 173, sem contar eventuais defecções, um a mais do mínimo que precisa. Teria ainda pelo menos metade dos votos no PSL (53), ala de seu antigo partido que poderá migrar com a criação do Aliança pelo Brasil, e uma parcela significativa de apoios no PSD (37) e no MDB (34). Contaria ainda com apoio relevante na bancada da bíblia, nas frentes evangélica e católica, e apoios individuais em Podemos (12), Patriota (5), PSC (9), entre outros partidos nanicos.
Como mostrou o Estado, o presidente é alvo de 31 pedidos de impeachment na Câmara, número superior a de antecessores e que cresceu após o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro acusá-lo de interferência política na Polícia Federal. Em outra frente, parlamentares também tentam colocar de pé uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as denúncias.
Para o presidente tocar o barco e governar, no entanto, a conta é outra. Ele dependeria de pelo menos 308 votos para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição.
O Centrão comanda a Mesa Diretora da Câmara desde 2015, com a eleição para a presidência do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), preso e condenado por Moro em processo da Lava Jato. Embora a saída do "superministro" tenha desgastado o presidente junto ao seu eleitorado, lideranças do grupo - ao qual ele próprio fez parte no passado - comemoraram a demissão. O ex-juiz criminal e seu braço direito na PF, Maurício Valeixo, simbolizavam uma herança da Lava Jato, uma operação que atingiu dezenas de parlamentares e partidos do bloco informal.
Como o presidente se elegeu rechaçando a “velha política” e alijou os caciques da articulação política, Maia seguia como interlocutor oficial do grupo junto ao Planalto. E mantinha seu poder. Isolado, com popularidade em queda, agravamento da pandemia (quase 4 mil mortes por covid-19) e crise econômica, Bolsonaro resolveu mudar.
Agora, Maia “perdeu cedo o Centrão para Bolsonaro”, resume um dos líderes do grupo. Deputados que estiveram com o presidente consideram que Maia agiu nos bastidores para denunciar um “toma lá da cá”. Apesar de imoral, a prática é corriqueira no presidencialismo e nunca foi condenado como criminosa. E o DEM de Maia não só indicou nomes ao governo como trabalhou para manter seus apadrinhados depois de ameaças de retaliação pelo Planalto. Com isso, Maia teria jogado os partidos fisiológicos no colo de Bolsonaro. Como consequência, o presidente e o Centrão estariam adorando viver um “amor sem intermediários”.
Há dúvidas ainda sobre qual seria o comportamento dos partidos de esquerda, principalmente do PT (53), em relação às denúncias de Moro. A oposição quer remover Bolsonaro, mas sem beneficiar Moro. Ele é algoz do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem prendeu e condenou por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Agora, poderia sair eleitoralmente fortalecido se prosperasse um impedimento com base em suas denúncias.
Pandemia
Não bastassem essas variáveis – os votos pró-Bolsonaro no Centrão e a má vontade da oposição com Moro – ainda há as dificuldades impostas pela pandemia do novo coronavírus. Com o isolamento social, o impeachment dependeria de uma convocação para reunião presencial por parte de Maia e Alcolumbre.
Apesar da grande quantidade de pedidos, Maia disse que o momento não é de por esse tema na pauta. O Estado apurou que Maia não quer tratar do assunto enquanto não houver um sinal mais claro do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as acusações de interferência política de Bolsonaro na PF, como fez Moro. Na prática, a ideia é ganhar tempo. “Acho que todos esses processos precisam ser pensados com muito cuidado”, disse Maia.
Além de demorado, um processo completo requer o funcionamento de comissões especiais para analisar as denúncias na Câmara e no Senado, antes das votações plenárias. Na prática, as longas discussões e oitivas de testemunhos seriam inviáveis, na avaliação de parlamentares, por meio do sistema virtual de votações remotas. A tecnologia foi desenvolvida apenas para o plenário, e nenhuma comissão funciona atualmente no Congresso.
O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), partidário de Moro e hoje crítico de Bolsonaro, considera inviáveis votações remotas de um assunto dessa magnitude, pois poderiam ser questionadas legalmente, para além das dificuldades operacionais. Ele avalia ser “muito difícil” haver alguma repercussão no Congresso, sem um movimento que parta dos chefes do Poder Legislativo.
“Na realidade, o Congresso está em recesso. As reuniões virtuais só ocorrem quando convocadas. E, quando tem alguma efervescência, a primeira coisa que o Davi faz é não convocar. Aí o Congresso permanece mudo, e o que ocorrem são manifestações isoladas, mas não decisão coletiva. Mais do que nunca a palavra do Senado está na mão do Davi e a palavra da Câmara na do Maia. Tudo está na mão deles”, disse o senador.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.