O ano de 2025 iniciou com um grande desafio para o governo Lula. Passada a comoção política em torno das disputas municipais, o eleitor brasileiro voltou suas atenções novamente para o jogo nacional e tem chegado a uma conclusão muito parecida com a do atual presidente, que disse: “O que entregamos até agora? Nada.” A falta de resultados durante mais da metade de seu terceiro mandato tem sido um grave problema para sua avaliação, que chega no ponto mais crítico da série histórica, considerando as sondagens levantadas pelas mais variadas empresas de pesquisa. No entanto, é na aprovação ao governo que duas castas bastante distintas se convergem e criam um dilema comunicacional, no mínimo, interessante para o novo ministro Sidônio Palmeira, que é de conseguir falar para jovens progressistas e uma população acima dos 60 anos, católica e moradora do sertão nordestino.
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É na faixa entre 16 e 24 anos que reside a maior aprovação a Lula. Dois fatores principais explicam essa tendência, principalmente, quando avaliadas as pesquisas qualitativas e os trabalhos de entrevistas etnográficas. Quando Lula deixou a presidência da República em 2010, a idade desse público pairava entre os 2 e os 10 anos. Levando em conta que o primeiro governo Dilma ainda conseguiu garantir algumas das conquistas do período lulista, muitos desses jovens passaram boa parte da sua infância vivendo ainda do boom econômico daquele período. Há um certo saudosismo de uma época em que a vida era melhor e recordações de uma infância feliz que contrasta com o momento de dificuldades que vivem nos últimos 10 anos, desde a quebra no segundo governo Dilma, que culminou em seu impeachment.
Além desse fator, mais emocional, há uma mudança completa de comportamento e visão de mundo desses jovens, que enxergam na esquerda um maior acolhimento às suas ideias e às pautas da chamada agenda woke, que prega questões como inclusão e diversidade, além de fazer um enfrentamento ao conservadorismo. Para se ter uma ideia dessa mudança, pesquisa Datafolha mostra que pelo menos ¼ dos jovens nessa faixa etária não possuem qualquer religião, no Brasil, sendo praticamente o dobro dessa mesma vertente, quando consideramos a população total. Mesmo Lula não sendo um grande expoente dessa linha, por vezes, inclusive ferindo essa agenda com declarações tidas como machistas ou preconceituosas, o fato de a esquerda ter se organizado ao seu redor e ele representar o oposto diametral a Jair Bolsonaro, considerado o grande algoz desse público, faz com que haja uma maior identificação e mais aceitação a seu governo.
O recorte das pesquisas também mostra, que o segundo grupo de aprovação ao governo, em nada se assemelha a esse primeiro cluster. Uma combinação etária, regional, de renda e religiosa, mostra um eleitor fiel ao lulismo, muito em função de uma identidade sociológica, mas também por terem experimentado momentos de crescimento durante seus governos anteriores e terem uma percepção de que antes de Lula, não havia um olhar tão especial para a região que vivem, considerada a mais subdesenvolvida do país. Os sertanejos nordestinos, de classe D, com rendimentos menores do que 2 salários mínimos, em sua imensa maioria católicos e acima dos 60 anos, tem uma visão de Lula de semelhante, tendo em vista a trajetória biográfica do presidente. Além disso, fazem um comparativo com demais presidentes e vivem do saudosismo das primeiras gestões de Lula, que com programas sociais, como o Bolsa Família, o Luz para Todos, o Minha Casa Minha Vida, o PAC e o ProUni, impactou a vida dessas pessoas que experimentaram novas possibilidades de consumo e até mesmo crescimento pessoal, vendo seus filhos poderem cursar uma universidade ou chegando asfaltamento e luz para suas casas.
O grande problema é que os tempos são outros. A economia brasileira, apesar das mágicas dos números, mostra um mundo real muito diferente daquele vivido nos primeiros governos lulistas, em que havia muito dinheiro circulando na rua e o poder de compra das pessoas era maior. Hoje, a inflação dos alimentos, a chamada carestia e o custo alto dos serviços, faz as pessoas de menor renda terem muitas dificuldades em fechar a conta do mês. Apesar da alardeada baixa taxa de desemprego, a verdade é que a mudança na maneira de se trabalhar, com um boom da informalidade, principalmente com o surgimento dos aplicativos de entregas e carona e mesmo a economia digital, impõe um cenário novo e com demandas bastante peculiares e distintas das vistas há duas décadas.
Com a economia patinando e com perspectivas baixas e feridas, outros temas ganham força na avaliação governamental e os costumes entram em voga como ponto de reflexão na hora do voto. Essa situação gera um conflito absoluto entre o que pensam os jovens progressistas e os idosos sertanejos religiosos. É nesse segundo grupo, por exemplo, onde há a maior rejeição a temas como casamento entre pessoas do mesmo sexo, descriminalização do aborto e liberação do consumo da maconha. Apesar de Lula ser muto cuidadoso com esses temas, tendo sempre insistido muito em sua comunicação a tratar de questões relacionadas à pobreza e desenvolvimento social, a estagnação econômica, tem feito com que essa agenda seja inserida a fórceps no governo e a primeira-dama Janja da Silva, tem sido um baluarte da temática.
Lula foge do tema como diabo foge da cruz e tem prometido que as entregas do governo chegarão e que isso será suficiente para mostrar uma mudança de percepção sobre o governo. De fato, caso a economia melhore é bem provável, que haja uma reversão nessa avaliação negativa, no entanto, essa promessa de resultados tem se mostrado muito falha, desde a campanha eleitoral e o mantra da picanha. Quanto mais iguais os governos estejam do ponto de vista econômico, mais as pautas comportamentais e de visão de mundo ganham força. Dessa forma, Lula tem que tomar muito cuidado em equilibrar a comunicação para dois públicos muito distintos. Esse desequilíbrio tem feito sua aprovação sofrer um revés bastante grande na região do segundo grupo, o Nordeste, onde de acordo com a pesquisa Pode Data, viu o quociente entre aprovação e desaprovação retrair 12 pontos desde sua chegada ao poder em 2023. Em janeiro daquele ano, 55% aprovavam Lula, ante 35% que reprovavam, diferença de 20 pontos. Hoje, 51% aprovam contra 43% que desaprovam, diferença de apenas 8%.
A mesma pesquisa traz o dado mais preocupante para o governo Lula. Apenas 1/3 da população considera a atual gestão melhor do que a de Bolsonaro e 42% consideram que o ex-presidente foi melhor que o atual. Todavia, o que chama mais a atenção é que 22% consideram iguais os governos, sendo a maior taxa de toda a série histórica. Nessa equidade é que reside o maior problema de Lula e que faz acelerar as visões de mundo e temas comportamentais como fatores determinantes de voto. Se tudo está a mesma coisa, o eleitor precisa de novos elementos para decidir seu voto. O que assusta o lulismo é que esse segundo grupo, mais velho e mais religioso e que também foi impactado por bolsas e auxílios do governo anterior, pode encontrar guarida no discurso bolsonarista.
Pensando que o eleitor mais progressista muito dificilmente trocaria o atual governo pelo bolsonarismo, mesmo Lula não atendendo em essência, já que o outro lado é tudo que abominam, a comunicação governamental pragmaticamente deveria diminuir as pautas identitárias e focar mais em dialogar com quem pode se desprender com mais facilidade. Um novo pacto que religasse o governo aos anseios do sertão nordestino, que passa não só pela economia real, mas por serviços que enfrentem a falta d’água, a pobre infraestrutura rodoviária e investimentos em moradias nas regiões suburbanas das macrorregiões interioranas poderiam reaquecer a ligação entre o governo e esse cidadão. Como alertava o poeta chileno Pablo Neruda, “você é livre para fazer escolhas, mas é prisioneiro das consequências.”. Se o lulismo não entender que suas escolhas já não são mais muitas e o caminho está cada vez mais estreito, sua derrota em 2026 tende a ser a consequência natural dos fatos.