Brasil ignora regras de transparência, e países menos corruptos abrem dados até de IR dos cidadãos

Índice de Percepção da Corrupção, produzido pela Transparência Internacional, coloca nórdicos no topo; veja ranking

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Foto do author Felipe Frazão

BRASÍLIA - Enquanto no Brasil uma parte do orçamento público virou secreto no governo Jair Bolsonaro, e pode seguir driblando a regra da transparência durante o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, nos países com menor índice de corrupção do mundo até o salário de cada pessoa se torna público. É o que ocorre, por exemplo, na Noruega e na Finlândia, onde anualmente os ganhos de todos os cidadãos, não importa se agentes públicos ou funcionários do mercado privado, são publicados por determinação legal, com base nas declarações de imposto de renda.

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A partir da edição da Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigor no País em maio de 2012, salários de servidores públicos são divulgados no Portal da Transparência. Mas a publicidade precisou ser chancelada pelo Supremo Tribunal Federal por causa da reação de parte do funcionalismo. A LAI brasileira segue princípios de transparência internacional, mas, na prática, setores do governo usam brechas para impor sigilo a determinadas informações.

No governo Bolsonaro foi montado o orçamento secreto para garantir apoio do Congresso, como revelou o Estadão. No mesmo governo, proliferaram casos como o do processo envolvendo o general Eduardo Pazuello, tornado restrito por 100 anos. Os documentos foram liberados pelo governo Lula.

Página do processo envolvendo o ex-ministro Eduardo Pazuello e que estava em sigilo. Tarjas foram aplicadas pelo Exército para tampar as assinaturas do militar e do comandante do Exército Foto: Reprodução/ Estadão

Já na Noruega e na Finlândia, além dos também nórdicos Dinamarca e Suécia, as leis de acesso à informação estão consolidadas e os países constam entre os primeiros em rankings de transparência. O Índice de Percepção da Corrupção, produzido pela Transparência Internacional, coloca os quatro nórdicos entre os seis com melhor integridade, onde constam também Nova Zelândia e Cingapura. O Brasil está na 94.ª posição, conforme o relatório de 2022, o mais recente.

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Anualmente, a Finlândia divulga em novembro a lista com imposto de renda dos cidadãos, com dados acessíveis por qualquer pessoa. A documentação inclui fontes de renda sujeitas à tributação, o montante de impostos pago, além do nome da pessoa, data de nascimento e cidade em que vive. Também é possível saber quanto a pessoa deve ou se vai receber reembolso na declaração anual do imposto de renda.

Por se tratar de dados pessoais, na Finlândia os dados não ficam disponíveis online, mas podem ser solicitados por telefone ou em repartições da Receita do País. Os dados estão disponíveis desde 2009. E, na primeira semana de novembro, quando são tornados públicos, jornalistas fazem fila para consultar os dados em estações de trabalho. Nada fica registrado sobre quem consultou o imposto de renda.

A prática de publicar as “listas de impostos”, que trazem dados sobre a renda, o patrimônio líquido e a equalização tributária de cada cidadão, está arraigada na sociedade norueguesa. É assim há 150 anos. No passado, era possível consultar em livros e cadernos. Atualmente, tudo fica disponível online para consulta de qualquer pessoa com cidadania norueguesa, mediante um cadastro. Esse hábito é visto como uma forma de gerar confiança no sistema tributário, conforme a embaixada da Noruega.

“Você pode saber quanto ganha o seu vizinho. Não são só os políticos e celebridades. Os jornais passam uma semana inteira fazendo reportagens e repercutindo essa lista”, diz o embaixador Odd Magne Rudd, segundo quem já não se pode mais “bisbilhotar” o salário de um amigo, parente ou vizinho de forma anônima. O sistema gera um número de registro de quem abriu os dados, mas eles são totalmente públicos e é possível saber exatamente quanto cada um ganha e paga de impostos.

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Além disso, o embaixador diz que ele e outros funcionários do governo são obrigados a entregar a jornalistas ou a cidadãos, se for requerido, as comunicações que mantém sobre assuntos de interesse público, como trocas de e-mails, mensagens de WhatsApp e de texto. O prazo de entrega é de cinco dias.

Para efeito de comparação, no Brasil a Lei de Acesso à Informação prevê um prazo inicial de atendimento de 20 dias, prorrogáveis por mais 10.

Na Dinamarca, que lidera o ranking da Transparência Internacional, o prazo da legislação local é de 7 dias úteis. Se o volume de dados solicitados for grande ou complexo, o período de espera pode ser ampliado para 40 dias úteis. Não há, via de regra, um processo do governo para colocar voluntariamente documentos em portais de transparência, mas a maior parte dos dados é divulgada após solicitação de qualquer pessoa, seja ou não dinamarquesa, segundo a embaixada. O país aplica restrições e não divulga “dados pessoais sensíveis, dados sobre processos criminais e dados sobre processos internos de órgãos públicos”. Fichas profissionais de servidores são de acesso restrito, embora a folha de pagamentos seja pública.

A Suécia também segue uma legislação de transparência, que inclui uma lei que protege agentes públicos que denunciem casos de corrupção e vazem documentos à imprensa para que sejam investigados. Eles não podem ser processados. A legislação sueca relacionada à liberdade de imprensa e acesso a informações públicas, previstas constitucionalmente, é tida como a mais antiga do mundo. O conjunto legal data de 1766.

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“Quando alguém pede um documento, esse pedido deve ser tratado com a maior urgência, a ponto de, regularmente, deixarmos outras tarefas de lado para atendê-lo. Isso acontece para que os funcionários não tenham tempo de esconder nada, ou deixem o tempo passar e a questão seja esquecida. Não temos um prazo específico, pode depender da quantidade de informação solicitada, mas para um pedido simples que não envolva informação confidencial não costuma demorar mais que dois dias. Sabemos que seremos repreendidos e criticados se demorarmos demais”, diz a embaixadora sueca Karin Wallensteen.

Apesar da orientação geral de abertura, os países também mantêm mecanismos para classificar documentos, quando há informações que possam revelar segredos de Estado. No caso da Suécia, por exemplo, isso envolve assuntos que afetem a segurança nacional ou a relação com outras nações e organizações internacionais, a política fiscal central e monetária, além de câmbio, investigações sobre autoridades públicas, medidas de combate ao crime e a proteção de dados pessoais e financeiros de pessoas físicas e jurídicas, e preservação de espécies de plantas e animais.

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