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Bruno Soller analisa o comportamento do eleitor brasileiro com base em big data e pesquisa

Opinião|Partidos políticos, cada vez mais ricos e poderosos, estão longe de representarem a sociedade

Legendas continuam cartoriais e não acompanham velocidade do mundo atual; enfraquecimento das siglas é fenômeno global

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Atualização:

Como explicar que os dois partidos que mais votos tiveram para a disputa presidencial, PT e PL, e que elegeram as maiores bancadas da Câmara Federal governam apenas uma capital do Brasil e mesmo assim por migração do prefeito e não por ter sido originalmente eleito por uma dessas agremiações? Essa pergunta mostra o nível de complexidade da política eleitoral brasileira, mas expõe a fragilidade que os ricos e poderosos partidos políticos têm perante a opinião pública. Os partidos estão cada vez mais cartoriais e menos enfronhados na sociedade. Os movimentos em torno de pessoas ou causas específicas têm superado o pedigree partidário e têm tido a capacidade de angariar apoiadores, mesmo que de modo difuso.

Com as constantes reformas e mini reformas eleitorais, nos últimos 10 anos, a configuração político-partidária brasileira tem sofrido bastante alterações. As cláusulas de barreira e as novas federações deram um freio na fragmentação partidária e reordenou a composição do sistema político nacional. Findada as eleições de 2018, por exemplo, o Congresso Nacional chegou a ter 30 partidos políticos com alguma representação, mas esse espraiamento já apontava para um fenômeno que tem sido mundial, que é uma certa individualização do voto. Os pequenos partidos viraram uma ferramenta para quase que uma candidatura independente, proibida no País, e, portanto, naquele momento, burlada por meio das siglas nanicas.

Sessão na Câmara dos Deputados; Dois terços da população não confiam nos partidos políticos no Brasil, aponta pesquisa Foto: Bruno Spada/Agência Câmara - 02/05/23

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O maior exemplo dessa candidatura independente disfarçada de partido político foi a do ex-presidente Jair Bolsonaro, em sua eleição. Com o até então acanhado PSL, Bolsonaro se elegeu presidente e levou consigo uma bancada gigantesca para o partido, que teve um crescimento de 1.341% de votos, comparados com o pleito nacional anterior. Uma clara manifestação dessa individualização do voto em detrimento do significado das correntes ideológicas partidárias. Essa separação entre a causa e o partido tem criado anomalias particulares como a situação sui generis do PT. Vitoriosos na Presidência da República, com Lula, uma causa, governam apenas 4 cidades das 96 que possuem segundo turno, ou seja, mais que 200 mil eleitores – Diadema (SP), Mauá (SP), Juiz de Fora (MG) e Contagem (MG).

Segundo uma pesquisa realizada pelo Ipec, em que mede o grau de confiança dos brasileiros em instituições, os partidos políticos ocupam a pior colocação para os brasileiros. Dois terços da população dizem não confiar nos partidos. Se há algo que possa alegrar os caciques partidários é que esse índice já chegou a patamares bem piores, justamente em 2018, quando apenas 16% da população tinha insuspeição das siglas. Outro ponto a se prestar atenção é que entre os jovens o grau de confiança é ligeiramente maior do que entre os mais velhos, uma luz no final do túnel para quem vive a vida partidária.

Datados da pós-revolução industrial, os partidos políticos são instituições centenárias e que parecem não coadunar com a velocidade do mundo atual. Os congressos, os engessamentos estatutários, os pequenos feudos criados pela burocracia interna, exigida até mesmo pelo Tribunal Superior Eleitoral, repelem as pessoas a participarem dos partidos. O objetivo mister que é o de representar segmentos e pensamentos da sociedade foi sendo sobreposto única e exclusivamente por uma ideia de cartório. O cidadão que quer ser candidato a algum cargo, procura um partido político e acaba por se filiar, fazendo cálculos se há ou não viabilidade eleitoral de coeficientes para sua empreitada. Os partidos deixaram de ser da sociedade para virar uma certa propriedade do Estado.

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Mais ricos do que nunca, com a mudança da forma de financiamento das campanhas, muitos partidos sofrem com disputas internas para o controle desses orçamentos. São os partidos também quem garantem os tempos de propaganda televisiva e de rádio para as candidaturas. É interessante observar, todavia, que esse fato que era essencial para qualquer candidatura, com as redes e a democratização da informação, tem tido menor relevância. Muitos candidatos que conseguiram reunir as maiores coligações nas eleições anteriores acabaram por ser derrotados nas urnas. Um exemplo claro disso é a eleição para governo de São Paulo, em que Rodrigo Garcia tinha quase que o dobro de tempo de propaganda que a soma entre Tarcísio de Freitas e Fernando Haddad e acabou nem alcançando o segundo turno. Em Minas Gerais, Alexandre Kalil conseguiu 30 segundos a mais na TV que o governador Romeu Zema e, mesmo assim, foi derrotado em primeiro turno.

Esse fenômeno de enfraquecimento popular dos partidos não é só brasileiro. Recentemente, Javier Millei se elegeu presidente da Argentina com o Partido Libertário, um movimento, criado há apenas 6 anos, contra os Justicialistas, partido fundado por Juan Domingo Perón e que conta com mais de 3 milhões de membros. Na Itália, o Movimento 5 Estrelas, surgido em 2009, com o comediante Beppe Grillo tem 199 dos 630 assentos na Câmara dos Deputados e 95 dos 315, do Senado Federal. O Morena, no México, foi criado em torno da figura do presidente Lópes Obrador, destronando por completo o tradicional PRI. Nas eleições americanas não é incomum perceber movimentos trumpistas, que caminham em paralelo aos Republicanos. São as figuras políticas se sobrepondo ao coletivo.

Em um levantamento feito pela RealTime Big Data para a RecordTV, 84% dos entrevistados afirmaram que votam em pessoas, independentemente dos partidos. Essa situação corrobora para uma frente de candidaturas municipais que não estão em agremiações únicas, mas que se escoram nos movimentos políticos adotados pela sociedade. Guilherme Boulos, do PSOL, em São Paulo, Eduardo Paes, do PSD, no Rio de Janeiro, Geraldo Júnior, do MDB, em Salvador e João Campos, do PSB, em Recife, por exemplo, encontram-se no espectro eleitoral lulista, mesmo cada um deles estando em siglas absolutamente distintas do ponto de vista ideológico. Dentro dos partidos essa realidade é ainda mais incongruente. O MDB que tem Geraldo Junior, lulista, em Salvador, pode ter Ricardo Nunes, bolsonarista, em São Paulo. O PSD, que tem Paes, lulista no Rio de Janeiro, tem Topázio Neto, bolsonarista, em Florianópolis.

Com os regramentos impostos, os partidos só tendem a se fortalecer enquanto instâncias burocráticas. Ter o controle partidário obviamente que garante boa vantagem na busca por projetos de poder. O fato, no entanto, é que se os partidos não entenderem essa fragilidade que possuem na sociedade e perderem por completo sua real significação poderão ser substituídos por outros cartórios que venham a surgir e que cumpram a mesma função. Recapitulando o manifesto de fundação de um tradicional partido brasileiro, o PSDB, é fundamental que os dirigentes partidários entendam que é necessário estar mais longe das benesses oficiais e mais perto do pulsar das ruas para que consigam reverter essa crise de representatividade.

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Opinião por Bruno Soller

Bruno Soller é estrategista eleitoral. Especializado em pesquisas de opinião pública, é graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, com especialização em Comunicação Política pela George Washington University. Trabalhou no governo federal, Câmara dos Deputados e Comissão Europeia.

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