Há um ano da próxima contenda eleitoral, vira e mexe os articulistas especulam sobre qual será o tema que conduzirá o processo. No mundo pós-covid uma tendência parece estar dominando o sentimento do eleitor brasileiro, principalmente, quando analisamos os grupos de foco nas principais cidades, e diz respeito muito a um novo olhar que a pandemia legou às pessoas. Parece não haver mais grandes espaços para arroubos ou promessas mirabolantes, tampouco, há vontades fortes de renovação ou drásticas mudanças. O cansaço dominou a pauta e o eleitor quer um pouco de equilíbrio, de pés no chão, de temperança.
Após a crise econômica de 2015, na qual o Brasil acumulou uma retração econômica de 3,5% do PIB e viu escândalos de corrupção tomarem o centro do debate no país, a insatisfação generalizada levou o brasileiro a criar uma ojeriza à classe política. O impeachment da presidente Dilma Rousseff foi auge desse ambiente que o Brasil viveu e que impactou sobremaneira na forma de voto das eleições locais de 2016. Nessa onda de rejeitar o establishment, o povo brasileiro buscou alternativas em diversos campos para que houvesse uma mudança completa de rumos.
João Doria, um empresário bem-sucedido, que havia comandado um programa televisivo de razoável audiência, foi a escolha dos paulistanos para administrar a maior cidade do Brasil. Com uma vitória acachapante, venceu o então prefeito Fernando Haddad ainda em primeiro turno, com uma diferença de quase 40% dos votos. As ex-prefeitas Marta Suplicy e Luiza Erundina, que participaram do mesmo pleito, juntas não atingiram 15% dos votos. No Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, que apesar de estar na política, ocupando cargos legislativos, tinha muito mais identificação pelo fato de ser um líder religioso, venceu a eleição contra Marcelo Freixo, à época no PSOL, deixando o candidato da máquina, Pedro Paulo, fora do segundo turno. Belo Horizonte elegeu Alexandre Kalil, empresário e conhecido por ser presidente do Clube Atlético Mineiro.
Essa onda de mudança e quebra de paradigmas ainda levou Jair Bolsonaro a ganhar muita força e vencer as eleições presidenciais de 2018. A eclosão da covid-19, no entanto, mudou a percepção do brasileiro e as eleições de 2020 ganharam um rumo absolutamente diferente. Quando grandes desastres acontecem há uma certa busca por experiência para lidar com essas situações. O eleitor exerce um voto mais conservador, de menos risco e atenta para a capacidade gerencial do líder. Em um índice criado pela Pew Research, consultoria norte-americana, após acidentes naturais ou graves crises, não de origem econômica, a idade média dos prefeitos e deputados eleitos aumenta em 25%. É um presságio pela busca por gestores mais vividos e com “casca” para aguentar gerenciar o ambiente de colapso.
Nesse ínterim, o Rio de Janeiro trouxe de volta Eduardo Paes, que já havia comandado a cidade por duas vezes e que havia saído afetado por toda uma tribulação que envolveu seus companheiros de partido e aliados, como os ex-governadores Sérgio Cabral e Pezão. Em Belém, Edmilson Rodrigues, que havia sido eleito prefeito em 1996, retomou o cargo, vencendo um delegado da polícia federal que não tinha vivência na vida pública. Caso parecido com João Pessoa, que entregou as chaves da cidade a Cícero Lucena, político tradicional que estava afastado de cargos políticos há dez anos e que venceu um famoso comunicador do município, Nilvan Ferreira.
Esse efeito por busca de uma experiência para enfrentar o mundo pandêmico impactou também nas eleições nacionais, em que o brasileiro elegeu Lula, que havia tido sua primeira oportunidade vinte anos antes, em 2002. Agora, passado o auge do vírus que assustou o mundo, o Brasil experimentará a sua primeira eleição sem que o assunto seja tema central. É um momento de reequilíbrio e de certa retomada da normalidade. Há um novo espírito coletivo, que traz consigo ainda, mesmo que no subconsciente, as feridas e marcas de um dos períodos mais letais da humanidade.
É interessante perceber que, após o isolamento social e consolidação de alguns costumes como home office e o serviço de entregas em domicílio, hábitos que até então eram percebidos como comuns pelos brasileiros voltaram a ser objeto de desejo das pessoas. Em pesquisa realizada pelo Orbit Data Science, na reta final da pandemia, os brasileiros queriam passar mais tempo fora de casa, poder extravasar com amigos, encontrar pessoas, viajar e retomar questões do cotidiano. Práticas simples, que expressam apenas um desejo pelo comum, por estabilidade.
Observando os números que têm saído dos mais diversos institutos de pesquisa, um fenômeno tem chamado atenção para análise e coaduna com esse sentimento de vida dos brasileiros. São raras as capitais em que há um grande ou forte desejo de ruptura com as administrações vigentes. Em sua imensa maioria, os índices de aprovação dos prefeitos estão na faixa do regular, mostrando pouco entusiasmo com o que se tem, mas também uma certa preservação em relação a drásticas transformações. Corre-se o risco de ser um dos pleitos com maior taxa de continuidade da história.
Em pesquisa exclusiva feita pelo RealTime Big Data para o Blog de Dados em Dados, 83% dos brasileiros dizem não acreditar mais em promessas de políticos. 76% dizem querer saber o que o candidato já fez para decidir seu voto. Um outro dado interessante é que 80% dizem ficar satisfeitos se o político fizer o básico e cuidar do que a cidade já tem. É, portanto, um momento de pés no chão. Rememorando Aristóteles, é um contexto de autarcia, quando estado controla os recursos necessários de subsistência sem se deixar interferir por ondas externas.
Para quem quiser ser prefeito, em 2024, a tarefa básica parece ser fazer o simples. A máxima do “menos é mais” está presente. O brasileiro está cansado e isso impacta não só a política. Em levantamento feito pelo grupo Havas, 71% das pessoas estão cansadas das promessas vazias das propagandas de marcas. Ou seja, não há espaço para engabelações, o brasileiro quer terra firme e não a venda de terrenos nos céus. 2024 é a eleição da entrega básica, do bom serviço e do concreto. A temperança substituiu a esperança e, no pós-covid, o agora ganhou mais peso sobre o amanhã.
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