Brasil tem mecanismos para impedir uso abusivo de IA como visto na Argentina, diz ministro do TSE

Floriano de Azevedo Marques avalia que a Justiça Eleitoral tem instrumentos para enfrentar inteligência artificial, caso não surjam novas tecnologias até a eleição

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Foto do author Zeca  Ferreira
Atualização:

As eleições municipais de 2024 serão as primeiras norteadas pelo uso de inteligência artificial (IA) no País. A difusão dessa tecnologia pode facilitar a produção de conteúdo, aproximando candidatos e eleitores, ao mesmo tempo em que pode ser utilizada para gerar imagens e áudios falsos com objetivo de enganar. O ministro Floriano de Azevedo Marques, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), avalia que o conjunto de medidas aprovado nesta semana pela Corte traz os instrumentos necessários para combater o uso indevido de IA, evitando que abusos vistos na eleição da Argentina, em novembro do ano passado, ocorram também no Brasil. Isso, segundo ele, se novas tecnologias não surgirem até lá.

“Em matéria de inteligência artificial, não se pode ter a pretensão de dizer que uma norma previu todos os cenários, até por conta da dinâmica tecnológica”, disse o ministro em entrevista ao Estadão, acrescentando que as resoluções aprovadas pelo TSE são uma consolidação da jurisprudência criada pelo Tribunal em meio ao avanço tecnológico. “(Essas normas) fornecem os instrumentos para enfrentarmos os desafios do estado da arte da tecnologia. Isso não significa dizer que a tecnologia não dará um novo salto até novembro, fazendo com que seja necessário produzir na jurisprudência novos mecanismos de enfrentamento”.

Floriano de Azevedo Marques Neto, ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Foto: TSE/Divulgação

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Uma das principais preocupações da Justiça Eleitoral para este ano é o uso de IA na criação de fotos, vídeos e áudios falsos, prática conhecida como deepfake que, para especialistas, representa uma evolução no fenômeno das fake news. O ministro Marques já classificou a prática como uma espécie de “fake news 2.0″. Isso porque a tecnologia não só permite a produção de informações falsas com maior rapidez, como também trouxe um salto na qualidade dessas produções, tornando praticamente impossível ao olho humano detectar a manipulação realizada por um programa de computador.

O primeiro caso de uso de deepfake para fins eleitorais registrado no País é recente. Em dezembro do ano passado, o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), foi alvo de um áudio no qual uma voz emulada e falsamente atribuída a ele proferia ofensas contra professores. A origem do áudio está sendo investigada pela Polícia Federal (PF), mas já se sabe que a peça foi montada com ferramentas de IA. Um caso similar ocorreu em Chicago (EUA) no início do ano passado. Às vésperas do segundo turno, uma gravação em que um dos candidatos defendia a brutalidade policial foi compartilhada na internet e removida após confirmação de que se tratava de áudio falso gerado por inteligência artificial.

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Foi a eleição da Argentina, em novembro de 2023, que chamou a atenção de autoridades de todo o mundo para as aplicações de inteligência artificial no contexto eleitoral. O embate polarizado entre o peronista Sergio Massa e o ultraliberal Javier Milei ganhou contornos épicos por meio do uso indiscriminado de IA. Aplicações de Inteligência artificial generativa foram utilizas por ambos os lados para se autopromover, mas, sobretudo, para atacar o lado adversário. O candidato peronista, por exemplo, foi vítima de um vídeo falso em que aparecia cheirando cocaína. Milei, que venceu a disputa, também foi alvo de ataques do gênero.

Questionado sobre a possibilidade de o Brasil repetir o cenário visto na Argentina, Marques disse que considera que o País tem instrumentos para evitar uma situação como a observada no país vizinho. Exemplo disso é a resolução do TSE aprovada nesta terça-feira, 27, que proíbe qualquer uso de ‘deepfake’. Embora a medida ainda não tenha sido publicada no Diário da Justiça Eleitoral (DJE), devido a detalhes na redação do texto, a vice-presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, já apresentou as diretrizes da norma.

Segundo a resolução, estão proibidos “conteúdos sintéticos em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenham sido gerado ou manipulados digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia”. Candidatos e partidos também precisam identificar expressamente conteúdos produzidos por IA. Outra novidade é a restrição ao uso de robôs e avatares na campanha para intermediar o contato com os eleitores ou para simular diálogos com os próprios candidatos.

“A inteligência artificial é uma ferramenta que pode servir para muita coisa. Tentamos endereçar vários tratamentos para os diferentes usos de IA. Em alguns casos, detalhamos os usos que são proibidos. Porém, é importante dizer o uso de IA não foi proibido (totalmente). Há mecanismos de IA que são admitidos”, esclareceu o ministro Floriano de Azevedo Marques. Ele cita, por exemplo, que a tecnologia pode ser usada para criar uma mascote para a campanha. “Porém, o candidato não pode colocar esse avatar (mascote) interagindo numa cena que gere um fator ilusório para o eleitor. Isso é proibido”.

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Tribunal Superior Eleitoral aprovou resolução do TSE aprovada nesta terça-feira, 27, que proíbe qualquer uso de ‘deepfake’ Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE

Eticista (especialista em ética) de inteligência artificial e doutor em Filosofia do Direito pela PUC-SP, André Gualtieri participou da consulta pública que auxiliou o TSE no desenvolvimento das resoluções aprovadas nesta semana. Para o advogado, as medidas anunciadas pela a Corte representam um avanço no combate a desinformação. Porém, ele destaca que a medida, assim como toda norma, tem suas limitações. “A resolução colabora para coibir o mau uso da tecnologia. Mas não impede que alguém possa criar deepfake contra algum candidato”, conta.

Segundo o especialista, o processo de fiscalização do cumprimento da norma é imprescindível. “Essa fiscalização precisa ser realizada de forma conjunta, o que já ocorre em algum nível. Mas é importante destacar que o TSE não pode lidar com essa questão sozinho”, disse Gualtieri, explicando que as chamadas big techs, como Google e Facebook, possuem, em certa medida, um dever de cuidado em relação ao conteúdo que é compartilhando por terceiros. Ele ainda ressalta que esse é um tema polêmico, que está sendo debatido em todo o mundo.

O ministro Floriano de Azevedo Marques esclarece que a nova resolução do TSE traz inovações justamente no quesito de responsabilização das big techs, ao estabelecer “uma imputação precisa e detalhada do dever de cuidado” para essas companhias. Com isso, as gigantes de tecnologia passam a ter que cumprir obrigações no contexto eleitoral. A medida ainda específica quais as sanções cabíveis em caso de descumprimentos dessas obrigações. A íntegra da resolução deverá ser publicada no DJE até o fim desta semana.

Desenvolvimento das tecnologias de inteligência artificial desafiam a Justiça Eleitoral Foto: ARAMYAN/ADOBE STOCK

“Remetemos as punições já existentes na lei eleitoral. A resolução não pode inovar criando uma sanção, mas pode detalhar quais são as condutas que se enquadram nas hipóteses punitivas da lei”, explica o ministro.

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Outra inovação trazida pelo novo conjunto de normas é a equiparação das redes sociais - e da internet - com os meios de comunicação tradicionais, como jornal, rádio e TV. “Já existe na lei o abuso de meios de comunicação, que é uma hipótese que prevê até cassação do registro de candidatura e, eventualmente, inelegibilidade”, diz Marques, explicando que a resolução traz para os meios digitais uma previsão legal que já existia na mídia tradicional.

“Essa resolução está dizendo o seguinte: a propaganda na internet é equivalente aos meios de comunicação, porque a internet é hoje um meio de comunicação, como é a TV”, disse.

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