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Bumlai, cartola do Corinthians e chefe de estaleiro: os nomes da Lava Jato que voltaram com Lula

Várias pessoas que foram investigadas, denunciadas ou delatadas na Lava Jato voltaram a circular por Brasília sob Lula, mostra levantamento. Não há, a princípio, irregularidade nas reuniões

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Foto do author André Shalders
Atualização:

BRASÍLIA - Em abril de 2021, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a incompetência da 13ª Vara de Curitiba para julgar o então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), permitindo a ele recuperar seus direitos políticos. Em outubro de 2022, Lula derrotou Jair Bolsonaro (PL) nas urnas e voltou ao Palácio do Planalto. Ele não veio só: várias outras pessoas que foram delatadas, investigadas e até presas na Lava Jato voltaram a circular pela Esplanada, ou passaram a ter mais acesso às autoridades do Executivo. Hoje, tratam de temas como a dívida do estádio do Corinthians, a recuperação judicial de empresas de petróleo e até programas para garantir o acesso dos brasileiros a carne.

São pessoas como o pecuarista Maurício Bumlai, filho de José Carlos Bumlai; o engenheiro mecânico Luiz Eduardo Guimarães Carneiro, presidente da Sete Brasil; e Walter Faria, dono do Grupo Petrópolis. Há também ex-políticos que desistiram de disputar eleições e passaram a atuar como lobistas. Foi o que fizeram o ex-deputado do PT de SP e ex-cartola do Corinthians Vicente Cândido e os ex-senadores Romero Jucá e Valdir Raupp. A maioria foi absolvida ou teve as condenações anuladas. Mas, mesmo nos casos dos que ainda são investigados, não há, a princípio, nenhuma ilegalidade ou irregularidade nas reuniões.

Bandeira usada por militantes em manifestação em frente ao Departamento da Polícia Federal de Curitiba (PR), na época em que Lula esteve preso  Foto: JFDiorio/Estadão

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Para saber quais personagens da Lava Jato estavam de volta a Brasília, a reportagem cruzou uma lista com centenas de nomes de pessoas investigadas e condenadas pela operação ao longo dos anos com o registro das agendas públicas de autoridades. O levantamento foi feito em parceria com a Fiquem Sabendo (FS), uma organização sem fins lucrativos voltada para a transparência de dados públicos. Foi usada a Agenda Transparente, ferramenta da FS para monitorar o lobby no governo federal.

Em fevereiro de 2021, o Ministério Público Federal (MPF) declarou encerrada a força-tarefa da Lava Jato no Paraná, responsável pelas principais investigações do caso iniciado em 2014. A decisão veio na mesma semana em que o então ministro do STF Ricardo Lewandowski tornou públicas as mensagens entre os então procuradores da Lava Jato e o ex-juiz Sérgio Moro, que cuidava do caso na 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba. Obtidas originalmente por meio de um ataque hacker aos celulares das autoridades, as mensagens mostram investigadores conversando com Moro sobre processos, o que levantou suspeitas sobre a lisura da investigação. Os envolvidos negam irregularidades.

Vicente Cândido é militante do PT em São Paulo desde 1980 e foi deputado federal pelo partido por dois mandatos, de 2011 a 2019. Foi também cartola do Corinthians, dirigente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e sócio do ex-presidente da entidade, Marco Polo Del Nero, num escritório de advocacia. Se tornou alvo de inquérito no STF em 2017, após ser delatado por três ex-executivos da empreiteira Odebrecht (atual Novonor). Eles o acusaram de receber propina da empreiteira em troca de apoio ao financiamento do novo Itaquerão, o estádio do Corinthians, o que ele nega. Em outubro de 2018, o inquérito foi enviado à Justiça Federal em SP, onde tramita em sigilo até o momento.

No novo governo Lula, Cândido se tornou um lobista importante. Esteve 27 vezes no Palácio do Planalto ao longo de 2023, sendo oito delas com o chefe de gabinete de Lula, Marco Aurélio Santana Ribeiro. Também há diversos encontros com o titular da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias. Desde abril de 2022, é sócio do Innocenti Advogados Associados, sediado na capital paulista. Ao Estadão, Cândido diz que nunca deixou de frequentar Brasília desde que voltou a advogar, mas admite que passou a ter mais acesso com a chegada de Lula ao poder. “Hoje eu tenho amigos e companheiros no governo”, diz.

“Hoje eu tenho amigos e companheiros no governo”, diz Vicente Cândido Foto: Felipe Rau/Estadão

“Mesmo no governo Bolsonaro, por dever da função, eu tinha que dialogar com todos os órgãos. Mas é evidente (que tem mais acesso sob Lula) (...). Antes, eu tinha, no máximo, algum amigo que era oriundo do Legislativo, como o Fábio Faria (ex-deputado e ex-ministro das Comunicações)”, diz ele. Além de representar demandas de sindicatos de servidores públicos, Vicente Cândido também diz que está trabalhando para renegociar a dívida do Corinthians com a Caixa Econômica Federal, decorrente da construção do Estádio em Itaquera (SP). Outra atividade é abrir as portas do poder para candidatos a vagas em tribunais e outros postos que dependem de indicação política.

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O engenheiro mecânico Luiz Eduardo Guimarães Carneiro é presidente da empresa de investimentos Sete Brasil, criada em 2010 para fornecer 28 navios-sonda à Petrobrás. Ex-presidente da OGX Petróleo e Gás, a empresa de petróleo de Eike Batista, Carneiro chegou a ser preso em setembro de 2016, na 34ª fase da Lava Jato – a mesma que prendeu o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. Há um processo contra ele em curso por “crimes contra o sistema financeiro” na Justiça Federal em SP, mas a reportagem não conseguiu contato com o engenheiro para confirmar qual o status atual das investigações.

No dia 18 de abril de 2023, Carneiro e outros três representantes da Sete Brasil se reuniram com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, no gabinete dele na Esplanada dos Ministérios. Também estava presente o número 2 da pasta, o secretário executivo Efrain Pereira da Cruz. Na agenda de Silveira, o evento é descrito apenas como “apresentação institucional”, e a conversa girou em torno das dívidas da empresa. A Sete está sob recuperação judicial desde 2016, e a Petrobrás agora avalia fechar um acordo de R$ 912 milhões para evitar que credores executem as dívidas – o montante pode chegar a R$ 30 bilhões, e a Petrobrás corre o risco de se tornar alvo de cobranças, na condição de “avalista” da Sete.

Sondas para exploração de petróleo eram o negócio inicial da Sete Brasil, em Angra dos Reis Foto: Sete Brasil

O Ministério de Minas e Energia (MME) tem representantes no conselho de administração da petroleira. Em nota, a pasta confirmou que a reunião foi pedida pela empresa, para tratar das dívidas da Sete e afirmou que Carneiro “buscou apresentar demandas judiciais no âmbito de contratos com a Petrobrás, fazendo um resumo da carteira de projetos e da recuperação judicial ajuizada pela empresa”.

Ainda segundo o MME, Alexandre Silveira não viu “qualquer correlação dos temas trazidos pela Sete Brasil com a formulação de política pública – esfera de atuação do MME”, e “sugeriu o encaminhamento da demanda à Diretoria Executiva da Petrobrás”. “Desde então, não houve outra reunião com os representantes da empresa e a questão ainda está em análise pelas instâncias de governança da Petrobrás”, disse o ministério, em nota.

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Antigos personagens da Lava Jato também participaram de reuniões dos setores de carnes e de cervejaria – a volta do churrasco com picanha e cerveja gelada foi um dos motes da campanha de Lula em 2022. Entre esses personagens está o pecuarista Maurício de Barros Bumlai, filho de José Carlos Bumlai, e Walter Faria, dono do Grupo Petrópolis.

Em 17 de agosto de 2023, Bumlai esteve no Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), com o ministro Paulo Teixeira, na condição de diretor da empresa Agro JB, para tratar de um certo “Programa Carne no Prato” – procurado, o MDA não retornou o contato da reportagem para explicar do que se trata. Maurício foi indiciado pela PF e denunciado pela Lava Jato em Curitiba em 2015, mas depois absolvido por Sérgio Moro em setembro de 2016. O pai de Maurício, José Carlos Bumlai, amigo de Lula, foi condenado a 9 anos e 10 meses de prisão por corrupção.

Ao cumprir um mandado de busca na casa de Maurício, a Polícia Federal encontrou um manuscrito descrevendo o ano de 2010 como “um ano dourado”, datado de 1º de janeiro. Revelava planos de faturar R$ 1 bilhão com a Estre Ambiental, a qual ele representava, na Petrobrás – o que de fato aconteceu, como mostraram depois as investigações. Há também menções ao BNDES e à usina de cana de açúcar da família.

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Manuscrito encontrado pela PF na casa de Maurício Bumlai prevendo um "ano dourado" em 2010 Foto: JFPR/Reprodução

Walter Faria, dono do Grupo Petrópolis, esteve com o ministro Fernando Haddad (Fazenda) e vários outros empresários do setor cervejeiro em uma reunião no escritório do Ministério da Fazenda em São Paulo (SP), no número 2.163 da Avenida Paulista. O encontro foi em maio passado. Além do Grupo Petrópolis – responsável por marcas como a Itaipava – Haddad também conversou no mesmo dia com representantes da Heineken e da Ambev. Walter Faria ficou preso por quatro meses em 2019, sendo libertado sob fiança de R$ 40 milhões. A acusação contra ele era a de ter usado a cervejaria para ajudar a Odebrecht a pagar propina a políticos. A denúncia foi aceita pelo juiz Luiz Antônio Bonat em fevereiro de 2020.

No entanto, em setembro de 2021, o então ministro do STF, Ricardo Lewandowski, atual ministro da Justiça, suspendeu duas ações penais contra ele, em Curitiba e em São Paulo. E, em abril de 2022, Gilmar Mendes concedeu habeas corpus para trancar as ações. “Com relação às ações penais, o empresário Walter Faria foi absolvido em todas elas, após decisões do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a ausência de qualquer indício de prática ilícita nos fatos, além de reconhecer que houve irregularidades processuais”, disse o Grupo Petrópolis, por meio da assessoria.

Políticos saem do cenário eleitoral e atuam com lobby em Brasília

Abraçar a profissão de lobista é um destino comum para políticos aposentados. Foi o que fizeram Romero Jucá e Valdir Raupp. Os dois foram senadores; foram citados por delatores, e tiveram seus nomes incluídos na chamada “lista de Fachin”, a relação de 108 pessoas que se tornaram alvo de inquéritos no STF por decisão do ministro Edson Fachin, em abril de 2017. À época, a relação foi divulgada em primeira mão pelo Estadão.

Jean Castro é presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), entidade que representa os profissionais do lobby. Segundo ele, não há problema em que ex-parlamentares atuem como lobistas – desde que sigam as regras da profissão. A entidade defende a aprovação de um projeto, atualmente no Senado, para regulamentar a prática no País. “(O lobby) é uma atividade extremamente importante para a democracia. É a atividade que faz a ligação entre os interesses e a realidade do mercado, e o governo, nas normas que vão reger a todos, e que precisam equilibrar todas as partes envolvidas”, diz ele.

Pernambucano de Recife, Romero Jucá foi senador por Roraima durante mais de 20 anos, entre 1995 e 2018. Sua passagem na Lava Jato ficou marcada pela frase sobre “estancar a sangria” num “grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”. A frase foi dita numa conversa com Sérgio Machado – ex-presidente da Transpetro que depois disse, em delação, ter pago R$ 21 milhões em propina a Jucá. O ex-senador tornou-se réu em junho de 2020, quando a 13ª Vara da Justiça em Curitiba aceitou denúncia contra ele. O processo está hoje na Justiça Federal em Brasília.

Ao sair da política, Jucá abriu uma empresa de lobby conhecida na capital federal, a Blue Solution. A firma funciona numa casa suntuosa no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, e o “blue” do nome faz referência ao carpete azul do Senado. A empresa está em atividade desde 2019, mas as agendas indicam que seu nível de acesso ao Poder Executivo aumentou com a chegada de Lula. De 2019 a 2022, a agenda lista 4 encontros com a participação do ex-senador. Já em 2023, são 39. Um aumento expressivo, mesmo ao levar em conta o fato de que as agendas oficiais eram atualizadas de forma precária na gestão Bolsonaro. A reportagem do Estadão procurou Jucá por meio da empresa dele, mas não houve resposta.

Em setembro de 2023, por exemplo, Jucá participou de uma reunião no Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), com o título “regulamentação de cartão de benefício”. De fato, o tema foi regulamentado por meio de um decreto pouco depois, no fim de outubro. A norma trata de temas como empréstimos consignados e desconto em folha da contribuição sindical, desde que autorizada pelo servidor. Procurado, o MGI disse que a reunião foi pedida por Jucá e que “teve caráter meramente elucidativo sobre o funcionamento e critérios do cartão de benefícios. O assunto também foi de interesse comum a outras pessoas e entidades sindicais, que fizeram a mesma solicitação de esclarecimentos”.

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Vista aérea da mansão onde funciona a Blue Solution Goverment Inteligence, no Lago Sul em Brasília Foto: Dida Sampaio/Estadão

Ex-senador por Roraima por 16 anos, Valdir Raupp se tornou lobista após deixar o Senado em 2019. Na Lava Jato, foi acusado pela PGR de receber R$ 500 mil da construtora Queiroz Galvão por meio do diretório do MDB em Rondônia. As negociações teriam sido intermediadas pelo ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa e pelo doleiro Alberto Youssef. Em 2020, chegou a ser condenado pela Segunda Turma do STF neste caso – mas, dois anos depois, o mesmo colegiado acolheu um recurso do ex-senador e anulou a condenação. Em agosto de 2023, o STF também rejeitou a denúncia do “quadrilhão do MDB”, contra ele e outros, inclusive Jucá.

Ao longo de 2023, Raupp esteve em várias agendas com autoridades do Executivo, representando o Conselho Federal de Técnicos Agrícolas (CFTA), entidade para a qual trabalha. Ele também tem uma consultoria, mas diz estar sem nenhum contrato no momento. Ao Estadão, Raupp diz que foi alvo da Lava Jato somente por ser o presidente do MDB num momento em que a Lava Jato mirou as cúpulas de todos os principais partidos. “O maior crime que eu cometi foi ter recebido R$ 500 mil de contribuição oficial de campanha, num momento em que a legislação permitia”, diz ele. “Minhas contas foram aprovadas por unanimidade no TSE”, diz o senador. “Aí te pergunto, qual foi o crime que eu cometi? Para sofrer sete anos de bombardeio da mídia nacional?”, questiona.

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