O prefeito de São Paulo, Bruno Covas fica no seu quarto no Hospital Sírio-Libanês, na Bela Vista, em São Paulo, como se estivesse em seu gabinete na Prefeitura: tênis, calça e camisa. Enquanto trata do câncer que atinge seu sistema digestivo com sessões de quimioterapia, fica à disposição dos médicos nos períodos da manhã e de seu secretariado à tarde. Tem a seu lado computador e tablet que o deixam conectado às equipes de zeladoria urbana.
Em sua primeira entrevista após deixar a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), para onde foi em razão de uma hemorragia, disse não cogitar a possibilidade de se licenciar do cargo, mas que sairá se for necessário. Em uma conversa de cerca de trinta minutos, marejou os olhos duas vezes: ao falar das mensagens de apoio que recebe e ao ouvir que aparentava estar muito bem -- o que de fato aparenta. “As pessoas chegam aqui e eu que tenho que consolar as pessoas”.
Como tem sido sua rotina? Tem sido possível trabalhar?
Fora dos horários de exame, fora dos horários que os médicos passam aqui, que normalmente são pelas manhãs, às vezes marca uma reunião às 15h e acaba atrasando, porque entra médico, entra um exame no meio... O bom é que, na verdade, quanto mais eu trabalho, mais ocupo a cabeça. Então, não há nenhum conflito com o tratamento trabalhar durante esse período. Ao contrário, é muito positivo. É bem melhor do que ficar parado aqui assistindo série. É algo que ajuda muito a passar por esse período. E eu fico tranquilo. Como a restrição é agenda externa, essa é a restrição que se aplica eu estando no hospital ou na Prefeitura, não tem tido muita diferença no ponto de vista de agenda quando eu passo aqui ou quando eu fico na prefeitura.
Como o sr. foi parar na UTI?
Aconteceu que na segunda-feira o resultado foi muito positivo, os exames de domingo e segunda, razão pela qual resolveram demarcar onde que está (o tumor), porque caso lá na frente se opte por uma cirurgia, é preciso saber onde… Seguindo a boa continuidade do que já se observou com a quimioterapia, se prevê que talvez não dê mais para se olhar com o olho nu (para o tumor). Para saber onde raspar, tem de se demarcar. Na própria segunda-feira, se fez essa demarcação. Na quarta, eu acordei com dor. E aí os médicos descobriram que era uma dor da hemorragia dessa marcação da segunda-feira. Então, fui parar no centro cirúrgico para poder estancar essa hemorragia. O exame foi por conta da dor que eu estava sentindo, e resolveram fazer uma nova tomografia, verificaram esse sangramento e aí já me encaminharam para o centro cirúrgico imediatamente.
E qual foi sua reação a isso? Assustou ouvir a palavra ‘UTI’?
O susto é você acordar com dor, e a percepção inicial dos médicos era que era uma dor decorrente da quimioterapia. Estavam achando que era algo efeito da quimioterapia. E talvez teria inclusive que trocar a quimioterapia caso isso se constatasse. E aí, o bom resultado que eu tive das três sessões (anteriores) talvez eu não tivesse com uma nova droga de uma outra quimioterapia. E, claro, o susto de você estar com dor e não saber exatamente o que que é. Você está enfartando? Você está reagindo à quimioterapia? Se é um outro problema que surge? Na verdade, de todos os problemas, foi o mais fácil de ser resolvido e não impacta na continuidade do tratamento.
O sr. tem tido reações à quimioterapia?
Diminuiu um pouco a energia. Não consigo acordar às 6 horas, ir para a academia, ter atividade o dia inteiro, ter três jantares à noite e dormir meia-noite. Não consigo ter esse tipo de agenda. Mas não perdi o apetite, não tive nenhum enjoo, não tive nenhuma reação. Só fiz a barba (risos). Melhor do ter a barba desfalcada é fazer a barba.
E como está a cabeça?
A cabeça a gente vai segurando. Ajuda muito a quantidade imensa de mensagens que eu tenho recebido. Ainda continuo recebendo de conhecidos, pessoa desconhecidas, de São Paulo, do Brasil todo, pessoas a todo momento mandando mensagem, mandando um salmo para ler. ‘Olha, toma suco disso’, receitas de como vencer o câncer... É algo muito positivo, que ajuda demais neste momento. Especialmente das pessoas que não me conhecem e que ficam comovidas.
Como estão sendo as conversas com a família?
A família tem ficado aqui direto. Minha mãe, no primeiro período, dos 23 dias que eu passei aqui, praticamente se mudou de Santos para cá para ficar aqui comigo. Nesse período que eu estou agora, é meu irmão que está 24 horas comigo. Meu filho praticamente todo dia vem aqui. Mandou inclusive aquele saco de jujuba (um saquinho em cima de uma mesa, ao lado do sofá no quarto, que tem também uma poltrona e a cama), porque não vinha ontem. Aproveitei para estudar com ele, os dias que eu estava fora daqui, para as provas finais que teve agora em dezembro. O apoio da família tem sido 100%.
Ele faz muitas perguntas?
Ah, faz! Claro. Não tenha a menor dúvida. Imagina, para ele, visitar um dia o pai no quarto e no outro dia visitar o pai na UTI. Tudo ele quer saber, quer compreender e, sempre que a gente consegue, ainda consigo avisá-lo antes do boletim médico. É muito mais tranquilo quando eu aviso do que quando ele lê pela internet (risos)
Há um paralelo. O sr., quando jovem, passou por algo parecido, na doença de seu avô. Mário Covas encarou aquilo com muita força. O sr. também está encarando com firmeza. É algo que ele o ensinou?
Não tem espaço para ser de outra forma. Não tem condição. Ou você encara o desafio de frente ou não encara. Não dá para encarar pela metade. Não tem meio termo nessa questão. Ou você acredita nos médicos, ou você acredita numa força maior, ou você acredita em você mesmo ou não acredita. Acho que a diferença não é a força e a forma. É muito mais encarar de forma pública. Acho que essa é a grande diferença.
Como assim?
Muitas vezes, o que ainda acontece, é muitos políticos esconderem informação. Aí, você tem informação desencontrada. ‘Olha, saiu isso na imprensa, mas talvez seja aquilo’. Acho que esta forma, de às vezes não encarar de forma pública, que acaba sendo um diferencial e é nisso que eu me espelho em relação a ele. O que ele falava é exatamente o que eu falo: a população tem todo o direito de acompanhar, porque não trata de uma pessoa qualquer. É o governador e, no caso, agora, o prefeito da cidade de São Paulo. Por isso, tem de ser feito de forma pública, a determinação para os médicos é deixar 100% disponível, não esconder nada, a todo momento prestar contas do que está acontecendo, porque a sociedade tem de saber o que acontece com o governante da cidade.
Mesmo trabalhando, é difícil passar tantos dias no hospital?
Eu falei para um dos médicos que tenho duas malas prontas. A das minhas roupas, para ir para casa, e a da árvore de natal, para trazer para cá. Quero saber qual das duas vou usar (risos).
O sr. avalia que haverá um momento em que terá de se licenciar da Prefeitura para continuar o tratamento?
Se houver necessidade, sim. Por enquanto, não houve. É uma questão objetiva, não é subjetiva. Havendo forças, condições físicas e psicológicas para continuar na Prefeitura, eu continuo. Não havendo, vou ter que me licenciar. Não é de ‘agora, talvez, porque o dia é par, o dia é ímpar’. Não é uma questão subjetiva. É uma questão de se os médicos recomendarem, não havendo a possibilidade de levar as duas coisas conjuntas, eu me licencio. Não tem nenhum problema. Não tenho nenhum apego ao poder. O que eu tenho é a responsabilidade de dirigir a cidade. Enquanto tiver condições, sou obrigado a continuar governando a cidade de São Paulo.
Isso vale mesmo diante de uma perspectiva de cirurgia?
Aparecendo, a gente avalia. Não tem como planejar daqui dois meses, três meses, quatro meses, cinco meses. Enfim. Não há… Nem os médicos sabem planejar o que vai acontecer. Por isso que, de tempos em tempos, fazem uma nova bateria de exames para avaliar a continuidade do tratamento. Passando agora pela segunda bateria de exames, a terceira etapa do tratamento, a gente também avalia o que fazer.
E os políticos? Eles têm procurado o sr., enviado mensagens?
Essa é uma questão suprapartidária. De políticos dos mais variados partidos têm mandado mensagens, têm me visitado. Recebi visita de políticos do PT ao PSL, passando, claro, pelos políticos do PSDB. Acho que todos neste momento sabem deixar a questão partidária e a briga eleitoral de lado para mandar sua mensagem.
Está sendo possível fazer articulações para a campanha de reeleição?
A gente começa a conversar, é natural. Não há nenhuma pressa em relação a isso. É um País em que uma semana é longo prazo. A gente começa a semana e termina a semana, o presidente está montando partido, partidos que estavam brigados começam a discutir uma fusão… Então, não há nenhuma pressa. Você veja os outros partidos políticos, dos trinta e tantos, quais já decidiram os seus candidatos a prefeito, quais já decidiram candidatos a vice, a sua chapa de vereadores? Esse é um processo… Não há nenhuma pressa para acabar agora em dezembro ou em janeiro. E começa a tomar mais corpo a partir do carnaval do ano que vem. Então, dá para tranquilamente a gente começar a conversar e continua a avançar nisso no primeiro semestre do ano que vem.
As prévias que definiram que o Doria seria o candidato a prefeito de São Paulo no ano de 2016 foram depois do carnaval. Quer dizer, naquele momento o PSDB estava em prévias, ainda. Então, não há nenhuma necessidade de correr contra o tempo. Primeiro, porque não faz parte do dia a dia das pessoas agora. Segundo, porque a preocupação maior neste momento é governar a cidade de São Paulo. Terceiro, porque os outros partidos também não definiram nada. Não estamos atrás ou à frente. Estamos no momento de conversar, dialogar, e lá para frente definir nomes.
O presidente terá candidato em São Paulo?
A hora que a gente abre o jornal, é o (José Luiz) Datena, é o (Paulo) Skaf, é o (Marco) Feliciano, é um nome novo. Enfim, nesse momento, acho que não há definição nem por parte do próprio presidente, nem por parte do PT, que governou a cidade por três mandatos. Enfim, não está nada definido, nenhuma razão para ter de correr contra o tempo.
Nesta questão de não correr contra o tempo, como fica sua escolha para vice?
O Doria me convidou para ser vice dele no feriado de 10 de julho, em 2016. Para que que, neste momento, o PSDB precisa definir quem é seu candidato a vice?
O que o sr. acha do nome de Joice Hasselmann, defendido por Doria?
O Doria tem falado aquilo que é algo muito positivo, que é montar um grande arco de alianças. E aí, um nome para vice é um nome que depende inclusive de quem são os adversários. O que não há, nesse momento, é nenhum tipo de veto. Não há ‘esse não’, ‘aquele não’. Quanto maior o arco de alianças, melhor.
O sr. costuma se posicionar como um homem de centro. No congresso do PSDB, há algumas semanas, o governador Doria defendeu que o PSDB deveria ser um partido de direita. O sr. concorda com esse posicionamento?
Acho que a linha do PSDB é a seguinte: apostar em parceria com o setor privado naquilo que o setor privado faz de melhor, inclusive é o que estamos fazendo na cidade de São Paulo, com a concessão do Pacaembu, a concessão do Ibirapuera, a concessão de Interlagos, a geração de emprego e renda, e focar no social: apostar na educação, na saúde, na habitação. Se isso é ser de esquerda, se é ser de direita, se é ser de centro, é difícil definir. Porque, quatro anos atrás, eu era chamado de neoliberal. Hoje, sou chamado de comunista. E sou a mesma pessoa. Então, a gente vive em um País em que a classificação vale mais do que o conteúdo. A gente precisa deixar claro qual é o nosso conteúdo. É parceria com o setor privado e focar na redução da desigualdade social. Que é exatamente o que ficou de todas as propostas aprovadas pelo PSDB.
Como o sr. avalia sua gestão neste ano?
A gente conseguiu apostar ainda mais, o grande diferencial dessa gestão, é a inovação. A operacionalização do sistema de zeladoria é algo muito diferente. Quando cheguei na Prefeitura, como secretário das Subprefeituras, de cada dez buracos que a equipe chegava para tapar, três não existiam. Porque a gente não tinha o sistema que lia que o buraco da solicitação da dona Maria, que já foi tapado, é o mesmo do seu João, que a equipe chega duas semanas depois para tapar, porque eram solicitações distintas do mesmo buraco. E com isso você perdia massa asfáltica, recursos, porque você paga a empresa para poder trabalhar durante o dia. Ao invés de tapar dez, você tapava sete buracos. Hoje você tem um sistema de monitoramento que permite acompanhar online onde que tá cada uma das equipes de zeladoria da cidade. Então, ao aumentar o recurso, eu não apenas ampliei a quantidade de equipes, mas ampliei a produtividade de cada uma delas.
A gente acabou de colocar no ar um sistema de acompanhamento do subsolo da cidade. Um sistema montado em parceria com as concessionárias. Vamos reduzir o prazo de interferência no subsolo, que era de 180 dias, para no máximo 20 dias. Estamos implementando telemedicina nas UBSs. Recentemente, a gente anunciou investimento para equipar as salas de aula com material de informática, para que a informática não seja apenas uma aula uma vez por semana, mas para que seja utilizada na aula de história, geografia, matemática, português… Então, essa parte de tecnologia e inovação, não tenho a menor dúvida, que é uma das grandes transformações que a Prefeitura vem passando, que passa pelas mais variadas secretarias e que ajuda muito na gestão da cidade.
E qual é a expectativa para o ano que vem?
A gente vai sair do rombo orçamentário de 2017 de R$ 7 bilhões, que foi o que a gente recebeu da gestão do PT entre receitas que não seriam realizadas e despesas não previstas. O que tinha na cidade era as doações que o Doria recebia. Não tinha mais nada. A gente não conseguia fazer nenhuma obra. (Vamos mudar) para um investimento, com recursos da Prefeitura, de R$ 7,5 bilhões. Então, não tenho a menor dúvida que a gente vai dar continuidade em algumas obras que tiveram de ser interrompidas, nós vamos inclusive entregar os 12 CEUs que nós encontramos pela metade, o Hospital da Brasilândia, o Hospital de Parelheiros, as UPAs que encontramos pela metade, e nós vamos poder também investir melhor na cidade.
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