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Bruno Soller analisa o comportamento do eleitor brasileiro com base em big data e pesquisa

Opinião|Pablo Marçal é uma projeção de sucesso para jovens da periferia

Parte do eleitorado não só vê Marçal como um prefeito, mas como um exemplo de prosperidade, principal desejo daqueles que vivem na realidade excluída das comunidades

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O crescimento de Pablo Marçal na corrida eleitoral paulistana tem trazido muitos debates em torno de sua singular personalidade. O empresário e coach com sua postura agressiva nos debates eleitorais, levantando suspeitas pessoais contra adversários e de maneira impositiva afirmando sua candidatura é, até aqui, o maior ponto de discussão sobre as eleições de 2024. Não há roda de conversa em que não se fale sobre o caso, seja na cidade de São Paulo, ou seja em outra parte do país. O fato é que esse personagem gera curiosidade e a política tradicional falha em tentar combate-lo com os métodos comuns. Falar sobre ele, o promove, e parece ter o efeito contrário do que imaginam. Cada vez que é citado, mais relevância ganha e por mais que adquira rejeição, consegue de outro lado angariar adeptos, e faltando 45 dias para o dia de ir pra urna, não se discute outra coisa senão a sua candidatura.

Pablo Marçal, candidato pelo PRTB, disputa a Prefeitura de São Paulo. FOTO: Werther Santana/Estadão Foto: Werther Santana/Estadão

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Polarizando com o maior nome da esquerda na corrida, de maneira como se fosse em uma briga de rua, Marçal conversa diretamente com o eleitor bolsonarista. A coragem e a forma direta de enfrentar e atacar Guilherme Boulos, rejeitadíssimo pelos fãs do ex-presidente, com palavras de baixo calão, com acusações sobre sua vida pessoal e com a simbologia de acusa-lo de nunca ter trabalhado, invoca elementos que coadunam com os valores defendidos por quem tem ojeriza à esquerda.

O trabalho é um ícone para o paulistano, que já teve em Paulo Maluf, o dono da pauta por todo os anos 90. “São Paulo é Paulo, porque Paulo é trabalhador” foi o jingle do ex-prefeito em sua campanha para governador, em 1990, que foi responsável por uma virada de imagem e possibilitou sua vitória na eleição seguinte contra Eduardo Suplicy.

A estratégia, mesmo sem ter o apoio formal de Bolsonaro, que tem saído para o jogo para o descredibilizar e reforçar o voto em quem de fato apoia, o atual prefeito Ricardo Nunes, tem dado certo. Segundo o último levantamento Datafolha, Pablo Marçal cresceu 12% no eleitorado que votou em Bolsonaro na eleição de 2022. Saiu de 18% para 30% e viu Nunes, seu maior adversário neste segmento, retroagir 4 pontos percentuais, de 26% para 22% entre os apoiadores do ex-presidente. No entanto, apesar dessa importante penetração, o voto de Marçal tem contornos diferentes do padrão bolsonarista e chama a atenção para um outro público que tem sido conquistado por ele, que tem criado uma base mais sólida para que se mantenha na disputa entre os primeiros lugares da corrida: o jovem periférico.

Do subúrbio de Goiânia para 193,5 milhões de reais declarados à justiça eleitoral, Marçal acumulou uma fortuna considerável e faz questão de ostentá-la. Não perde a chance de reafirmar sua riqueza e a coloca como um dos pontos a serem considerados para que o eleitor o apoie. A lógica não é mais aquela: “se ele é rico, não irá roubar”, o sentido é mostrar que a prosperidade é divina e faz com que seja meta de vida das pessoas. Como coach, Marçal prega sobre isso e traz elementos bíblicos para balizar sua mensagem. Com a mudança religiosa que o Brasil passa, saindo de uma sociedade absolutamente católica para quase uma divisão paritária entre apostólicos romanos e evangélicos, o tal voto de pobreza difundido pelo Vaticano, parece estar perdendo força.

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Em levantamento feito pelo Datafolha, no ano de 2020, 3 em cada 10 jovens da periferia do Brasil, têm se tornado evangélicos. A profusão de Igrejas nas comunidades, a maneira menos ritualística e mais direta de adoração, com mais musicalidade e a forte ênfase que o pentecostalismo (65% dos evangélicos seguem igrejas dessa corrente) dá ao indivíduo e suas escolhas tem sido um chamariz para que esse jovem ingresse nessas fileiras. No livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, Max Weber diz “Deus jamais ordenou que ‘amasse mais ao próximo do que a si mesmo’, mas apenas como a si mesmo. Consequentemente, a autoconsideração é um dever.”, ou seja, a individualidade e o seu crescimento próprio são nortes a serem perseguidos.

A mensagem de Marçal vai nessa direção. “Prosperidade é crescer, é romper e continuar avançando”, Marçal alerta seus seguidores em sua bloqueada conta de Instagram, que não há limite para que se possa alcançar a prosperidade. A vida dura do jovem periférico, alimentado pelas benesses do capitalismo e do luxo, que parecem inalcançáveis, ganha nuances de alguma possibilidade com mensagens afirmativas e de exemplos de quem conseguiu chegar lá.

Marçal é uma projeção de alguém que saiu de lá, deu certo e que hoje pode ajudar as pessoas a chegarem nesse patamar. As redes sociais estão inundadas de influencers que traçaram esse mesmo caminho e são adorados pelos mais jovens. Como exemplo, Buzeira, natural de Itaquera, que chegou a morar de favor em uma casa de um cômodo e, hoje, ostenta uma fortuna de mais de 100 milhões de reais e vive uma vida nababesca com amizade com símbolos de sucesso, como o jogador Neymar, a quem chegou presentear com um colar de mais de 2 milhões de reais, durante o cruzeiro promovido pelo atleta. Com 12 milhões de seguidores, no Instagram, Buzeira ajuda as pessoas e projeta sonhos de uma grande parcela de jovens, que se inspiram na sua história de vida.

É interessante, que na mesma disputa eleitoral, um outro perfil de pessoa que angariou sucesso vindo de baixo é bastante explorado nas narrativas, mas parece desatualizado com o mundo da rapidez das redes sociais. Tabata Amaral conseguiu por meio da educação trilhar um caminho de sucesso. Saída da vulnerável Vila Missionária, na região do Grajaú, zona sul da capital, Tabata se formou em Harvard, em um caminho penoso e de grandes batalhas. A vida parece já muito difícil para esses jovens para ter a força da conquista paulatina, que a deputada conseguiu. Sua história é sofrida, passando por uma perda do pai para as drogas e o alcoolismo e apesar de admirada, fica num segundo plano de desejo. Há o anseio por mais facilidade e rapidez para chegar ao topo.

Nesse sentido, a pergunta de onde vêm os milhões de Pablo Marçal, que tem sido explorada por todas as campanhas, parece não afligir esse público. Obviamente que gera uma rejeição ao candidato, em outro eleitorado, mas esse jovem parece não se importar com essa questão. O próprio Buzeira, investigado por promover loterias ilegais pela Polícia Federal e vira e mexe associado a organizações criminosas, não deixa de ter a admiração do público em função de alguma ilicitude não provada de seus recursos. A lógica da luta contra o sistema não é só no enfrentamento político, mas também no dia a dia. Em um grupo qualitativo na cidade de São Paulo, um jovem de 18 anos, morador do Sapopemba, que votará pela primeira vez e é eleitor convicto de Marçal, concluiu: “Basta um de nós dar certo, que querem chamar de ladrão.”

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Liderando a pesquisa Datafolha entre os jovens de 16 e 24 anos, entre as pessoas com ensino médio completo, entre os pardos, entre os informais e entre os evangélicos, Marçal tem um público novo, que não só é fiel ao bolsonarismo. É um eleitor que não acredita mais no sistema posto, que enxerga que a mudança precisa vir e que se espelha em uma história de vida, que parece alcançável. Marçal é real para eles e conta como é possível chegar lá. O teólogo do pietismo, um braço do luteranismo, Nicolaus Zinzendorf, afirmou: “Quando eu vejo um homem a quem Deus deu uma grande dádiva, regojizo-me e alegremente me sirvo daquela dádiva.” Dessa maneira, parte do eleitorado não só vê Marçal como um prefeito, mas sim como um exemplo de prosperidade e sucesso, desejo daqueles que vivem na realidade excluída das comunidades paulistanas.

Opinião por Bruno Soller

Bruno Soller é estrategista eleitoral. Especializado em pesquisas de opinião pública, é graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, com especialização em Comunicação Política pela George Washington University. Trabalhou no governo federal, Câmara dos Deputados e Comissão Europeia.

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