O Brasil entregou uma proposta para o estabelecimento de procedimentos especiais para a inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), das Nações Unidas, no reator do futuro Submarino Convencionalmente Armado de Propulsão Nuclear (SCPN). Ela prevê a manutenção de segredos militares sobre as capacidades da embarcação a respeito das quais a Marinha não abre mão. A agência pretende submeter o reator ao mesmo tipo de inspeção de instalações atômicas civis, o que o Brasil é contra.
Para não ser submetido a sanções em razão dos tratados que estabelecem salvaguardas para a não proliferação de armas atômicas, o País precisa chegar a um acordo com a agência. Isso deve incluir a Argentina nas negociações, em razão da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC). Criada em 1991, a ABACC é uma agência com o objetivo de garantir que o material atômico dos dois países não seja destinado à construção de armas de destruição em massa.
“Há a preocupação com a propagação nuclear. A preocupação com a segurança é essa”, afirmou ao Estadão o almirante Petronio Augusto Siqueira de Aguiar, da Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM). Desde 1988 a Marinha domina o ciclo completo do enriquecimento de urânio em pequenas quantidades. Com o submarino de propulsão nuclear, a Força Naval vai ter de aumentar essa quantidade. “Vai ter escala maior, e a segurança nuclear vai ter de aumentar, com a preocupação de evitar a proliferação de material nuclear”, disse Petronio.
Segundo o almirante, o Brasil vai obedecer os procedimentos especiais com relação a salvaguarda. Petronio já foi duas vezes a Viena, na Áustria, onde a AIEA tem sua sede, para negociar com o diretor-geral da AIEA, o argentino Rafael Mariano Grossi. “Estamos iniciando os procedimentos formais na Agência”, contou. O Brasil negocia a forma das inspeções a fim de manter o sigilo dos dados técnicos do material nuclear.
Atualmente, a agência inspeciona qualquer lugar onde há enriquecimento de urânio. “Como somente as potências atômicas têm submarinos nucleares, nunca a agência fez inspeções em reatores desse tipo. O Brasil aceita as inspeções, mas deseja preservar os dados da capacidade operacional do submarino”, disse o almirante.
O reator da embarcação deve ficar pronto em 2027, e o submarino em 2033, como parte do Programa de Desenvolvimento de Submarinso (Prosub). O reator está sendo montado no Laboratório de Geração de Energia Nucleoelétrica (LABGENE), no Centro Industrial Nuclear de Aramar (CINA), em Iperó, no interior paulista. Já o submarino será construído em Itaguaí, no Rio.
Relato
Em 6 de março deste ano, Grossi contou ao conselho da agência que um encontro técnico foi mantido pelo Brasil com a ABACC e com o secretariado da AIEA para discutir um “acordo para a aplicação dos procedimentos especiais para o uso de material atômico sujeito a salvaguardas na propulsão e na operação de submarinos e seus protótipos, conforme estabelecido em tratados”. O caso brasileiro foi tratado em conjunto com o da Austrália, país que vai receber um submarino nuclear, após um acordo com os Estados Unidos e a Reino Unido, que visam se opor à expansão chinesa no Pacífico.
“Para a agência, os aspectos de não proliferação e as obrigações legais de todos os envolvidos são centrais. Em ambos os casos, a agência continuará a ter como princípio orientador o seu mandato de verificação e não proliferação”, afirmou Grossi ao conselho da AIEA. Por fim, ele concluiu: “A agência conduzirá o seu trabalho nestas matérias de forma independente, imparcial, transparente e profissional. Manterei o conselho informado sobre os desenvolvimentos futuros.”
No mesmo reunião Grossi relatou as medidas tomadas sobre o programa atômico do Irã e a segurança de instalações nucleares na Ucrânia, em razão da guerra com a Rússia. “A diferença nossa para o caso australiano é que o reator é nosso. A Austrália vai receber o pacote fechado. Nós não estamos nessa. É um grande desafio para o estado brasileiro: o desenvolvimento técnico e a operação do submarino nuclear, assim como a preparação de sua tripulação”, afirmou o almirante.
Para tanto, medidas para ampliar a segurança das instalações de Iperó estão sendo tomadas. “Ali montar uma espécie de miniusina nuclear brasileira, com potência pequena para o submarino”, disse Petronio. Tudo está sendo feito na escala 1 por 1, como será no submarino. O sistema secundário do reator, com bomba e motor elétrico, os chamados blocos 20 e 30, já estão prontos. A pesquisa inclui ainda o desenvolvimento de um reator multipropósito, que produzirá radiofármacos.
A Marinha mantém em Iperó o Batalhão de Defesa Nuclear, Biológica, Química e Radiológica (BtlDefNBQR), com as missões de garantir a segurança física das instalações do centro e executar ações de controle de emergências de natureza nuclear, química e radiológicana área. Seu efetivo atual é de 233 militares, mas com a evolução do programa nuclear, ele deve atingir cerca de 450 militares. Já o LABGNE conta com 316 engenheiros, sendo 85 militares e 231 civis.
“O Batalhão de Aramar vai ter de crescer, assim como as medidas de segurança de proteção do perímetro”, disse o almirante. As atividades da contrainteligência devem também aumentar a fim de proteger informações sigilosas. Toda a rede usadas nas pesquisas nucleares da Marinha é segregada e compartimentada. A entrada de dispositivos eletrônicos é controlada na DGDNTM, e o escritório em que o almirante despacha é espécie de sala-cofre, com isolamento acústico.
“Para a Marinha é ‘uma cláusula pétrea’ resguardar (os dados sobre) a capacidade do submarino. A AIEA quer fazer inspeção como se fosse em uma usina qualquer. Será a primeira vez que a agencia vai fazer esse tipo de controle especial”, contou Petronio. Com o apoio do Itamaraty, ele acredita que a proposta brasileira será aceita pela agência. “Nós vamos cumprir todos os tratados em relação a energia nuclear. O Brasil não tem intenção de fazer algo que não esteja nos tratados. Vamos chegar a um acordo”, concluiu.
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