Bruno Soller analisa o comportamento do eleitor brasileiro com base em big data e pesquisa

Opinião | Equilibrado, técnico e com fama de realizador, Tarcísio é a antítese de Bolsonaro no bolsonarismo

Com características muito diferentes de Bolsonaro, governador de São Paulo parece ser a solução de um campo ideológico para derrotar Lula, com a capacidade atrair eleitores que rejeitam o estilo do ex-presidente

Foto do author Bruno Soller

Com o processo político ganhando ares cada vez mais personalistas, as características, as qualidades e os defeitos dos candidatos têm o poder de sobrepujar muitas vezes o ideal que representam. Estar em uma caixa ideológica é fundamental para ter posicionamento no xadrez eleitoral, contudo, a capacidade de ser adjetivado com qualificações de cunho estritamente pessoais, pode ser o diferencial para uma candidatura, principalmente, levando em conta a última eleição nacional em que 2 milhões de votos dentro de um universo de mais de 150 milhões de eleitores foram decisivos para garantir a vitória de um postulante.

Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, só conseguiu almejar o segundo cargo mais cobiçado do País, porque teve o apadrinhamento de Jair Bolsonaro. Isso é indiscutível, já que Tarcísio nem sequer tinha uma relação de vida com o Estado, que hoje dirige. A desconexão com São Paulo era tamanha que durante o processo eleitoral, o eleito escorregou para conseguir apontar até mesmo o local onde exercia seu direito a voto. Representar o bolsonarismo e ter o apoio inequívoco do presidente, que já o havia feito ministro, foi o ponto alto para que conseguisse derrotar uma hegemonia de 28 anos de governos tucanos e conquistar o Palácio dos Bandeirantes, enfrentando o candidato à reeleição, Rodrigo Garcia, que acabou por ficar de fora até mesmo do segundo turno, por não ter um lado na nacionalizada disputa, apesar de ostentar bons números de aprovação governamental.

Governador Tarcísio de Freitas ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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Nesta mesma contenda, um dado chama a atenção para a tese que o artigo defende. Considerando apenas o eleitorado paulista, tanto Tarcísio quanto Bolsonaro tiveram os exatos 55% de votos, no segundo turno de 2022. No entanto, um movimento mostra uma maior capacidade de conversão de votos quando ambos são comparados. No primeiro turno, Bolsonaro teve 48% dos votos, enquanto Tarcísio fez 42%. O crescimento de Tarcísio para a segunda volta foi de 13 pontos porcentuais, portanto, 6 pontos a mais que o de seu padrinho. Evidentemente, que as situações das candidaturas adversárias eram diferentes, mas chama a atenção o poder de atração do atual mandatário do governo de São Paulo.

Em grupos de foco realizados para entender as imagens dos presidenciáveis, quase sempre, a expressão “técnico” é utilizada para qualificar Tarcísio de Freitas. Esse termo traz consigo uma importante mensagem, que é a da afirmação do eleitorado sobre a sua relação de rejeição à política tradicional. Ao considerar Tarcísio de Freitas técnico, o eleitor o coloca em um pote que o separa do cesto dos políticos. Ser técnico é uma resposta para garantir que Tarcísio é diferente da maioria. A tecnicidade também o joga em um campo de certa neutralidade e descrição. O técnico não chama os holofotes para sua verve de comunicador ou de expressão midiática, mas sim para o resultado de seu trabalho.

Nesse sentido, Tarcísio se diferencia em demasia de seu líder, que é reconhecido por seus posicionamentos acima de qualquer outra coisa. Bolsonaro, quando assumiu a Presidência da República, por diversas vezes, disse que seria apenas um maestro e que traria os técnicos e conhecedores das áreas para que o auxiliassem a administrar o País. Foi assim, com o engenheiro Tarcísio, que foi responsável pelas obras infraestruturais de seu governo. Sérgio Moro, juiz, foi para a Justiça, Mandetta, médico, para a saúde, o economista Paulo Guedes para a Economia, Marcos Pontes, astronauta, para a Ciência e Tecnologia e assim por diante.

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A ação da batida de martelo, cada vez que fazia uma concessão, leilão, privatização ou entregava uma obra, virou uma marca do governador paulista, durante sua passagem pelo governo Bolsonaro. Essa imagem contribuiu para criar uma aura de realizador. Essa característica tem um apreço muito grande do eleitorado paulista, que teve um histórico de políticos comprometidos com a entrega e fama de fazedores, como Ademar de Barros, Paulo Maluf, Orestes Quércia, José Serra, dentre outros. O incrível dessa construção de imagem é que mesmo as pesquisas de opinião mostrando uma insatisfação generalizada com a questão da segurança pública e a sensação de intranquilidade tomando conta da vida das pessoas, seu governo é preservado de grandes críticas nessa área e seu secretário de segurança, Capitão Derrite é cotado com boas chances para ser candidato ao Senado em 2026.

A pesquisa Pulso, realizada pelo Ipespe, traz uma informação muito relevante para entender o atual momento de Tarcísio. Dentre dez nomes especulados para a Presidência da República, ele é quem tem a menor rejeição quando o eleitor é instado a responder sobre se o nome perguntado seria um bom presidente para o Brasil. Ao comparar com Lula, por exemplo, o atual presidente tem 10% a mais de rejeição do que ele, além de Tarcísio ser o único medido que não ultrapassa os 50% de resposta negativa. Sua relação republicana com Lula, com quem dividiu o palco para anunciar uma importante e esperada obra de ligação entre as cidades de Santos e Guarujá, também credibiliza o governador como alguém equilibrado e que talvez tenha a capacidade de diminuir a divisão política no País.

Essa postura menos beligerante tem feito alguns bolsonaristas mais radicais a categorizarem Tarcísio como um candidato do sistema. Muitos ficaram irritados com a sua atuação deveras intensa no apoio a Ricardo Nunes para prefeito paulistano, enfrentando Pablo Marçal, que tinha um estilo mais parecido com o de Jair Bolsonaro. O resultado que culminou com a vitória de Nunes, no entanto, mostrou que a tática do governador foi acertada e a conquista foi atribuída ao seu empenho e dedicação absoluta em reeleger o emedebista.

Com o impedimento legal de Bolsonaro, há uma apreensão para saber qual decisão o ex-presidente tomará para o próximo ano. O afastamento de seu filho para uma incursão pelos Estados Unidos, com o objetivo de denunciar o sistema político brasileiro, dá a entender que Eduardo Bolsonaro é um forte cotado para ter o apoio de seu pai para a corrida presidencial. Há, pelo que tudo indica, uma construção de narrativa para a formação dessa candidatura. É pouco provável que Tarcísio rompa com seu líder e busque uma candidatura avulsa, tendo grandes chances de uma reeleição tranquila como governador de São Paulo. O que se discute, contudo, é que Eduardo Bolsonaro possivelmente teria mais dificuldade em aglutinar um bloco de direita do que Tarcísio, criando uma cizânia que permitiria candidaturas no mesmo campo ideológico, com nomes como Ronaldo Caiado, Ratinho Jr e Romeu Zema.

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Com características muito diferentes de Bolsonaro, Tarcísio parece ser a solução de um campo ideológico para derrotar Lula, com a capacidade atrair eleitores que rejeitam o estilo do ex-presidente. Sua principal força é, todavia, seu maior problema. Há um medo de que com a vitória de Tarcísio, o bolsonarismo morra e um novo modelo surja na direita, que possa ser batizado de tarcisismo. Esse medo de um fim de ciclo é o que não dá a segurança a Bolsonaro de fazer o óbvio mostrado por todas os estudos e sondagens e lançá-lo desde já candidato. Nos cálculos políticos de Bolsonaro está a ideia de que seu grupo pode vencer, mas não levar. Essa situação sui generis, remonta a uma frase de autoria atribuída ao ex-treinador da Seleção Brasileira de futebol, Vanderlei Luxemburgo, que pontua: “o medo de perder tira a vontade de ganhar”.

Opinião por Bruno Soller

Bruno Soller é estrategista eleitoral. Especializado em pesquisas de opinião pública, é graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, com especialização em Comunicação Política pela George Washington University. Trabalhou no governo federal, Câmara dos Deputados e Comissão Europeia.

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