Bruno Pereira e Dom Phillips são defensores de direitos humanos e vítimas de desaparecimento forçado e homicídio na região amazônica do Vale do Javari. Mais do que isto: Bruno e Dom são vítimas de uma tragédia anunciada envolta pelo contexto sistêmico de violações contra o ambiente, os povos indígenas e os ativistas de direitos humanos no Brasil.
Dados da ONU mostram que, de 2015 a 2019, foram assassinados 174 defensores em nosso país, em um total de 1.323 mortes ao redor do mundo. Nas pautas ambiental, indigenista e de trabalhadores rurais, os dados são ainda mais alarmantes: em 2020, o Brasil se tornou o país com o quarto maior número de assassinatos de defensoras e defensores do meio ambiente no mundo, sendo os indigenistas os maiores alvos de ameaças.
Infelizmente, o desaparecimento forçado e o homicídio de Bruno e Dom apenas confirma este cenário de desproteção, agravado pelas violações estruturais de direitos humanos em relação à população indígena do Vale do Javari - alvo de pesca, garimpo, madeireiros ilegais, bem como de tráfico de drogas e de pessoas -; tudo fomentado pela ausência e desmonte de políticas públicas.
Convém lembrar que, na mesma região, em 2019, ocorreu o assassinato ainda não solucionado de Maxciel dos Santos, também servidor da FUNAI, causando sensação de impunidade. Soma-se a essa grave situação, as investigações estatais inefetivas e nada diligentes. Quando identificados os culpados materiais e intelectuais, na maior parte dos casos, não são levados à Justiça. Cristaliza-se, assim, preocupante condição de impunidade dos responsáveis por violência e assassinato de defensores e defensoras de direitos humanos.
Tudo isso corrobora para não estarmos diante de mais uma situação de desaparecimento, mas sim de um desaparecimento forçado. Este, segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, comporta a privação de liberdade com intervenção direta de agentes do Estado ou sua aquiescência (omissão ou falta de diligência), qualificada pela recusa em reconhecer a detenção e revelar o destino ou paradeiro do interessado.
O contexto sistemático de desproteção dos direitos dos defensores de direitos humanos, sobretudo ambientais e indígenas, associado à ausência de medidas estatais de devida diligência para esclarecimento das circunstâncias e responsabilização adequada, caracteriza, no presente caso, a aquiescência do Estado brasileiro pelo desaparecimento e ativa sua responsabilidade, interna e internacional.
*Melina Girardi Fachin: Professora associada da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora do Núcleo de Estudos em Direitos Humanos da UFPR
Catarina Mendes Valente Ramos: Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Direitos Humanos da UFPR
Bianca Ketlyn Anderle Correia: Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Direitos Humanos da UFPR
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