O novo caça da FAB, o Gripen E/F, será entregue hoje de manhã em Linköping, na Suécia, para iniciar a fase mais difícil do projeto – durante os próximos anos, vai passar por duros testes de voo destinados a provar que o jato é capaz de realizar todas as missões de combate para as quais foi designado pela aviação militar. O evento é solene, com a presença de representantes dos dois governos, executivos das empresas envolvidas e pessoal técnico.
O jato 4100 é o primeiro de um lote de 36 unidades que será recebido em etapas até 2026. O contrato, no valor de 39,3 bilhões de coroas suecas, bate em R$ 16,8 bilhões, cobrindo as aeronaves, toda a transferência de tecnologia e a adequação industrial. A versão F, de dois lugares, passou a ser um programa próprio, desenvolvido em conjunto pela sueca Saab, e as brasileiras Embraer Defesa e Segurança (EDS), Ael Sistemas, Akaer e Atech. Há 150 engenheiros trabalhando no projeto do caça biposto, a maior parte deles no Centro de Projetos e Desenvolvimento do Gripen (CPDG) no núcleo industrial da EDS em Gavião Peixoto, a 316 km de São Paulo, na região de Araraquara. O efetivo vai crescer, pode chegar a 400 especialistas.
A primeira meta do consórcio é criar uma aeronave nova, para ser empregada no treinamento avançado dos oficiais que assumirão os esquadrões que serão equipados com os Gripen. Vai servir também para a execução de missões de ataque qualificado, de alta complexidade, que exigem, além do piloto, um artilheiro a bordo. O segundo objetivo é de médio prazo e é mais ambicioso, admitiu ontem um ex-integrante do programa, para quem "o gol a ser marcado é adquirir capacidade para projetar e construir no País aviões dessa classe". Haverá muito tempo para isso.
A previsão é de que a convivência da Força Aérea com o Gripen E/F se estenda além de 2060. Há planos para encomendas suplementares nos próximos anos até um total de 108 unidades – que seriam necessariamente fabricadas no Brasil. O assunto entrará na pauta por volta de 2025. Assim, o Gripen E/F talvez seja o último jato de superioridade aéreaque a Força Aérea compra de um fornecedor externo.
A Embraer acumula um longo histórico de casos em que soube identificar e antecipou novas linhas de negócios no setor aeronáutico. O Gripen F pode estar encontrando uma posição nesse viés, por meio da EDS, o braço do grupo focado em projetos de Defesa que ficou de fora da venda das atividades civis da empresa para a americana Boeing. Segundo o presidente da área, Jackson Schneider, "existem mercados para os quais a versão de dois lugares será fabricada". Schneider considera o produto "extremamente competitivo; existem frotas que devem ser substituídas nos próximos anos o que sugere um potenciaç significativo, inclusive na América Latina".
O supersônico é capaz de certas façanhas de desempenho. Há três semanas, no show aéreo de Zigermeet, na Suiça, um Gripen C –uma série anterior à do modelo selecionado pela FAB – da Força Aérea da Suécia, fez uma demonstração da qualidade acrobática da aeronave em voo de alta velocidade, essencial em cenários hostis. No limite, o caça "escalou" um paredão de rocha das montanhas Glarner.
Das 36 aeronaves adquiridas, 23 vão ser integradas parcialmente em Gavião Peixoto. O cronograma prevê queoutros 13 jatos sejam totalmente produzidos em Linköping, com acompanhamento de pessoal brasileiro. Depois disso, oito unidades, ainda em parte saídas da linha de montagem sueca, serão terminadas nas instalações da EDS.
Os últimos 15 supersônicos serão integralmente construídos pelo consórcio nas facilidades da Embraer Defesa e Segurança. Uma das principais alterações determinadas pelo Comando da Aeronáutica nas especificações originais é o WAD, uma tela grande no painel que oferece acesso fácil às informações necessárias durante as operações. Era exclusivo da versão brasileira. Os suecos gostaram. Vão incorporar aos 60 caças Gripen E/F que encomendaram da Saab. Haverá compensações.
Testes
O Gripen E/Br, como é chamado pelos técnicos, voou pela primeira vez na manhã de 26 de agosto. Decolou da pista de Liköping às 9h41 e pousou depois de 65 minutos de testes preliminares de manobrabilidade e qualidade de atuação aérea. A aeronave foi pilotada pelo chefe do programa de ensaios da Saab, Richard Ljungberg.
Pintado de cinza, com variações digitalizadas, e a inscrição "Força Aérea Brasileira" na seção dianteira, o avião leva o registro 39-6001 e a matrícula 4.100, da FAB. Na cauda foi aplicada uma bandeira do Brasil. A designação na aviação militar será F-39.O jato inicial da série vai servir ao programa de provas. Os F-39 vão operar a partir da Base Aérea de Anápolis, em Goiás, próxima a Brasília. O primeiro chega ao 1º Grupo de Defesa Aérea (GDA) em 2021. O último, em 2026. O Gripen E voa a 2.460 km/hora e pode cobrir pouco mais de 3 mil km. Com carga máxima de ataque (um canhão de 30 mm, mais 7.2 toneladas de mísseis e bombas), seu raio de ação é de 800 km 1 mil km.
Futuro
O programa, segundo analistas internacionais, abre a possibilidade do Brasil disputar um imenso segmento no mercado mundial, estimado em até US$ 370 bilhões, segundo o Centro de Estudos da Defesa, de Londres. Esse é o tamanho do bolo representado pela procura global por novas aeronaves de combate. A partir da próxima década, esse segmento será fortemente dominado por cinco protagonistas – Estados Unidos, Rússia, China, Suécia e Índia –, mas poderá abrir espaço para a entrada de participantes alternativos, como Coreia do Sul, Japão e Turquia. É aí que estão as oportunidades para a Embraer Defesa.
O contrato atual, de aproximadamente US$ 4, 064 bilhões, prevê amplo acesso a informações técnicas, capazes de dar a agências do governo, como o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), e a complexos industriais, como o da EDS, a capacidade de conceber uma aeronave de combate de alto desempenho talvez em dez anos.
Estudo da consultoria inglesa PwC define que as atividades ligadas ao programa do Gripen E/F poderão gerar 2,2 mil empregos diretos no setor aeroespacial, “e mais 14.650 postos de trabalho, incluindo outros setores da economia”, assegura um cenário apurado em 2017 pela Comissão Coordenadora Aeronave de Combate (Copac). O valor de todas as contrapartidas financeiras estabelecidas na transação sueco-brasileira supera os US$ 9 bilhões – mais que o dobro do contrato de aquisição.
Até a década 2050-60, os F-39 vão passar ao menos por dois ciclos de modernização. O primeiro lote, de 36 unidades, terá sido suplementado por encomendas, já então integralmente atendidas pela fábrica da Embraer Defesa e Segurança (EDS), em Gavião Peixoto (SP). O número final pode chegar a alguma coisa entre 108 e 150 aeronaves.
O projeto, executado pela EDS, parceira da sueca Saab na empreitada, tem viés de faturamento futuro, por meio da capacidade de levar a indústria aeronáutica brasileira a disputar um pedaço de um mercado do tamanho de 4 mil a 5 mil caças que estarão sendo adquiridos no mundo inteiro – fora os Estados Unidos – nos próximos 30 anos.
Mas não vai ser preciso esperar tanto para tratar dos aspectos comerciais da operação. A Saab quer realizar ações de marketing para novos clientes, demonstrando a configuração com o WAD, o painel de tela única de 16 polegadas. As ações bilaterais de cooperação preveem a possibilidade de que empresas nacionais façam parte da cadeia de suprimentos do Gripen E/F.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.