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Bruno Soller analisa o comportamento do eleitor brasileiro com base em big data e pesquisa

Opinião | Caso projeto do aborto coloca Lula em conflito com seu eleitorado

A massa de votantes que garante eleição do presidente petista pensa muito diferente do seu fiel ideológico

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“Eu, Luiz Inácio Lula da Silva, fui casado, tive 5 filhos, 8 netos, e uma bisneta. Sou contra o aborto. Entretanto, como o aborto é a realidade, temos que tratar aborto como questão de saúde pública.” Dessa maneira, Lula se manifestou sobre o projeto que tanto tem causado polêmica nos últimos dias no País. O presidente tenta apartar sua visão humana da sua função de governante, justamente para se equilibrar entre dois públicos que são sua base eleitoral e que têm um comportamento sobre o tema absolutamente distintos.

Com esse posicionamento duplo, Lula tenta justificar a posição de sua bancada de apoio, mas quer evitar se mostrar dissonante da maioria da população brasileira de classe mais baixa, seu maior reduto eleitoral, que é o público que mais rejeita a descriminalização do aborto.

O presidente Lula tem apoio de eleitores que não aprovam o aborto Foto: WILTON JUNIOR/Estadão

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Desde a eleição de 1989, Lula convive com o tema aborto às turras. Na reta final da campanha, Miriam Cordeiro, uma ex-namorada do então líder sindical metalúrgico, apareceu no programa de TV de Collor, fazendo uma série de denúncias contra Lula. Além de acusá-lo de racista e de tê-la abandonado depois de uma gravidez, a mais impactante das falas foi justamente a de que Lula teria forçado para que ela abortasse.

Luriam, filha de Lula com Miriam, está aí para mostrar que nada de fato aconteceu, mas a mancha durante a eleição parecia inapagável. Collor venceu as eleições e Lula teve que tratar da fama sem mesmo ter tido qualquer comprovação de que aquilo tinha um fundo de verdade.

As estimativas, realizadas por uma metodologia chamada AGI, feita pelo Instituto Guttmacher, aponta que quase 800 mil abortos clandestinos são realizados no Brasil, anualmente. O alto número, mesmo sem comprovação científica, assusta e mostra uma realidade dura a ser enfrentada.

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Segundo uma outra pesquisa, publicada pelo Ministério da Saúde, o perfil da mulher abortista é de uma faixa etária entre os 20 e 29 anos, tem até 8 anos de estudo, já tem pelo menos um filho, está em união estável e utiliza o misoprostol como forma de abortar. O medicamento que só pode ser vendido com receita é facilmente encontrado no mercado paralelo por valores que superam em 3 vezes o seu preço comercial.

Apesar dessa realidade, o brasileiro como um todo é majoritariamente contra o aborto e a favor da criminalização de quem o pratica. Uma pesquisa realizada pelo PoderData no início do ano de 2024 mostra que 61% dos brasileiros são contrários à liberação da prática ante 24% que se dizem favoráveis e 15% que se mostram indecisos.

No Nordeste do Brasil, onde Lula costuma ter grande vantagem eleitoral, por uma concentração aguda de pessoas de classe D, público mais fiel ao lulismo, os índices chegam a 64%, sendo a região mais contrária ao tema em todo o território nacional. É entre as pessoas que vivem com até 2 salários mínimos que o índice de rejeição ao aborto ganha também mais guarida.

Apesar do brasileiro acreditar que a prática deve ser criminalizada, há um entendimento de que a mulher que o pratica não deve pagar pelo crime com encarceramento. Uma pesquisa da Quaest do final de 2023, mostra que 84% das pessoas não querem a abortista presa. Aí reside a maior defesa de quem é contra o projeto liderado pelo deputado fluminense Sóstenes Cavalcante, do partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, que aumenta a pena para as mulheres que cometam o crime de abortar, equiparando o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio.

Usando dessa bengala, Lula, em seu pronunciamento complementou dizendo: “Eu acho que é uma insanidade alguém querer punir uma mulher numa pena maior que o criminoso que fez o estupro. É no mínimo uma insanidade isso.” É nítido que Lula não se compromete em defender que não haja punição, mas que há um exagero quanto à pena determinada pelo PL. Tenta se equilibrar para não ser tão atacado nem de um lado, que lhe causa perda de apoio popular e nem de outro, que o pode enfraquecer na relação política com sua base.

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Apesar de um crescimento vertiginoso do ateísmo ou do agnosticismo nas classes mais altas e na juventude brasileira, como mostra um estudo realizado pelo Datafolha, onde 30% dos jovens de 16 a 24 anos de São Paulo e Rio de Janeiro dizem não ter qualquer religião, uma das maiores mudanças sociais do Brasil foi o salto de evangélicos experimentado nos últimos 40 anos. Na eleição de 1989, o Brasil tinha apenas 9% de evangélicos, hoje são quase 35%, segundo as principais empresas de pesquisa do país e com uma projeção de nos próximos 15 anos ser a religião majoritária brasileira. Entretanto, é interessante perceber que as igrejas evangélicas no que tange ao tema aborto são mais liberais do que o catolicismo, sendo a CNBB uma das apoiadoras formais do projeto de lei.

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O catolicismo brasileiro está cada vez mais arraigado na classe D, 28,8% dos brasileiros, e de concentração absoluta no Nordeste. 49,1% dos nordestinos são pertencentes a essa classe que é a mais baixa da pirâmide social. Na região do Sertão, alguns municípios onde Lula, teve mais de 90% dos votos, como Terra Nova (PE), mais de 75% da população está nessa classe e é católica e Lula não pode se dar ao luxo de perder esse público tão fiel a ele e grato pela sua primeira passagem na presidência da República. Com a economia patinante e o preço dos alimentos extremamente altos, tudo que o presidente não precisa é comprar uma nova briga, como a que já teve com os evangélicos em função das suas falas sobre Israel.

O eleitor progressista, barulhento, mas pouco numeroso, espera de Lula uma postura mais firme em relação ao tema. Nas redes sociais, deputados da base lulista que não se posicionaram contra o PL foram marcados e cobrados pela patrulha ideológica, que tem a convicção de que o assunto deve ser levado a cabo pelo governo. Hoje, no mundo, 60% das mulheres vivem em locais onde a prática é permitida.

Uma mudança ocorrida nos Estados Unidos, no ano de 2022, com a derrubada pela Suprema Corte da proteção constitucional do direito ao aborto, que perdurava desde 1973, tem trazido o tema para a campanha eleitoral e mobilizado o debate entre conservadores e progressistas de maneira muito acalorada. Diferentemente do Brasil, os norte-americanos em sua maioria defendem a prática abortiva legalizada – pesquisa ABC News / Washington Post apontam para 58% de favoráveis.

Para a sorte de Lula, o tema pode arrefecer justamente pelo erro de mão dos proponentes do projeto, que carregaram na pena da mulher e gerou uma perda de apoio substancial na sociedade. A reversão de narrativa conseguida com a fragilidade do proposto no PL, deu a Lula a chance de se posicionar com um pouco de mais veemência, como na rádio CBN, em que questiona a violência contra menores, falando inclusive como o deputado Sóstenes se comportaria caso uma filha sua fosse estuporada.

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Mesmo assim, a todo momento Lula faz questão de mostrar que essa não é a pauta prioritária do País. Não quer trazer para o governo essa discussão, que pode lhe ser prejudicial a depender das próximas narrativas impetradas, ainda mais com o tema sendo muito explorado na campanha presidencial americana. A sinuca de bico de estar no meio de visões tão distintas pode acarretar em mais uma crise, algo que o governo precisa correr, principalmente flertando com níveis de popularidade baixos de agora.

Opinião por Bruno Soller

Bruno Soller é estrategista eleitoral. Especializado em pesquisas de opinião pública, é graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, com especialização em Comunicação Política pela George Washington University. Trabalhou no governo federal, Câmara dos Deputados e Comissão Europeia.

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