Ex-chanceleres afirmaram nesta terça-feira, 28, que a política externa do governo de Jair Bolsonaro não contribui para os interesses do Brasil no exterior e não traduz as necessidades do País em oportunidades de investimentos. Os diplomatas disseram que a atual política externa prejudica a projeção do Brasil no mundo e promove o autoisolamento do País, e defenderam a restauração da racionalidade.
“O que acontece agora é a incapacidade de afirmar construtivamente a presença do Brasil no mundo de acordo com suas necessidades e seus interesses, até em matéria de coisas óbvias como é nosso relacionamento com a China”, disse Celso Lafer, que atuou como ministro nos governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso.
As declarações foram dadas no painel sobre diplomacia da Brazil Conference at Harvard & MIT, evento anual da comunidade de estudantes brasileiros em Boston e que, neste ano, acontece por videoconferência por causa do coronavírus. O debate foi mediado pela colunista do Estado e editoria do site BR Político, Vera Magalhães.
O ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira (governo Michel Temer) afirmou que uma boa política externa precisa ter noção de que o mundo não começou com ela. “Se inscreve em linhas de continuidade, que definem um perfil diplomático do país e lhe confere credibilidade e previsibilidade nas relações que se travam com os países.”
O ex-chanceler Celso Amorim, que atuou nos governos FHC, Lula e Dilma, disse que em “meio século” nunca viu nada igual e que a reputação do Brasil no exterior é muito ruim. “Sempre houve uma linha de continuidade. Me envergonho de tudo da política externa hoje. O Brasil teria todas as condições de ser o sócio privilegiado da China, e agora somos o último da fila”, afirmou. Amorim afirmou ainda que é preciso restabelecer a racionalidade e promover a restauração da atuação na política externa.
O diplomata Rubens Ricupero, que foi ministro da Fazenda de Itamar Franco, afirmou que o governo tem feito alianças erradas ao se aproximar do ex-presidente argentino Mauricio Macri e ao criticar o francês Emmanuel Macron e a alemã Angela Merkel, enquanto privilegia os líderes de países como Estados Unidos, Hungria e Polônia. “O governo tem uma percepção de um universo de ficção, é uma política destrutiva que nada traz em favor dos interesses brasileiros”, afirmou Ricupero.
Ele também defendeu a resolução pacífica das controvérsias e disse que o Brasil precisa ajudar a encaminhar soluções, sendo uma voz construtiva na comunidade internacional, independente de ideologia. "No passado, éramos parte da solução e hoje somos parte do problema. Nós agravamos todos os problemas", afirmou. "Não podemos sucumbir a atitudes ideológicas reducionistas de que o mundo é uma conspiração contra a cultura judaico-cristã, coisas absolutamente fictícias. Temos que olhar a realidade, compreender a complexidade (do mundo) e não seguir visões maniqueistas".
Subserviência aos Estados Unidos
Pesquisador da Universidade de Harvard, o cientista político Hussein Kalout criticou a subserviência do governo brasileiro ao do presidente Donald Trump, algo que nunca aconteceu em 200 anos de política externa. Kalout destacou também a necessidade de diferenciar a relação entre pessoas e entre Estados. “Nas relações internacionais não há amizade, há interesses”, disse.
“É de extremo amadorismo acreditar que Trump e Bolsonaro são a mesma coisa e que interesses são convergentes em tudo.” O pesquisador afirmou que o País tem feito concessões reais em troca de migalhas. “Essa antidiplomacia vai impingir ao Brasil graves danos.”
Mundo pós-pandemia
Os analistas avaliaram que a pandemia pode reforçar tendências como o nacionalismo, a xenofobia, o protecionismo e o enfraquecimento do multilateralismo, lembrando que nenhuma delas favorece o País. "O Brasil deve fazer tudo o que puder para fortalecer o sistema internacional de cooperação. O Brasil poderia sair na frente com uma proposta de melhorar a governança global em matéria de pandemias, reforçar a OMS", sugeriu Rubens Ricupero, que foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).
Na mesma linha, o ex-senador Aloysio Nunes defendeu que a "pandemia global exige uma resposta global" e que o Brasil se coloque de maneira mais proativa e construtiva no cenário internacional. "Essa atitude negacionista vai custar muito caro porque a pandemia está aí, as mortes estão aí". Nesta terça, o Brasil ultrapassou a China no número de mortes decorrentes da covid-19, totalizando 5.017.
Amorim destacou que o mundo precisará pensar de forma muito mais profunda sobre a globalização e disse que a cooperação em temas como saúde e mudanças climáticas deve ser mais evidente. "Isso permitirá aos poucos uma reconstrução desses organismos (internacionais) e do multilateralismo".
Economia verde
Também foi dito que o Brasil deve unir o seu ativo de um dos maiores produtores de alimentos do mundo com a conservação ambiental. "O Brasil tem que recuperar o seu papel proativo em matéria de economia verde e desenvolvimento sustentável", resumiu Ricupero. Kalout destacou que o fato de o País ser potencial agrícola e ambiental não deve ser excludente. "Podemos perfeitamente ser o maior líder mundial na produção agrícola e manter nossa capacidade de influir no sistema multilateral sobre grandes recomendações das linhas ambientais. É um falso dilema".
Venezuela
Os debatedores concordaram que o Brasil precisa fornecer uma solução para a crise política e econômica da Venezuela. "O Brasil é o maior vizinho, o maior país da região, não pode ficar de fora", disse Amorim, que criticou os bloqueios econômicos ao país. "Ferem o direito internacional e o direito humanitário".
O ex-chanceler fez questão de afirmar que não concorda com tudo que é feito pelo regime, "independente do qualificativo que queira usar". "Tipificar certa situação para bloquear sua própria capacidade de dialogar e encontrar soluções não é bom", respondeu, quando questionado se o país era uma ditadura. Celso Lafer destacou que o Brasil tem dez vizinhos e trabalhar em paz com eles é um dos principais objetivos da política externa brasileira, enquanto Aloysio Nunes afirmou que é preciso manter o diálogo e a cooperação com os vizinhos.
Nunes criticou o fato de o Brasil ter retirado diplomatas funcionários da embaixada e dos consulados do Brasil na Venezuela. "Chega a ser cruel", disse. "Só se retira todos os diplomatas em guerra", complementou Amorim.
Brazil Conference
Ainda participarão da edição online da Brazil Conference o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), os governadores João Doria (PSDB-SP), Helder Barbalho (MDB-PA) e Renato Casagrande (PSB-ES), entre outros.
Para mais informações acesse o site do evento: https://www.brazilconference.org/
Programação
22/4 Crescimento econômico Como superar a crise e escapar da armadilha do baixo crescimento? Persio Arida, Eduardo Giannetti e José Carlos Carvalho (moderação)23/4 Papel do Estado Qual o papel do Estado no combate aos efeitos da crise atual? Ana Paula Vescovi, Laura Carvalho, Flavia Piovesan e Flávia Oliveira (moderação)
25/4 Hack Brasil – Competição de startups da Brazil Conference, às 10h; Como parte desse evento, teremos a seguinte sessão Ambiente de startups no Brasil Mate Pencz (Loft), Luiz Ribeiro (General Atlantic) e Santiago Fossatti (Kaszek, moderação)
27/4 Desigualdade Covid-19 e a desigualdade econômica no Brasil Luciano Huck, Felipe Rigoni e Kátia Maia28/4 Política Externa Política externa do Brasil: presente e futuro Aloysio Nunes, Celso Amorim, Celso Lafer, Hussein Kalout, Rubens Ricupero e Vera Magalhães (moderação)
1º/5 Programa de Embaixadores Brazil Conference, às 17h 10 jovens brasileiros com projetos de impacto social selecionados pela conferência serão entrevistados por Pedro Bial
4/5 Presente e Futuro da Saúde no Brasil, às 10h Entrevista com o Ministro da Saúde Nelson Teich. Entrevistadores Fernando Bruno (Mestrado Harvard) e Juliana Yamada (Mestrado MIT) Como empresas podem contribuir com a sociedade, às 19h Artur Grynbaum, Eduardo Mufarej, Fabio Barbosa e moderado por Sonia Favaretto 5/5 A pandemia e os dilemas éticos da sociedade brasileira, às 15h Painel com Mário Sergio Cortella, Silvio Almeida e Viviane Mosé, moderado por Nathalie Gazzaneo (Mestrado Harvard) Como nos tornarmos um Estado reformista?, às 19h Rodrigo Maia, Paulo Hartung, Marcos Mendes e Eliane Cantanhêde (moderação)7/5 Os desafios dos Estados na Crise, às 19h João Doria (SP), Helder Barbalho (PA) e Renato Casagrande (ES) e Andreza Matais (moderação)
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