Bolsonaro usou reunião no Planalto para unir ministros em ataques de cunho religioso contra Lula

Vídeo divulgado pelo STF nesta sexta mostra trechos de reunião do Planalto em que ex-presidente exibe vídeo de deputada estadual do PL do Ceará com falas de Lula sobre aborto e política de drogas

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Foto do author André Shalders
Atualização:

BRASÍLIA - O então presidente Jair Bolsonaro usou parte de uma reunião ministerial em julho de 2022 para compartilhar com seus ministros ataques feitos em redes sociais ao então adversário nas eleições, o petista Luiz Inácio Lula da Silva. Bolsonaro queria expor a relação entre o cristianismo e as pautas de parte da esquerda, como a legalização do aborto e das drogas. A mensagem principal era: cristão não pode ser de esquerda, tem que ser conservador.

“Passe esse vídeo rapidamente, que eu tenho outro assunto…”, diz o presidente ao pedir a execução do conteúdo, em um telão. Bolsonaro então interrompe o discurso e os telões da Sala Suprema do Palácio do Planalto passam a exibir um vídeo de 1 minuto e 37 segundos, feito pela deputada estadual cearense Dra. Silvana, do PL. O vídeo intercala falas de Silvana com declarações do então presidenciável Lula (PT) sobre aborto e drogas.

Bolsonaro e o general Braga Netto, então ministro da Defesa, em agosto de 2021 Foto: Gabriela Biló/Estadão

O vídeo da reunião, ocorrida em 5 de julho de 2022 no Salão Leste do Palácio do Planalto, foi divulgado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A divulgação foi feita nesta sexta-feira, 9, depois que trechos do material vazaram para a imprensa. A gravação estava na conta de um serviço de armazenamento de dados na nuvem do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. A execução do vídeo com o recado religioso começa aos 16 minutos e 35 segundos na gravação da reunião presidencial apreendida pela PF.

STF teve acesso ao vídeo após apreender o computador do militar, que fechou acordo de delação premiada com a Polícia Federal (PF), em setembro passado. As informações de Cid foram usadas pela PF para deflagrar a operação Tempus Veritatis. Além de compartilhar com os ministros sua visão sobre esquerda e cristianismo, Bolsonaro também pede que eles façam “alguma coisa” antes das eleições presidenciais daquele ano.

“Cristão que é cristão não pode ser de esquerda”, diz o entrevistador, no vídeo exibido por Bolsonaro aos ministros. “Não é cristão”, diz Doutora Silvana. “Quais são as bandeiras da esquerda? O aborto…”, diz a deputada estadual do PL. Em seguida, há um trecho de uma fala de Lula sobre o tema no dia 6 de abril de 2022. “Aqui no Brasil ela (mulher) não faz porque é proibido, quando na verdade deveria ser transformado numa questão de saúde pública e todo mundo ter direito e não ter vergonha. Eu não quero ter um filho, vou cuidar de não ter meu filho”, diz Lula, então candidato do PT à presidência da República.

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Bolsonaro e seus ministros na reunião de junho de 2022 Foto: STF/Reprodução

No vídeo, Doutora Silvana diz ainda que a “legalização das drogas” é uma bandeira de esquerda, assim como o “casamento homoafetivo”. “São bandeiras da esquerda. Então como é que eu posso dizer ‘eu sou um cristão, mas eu voto no Lula’. Como assim?”, questiona ela. “É totalmente contraditório um cristão declarar-se de esquerda. Ao passo que você conhece a essência do cristianismo e a doutrina sagrada deixada por Deus por meio de sua palavra, fica claro que o projeto real da esquerda é totalmente antagônico ao que Cristo pregou e ensinou. Então, vigiem! Pastor esquerdista, não existe! Cristão socialista, não existe!”, escreveu ela ao publicar o vídeo no Facebook em junho de 2022. A publicação teve 71 mil reações e 115 mil compartilhamentos.

Depois de exibir o vídeo, Bolsonaro passa a elencar outras supostas prioridades da esquerda, em caso de vitória de Lula nas eleições daquele ano. Ele também volta a lançar dúvida sobre a lisura das eleições e sobre o trabalho dos institutos de pesquisa.

“Pessoal, a gente somando isso daí (inaudível), desarmar a população, acabar com os clubes de tiro, valorizar o MST (Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), voltar a ter relações com Cuba, emprestar dinheiro para ditaduras, botar os militares e os pastores nos seus devidos lugares… é uma série de coisas que… se eu falo uma dessas daí, eu não sou eleito nem vereador mais no Rio de Janeiro. E a gente vê, o Datafolha, mostrando né, isso. Para quê que o Datafolha mostra isso? Para quando abrir o resultado no Primeiro Turno, estar o Lula ganhando. ‘Tá vendo, o Datafolha está certo’”, diz Bolsonaro.

Deflagrada na quinta-feira, 8, a operação Tempus Veritatis da PF foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes e incluiu 33 mandados de busca e apreensão contra aliados de Bolsonaro. O próprio ex-presidente teve o passaporte apreendido e está proibido de sair do país. Além disso, quatro ex-assessores de Bolsonaro tiveram decretada a prisão preventiva (isto é, sem prazo para acabar). São eles: os coronéis do Exército Bernardo Romão Correa Neto e Marcelo Câmara; o ex-assessor de assuntos internacionais Filipe G. Martins, e o major do Exército Rafael Martins de Oliveira. O presidente do PL, o ex-deputado Valdemar Costa Neto, também foi detido por posse ilegal de arma de fogo.

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Ao autorizar a operação, Alexandre de Moraes argumentou que os envolvidos estavam planejando a execução de um golpe de estado. O plano envolveria desacreditar os resultados da eleição de 2022 e mobilizar militares para uma tomada violenta do poder. Segundo Moraes, as prisões e as buscas foram necessárias para a “garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal, comprovando a materialidade e fortes indícios de autoria dos tipos penais”.

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