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Bruno Soller analisa o comportamento do eleitor brasileiro com base em big data e pesquisa

Opinião|O brasileiro não acredita na Justiça; mudar é preciso

Em levantamento realizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), 61% dos brasileiros dizem não acreditar na Justiça do País; o número mostra insatisfação com a base mais importante da fundamentação do ordenamento republicano

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Atualização:

A relação ocidental moderna entre Estado e sociedade é pautada no iluminismo. O filósofo francês Jean Jacques Rousseau escreveu sobre o Contrato Social e a cessão de liberdade individual em busca de um conjunto de normas que regulassem as relações entre os diferentes cidadãos e o Estado, sendo este último o garantidor dessas normativas. O contrato entre o povo brasileiro e seu Estado parece defasado. Uma das partes, o povo, não mais acredita na outra, o Estado, e isso passa diretamente por uma crise de credibilidade de quem é responsável por salvaguardar esses regramentos.

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Em levantamento realizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), 61% dos brasileiros dizem não acreditar na Justiça do País, número extremamente preocupante e que demonstra uma insatisfação com a base mais importante da fundamentação do ordenamento republicano. A intocabilidade do Judiciário, em troca de um falso pretexto de proteção institucional, não sustenta mais a ânsia popular por se sentir mais crente. A legitimidade que o processo eleitoral concede para os representantes populares, sentados no Legislativo, é suficiente para que atualizações no Poder Judiciário sejam feitas. Urge que o País debata uma reforma do poder regulador.

A superexposição de ministros e de juízes ocorrida nas últimas décadas mostra a busca da sociedade por heróis individuais e a descrença no sistema. Para muitos, mesmo que o ordenamento jurídico não siga seu rito mais adequado, é importante que o resultado chegue. 95% dos brasileiros acham a Justiça lenta, de acordo com a FGV. O problema disso é que por vezes o desfecho sai ao contrário do que se torce. A politização da Justiça criou heróis para quem rejeita o Lula, casos de Sérgio Moro e Joaquim Barbosa, e heróis para quem rejeita Bolsonaro, caso do ministro Alexandre de Moraes. Lembrando Nietzsche: “aquilo que não gostamos, costumamos tratar com injustiça.”

Plenário do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, em Brasília Foto: Carlos Moura/Supremo Tribunal Federal

Recentemente, o presidente da República deu uma declaração polêmica em que tratava do sigilo dos votos dos ministros da Suprema Corte. A discussão acalorou-se para o lado da transparência, ponto de avanço no Brasil quando se trata de accountability. Entretanto, pouco se discutiu qual a real necessidade de uma cobertura ao vivo do plenário do STF, com transmissão para qualquer parte do mundo de decisões que deveriam única e exclusivamente tratarem de constitucionalidades e garantias de direitos e deveres. Muitos dos temas tratados na Corte são políticos e é natural que haja pressões e defesas acaloradas de lado a lado. Esse debate, no entanto, tem palco para ocorrer e seu local ideal é no Congresso Nacional. O STF deve única e exclusivamente julgar se algo definido na Casa do Povo fere ou não o Contrato Social brasileiro.

Pesquisa realizada pela Quaest para a Genial Investimentos mostra esse conflito de interesses e um ativismo político que gera ainda mais desgaste ao STF. Por exemplo, o Congresso Nacional ainda não conseguiu votar qualquer pauta que trate sobre a descriminalização do uso da maconha. O motivo é simples: não há desejo na sociedade para essa mudança. 62% dos brasileiros são contrários à descriminalização mesmo para consumo próprio. O Congresso Nacional é o representante desse pensamento e sabedor de que não há maturidade do assunto na sociedade para ser votado. O STF tratar do tema, como legislador, alterando a lei brasileira em um colegiado de 11 pessoas que não possuem essa prerrogativa, gera ainda mais essa pecha política que o condena a julgamentos que não lhe deveriam caber.

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As decisões monocráticas, então, parecem ainda menos democráticas e corretas. A pesquisa Quaest aponta que 66% dos brasileiros acreditam que esse poder dos ministros deveria ser limitado. A insegurança jurídica que se gera por decisões tomadas por uma única pessoa compõe até mesmo os relatórios de análises internacionais, que colocam essa prática como um dos pontos do chamado “risco Brasil”. Com oposição da população e como um entrave para investimentos no País, a prática precisa minimamente ser reconsiderada ou discutida, e o Congresso Nacional é o ambiente para que isso ocorra.

A eleição para juízes é um outro ponto que divide a sociedade. Prática adotada em algumas democracias do mundo, o processo é visto por alguns como a legitimação da politização no Judiciário. Nos Estados Unidos, por exemplo, neste ano de 2023, 38 estados tiveram a chance de escolher seus juízes locais e nacionais. As campanhas, segundo levantamento do Brennan Center for Justice movimentam mais de 500 milhões de dólares. Há dúvidas grandes sobre financiamentos e interesses escusos por trás dos candidatos. O nível da contenda chega nos mesmos moldes das campanhas políticas tradicionais. Em um spot comercial no estado de Wisconsin, por exemplo, um candidato indagava na TV se as pessoas votariam em um candidato que apoiava predadores sexuais de crianças. A associação com lados políticos também é algo corriqueiro ainda mais num sistema que é bipartidário e as pessoas estão de um lado ou outro. Vale dizer que para a Suprema Corte, os ministros são escolhidos da mesma maneira que no Brasil.

Um ponto da pesquisa Quaest que chama a atenção e é bastante apoiado pelos cidadãos brasileiros é a instauração de um mandato fixo para os ministros. 68% são contrários ao sistema atual em que os mandatos vão da indicação até a aposentadoria compulsória por idade. Os ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli têm seus mandatos garantidos até 2043 e 2042, respectivamente. Passarão por pelo menos mais 5 eleições presidenciais até atingirem a validade etária de seus próprios exercícios. Por mais que possa haver uma ideia de garantia de ritos e evitar mudanças tão drásticas, essa perenidade não agrada à maioria da população.

A crise da Justiça brasileira faz com que a minoria dos eleitores tenha boa imagem do seu órgão máximo, o Supremo Tribunal Federal. Menos de 1/3, segundo o Datafolha o percebem positivamente. Com o Executivo e o Legislativo postos a prova a cada quatro anos, o Judiciário sempre passou preservado por não ser enxergado como uma instituição política. As ações e movimentações dos últimos tempos, no entanto, deram essa nova cara ao poder. Reformá-lo, sem que ritos sejam usurpados e o devido processo legal seja cumprido, é um passo que demonstra maturação da democracia. O poder que movimenta a Justiça, obviamente precisa ser percebido como justo. Como já disse Sêneca: “um reino fundado em injustiça nunca dura.”

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Opinião por Bruno Soller

Bruno Soller é estrategista eleitoral. Especializado em pesquisas de opinião pública, é graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, com especialização em Comunicação Política pela George Washington University. Trabalhou no governo federal, Câmara dos Deputados e Comissão Europeia.

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