Cadastro de pedófilos e estupradores só deve valer para condenações futuras, dizem juristas

Inscrição em sistema público proposto pelo Congresso ficaria restrita a autores de crimes praticados após a vigência da nova lei; especialistas criticam o texto aprovado

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Foto do author Mateus Mello

O projeto que cria um cadastro de condenados por pedofilia e estupro no País pode valer apenas para casos futuros. Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, as novas regras não poderiam retroagir para permitir que pessoas já condenadas tenham seus nomes incluídos no sistema.

“A medida só pode ter aplicação para as próximas sentenças porque existe um princípio no direito penal que veda que a lei retroaja para prejudicar, o princípio da irretroatividade da lei penal”, diz Berlinque Cantelmo, advogado especialista em direito penal.

Projeto que cria cadastro de pedófilos foi aprovado pelo plenário do Senado. Foto: Jonas Pereira/Agência Senado Foto: Jonas Pereira

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O advogado Renato Stanziola Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), tem a mesma interpretação. “A lei mais gravosa só pode incidir nos fatos [ocorridos] a partir de sua vigência e não pode retroagir”, reitera.

Aprovado pelo Senado na quarta-feira, 30, o projeto prevê a criação do Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais. A proposta de autoria da senadora Margareth Buzetti (PSD-MT), mira autores de crimes contra a dignidade sexual tipificados pelo Código Penal. Mais especificamente estupro, estupro de vulnerável, registro não autorizado da intimidade sexual, favorecimento da prostituição ou exploração sexual, lenocínio (cafetinagem), manter pontos de prostituição e tirar proveito da prostituição alheia.

Além da criação do cadastro, o texto determina que o nome completo e o Cadastro de Pessoa Física (CPF) dos condenados em primeira instância por esses delitos sejam divulgados para consulta pública – atualmente, processos desse tipo são tratados sob sigilo. Para virar lei, o projeto precisa ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Após a aprovação do texto que retornou da Câmara dos Deputados em votação simbólica (quando não há contagem dos votos) pelo Senado, Buzetti falou sobre o que teria motivado a apresentação da proposta: o assassinato de uma mãe e três filhas que passavam férias no município matogrossense de Sorriso, a 420 km de Cuiabá. O crime em questão foi cometido, em novembro de 2023, por um pedreiro foragido por crime sexual praticado em outra cidade do Estado. Em julho deste ano, o Ministério Público do Mato Grosso (MPMT) determinou que o réu confesso, denunciado por quatro assassinatos e três estupros, vá a júri popular.

“Foi ao saber, através da minha assessoria, que nomes de pedófilos e estupradores eram mantidos em segredo pela Justiça, que apresentei o [projeto de lei] que apreciamos hoje. Se o empregador desse monstro soubesse que se tratava de um estuprador, teria ele sido contratado? Foi da obra em que ele trabalhava que ele preparou o crime. Então, se não tivesse sido contratado, será que a história da família [vitimada] seria diferente?”, questionou a senadora.

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Especialistas criticam o projeto

Cantelmo pontua que o texto aprovado pelo Legislativo contraria o princípio da presunção da inocência. “Embora todos os tipos penais que abarcam esse projeto sejam horripilantes do ponto de vista de prática e altamente reprováveis moralmente e socialmente, se porventura o indivíduo [condenado em primeira instância] venha a ser absolvido numa decisão de segundo grau ou por tribunais superiores, quem paga a conta da execução pública e moral desse indivíduo que foi lançado em um sistema de consulta pública?”, questiona.

Já Vieira diz que a matéria é um “absurdo técnico e constitucional”. Isso porque, além de violar a presunção da inocência, altera o Código Penal para criar um “rótulo”, de pedófilos e predadores sexuais, por meio do cadastro nacional. “O Código Penal deveria tratar de crimes e penas. [Ao criar o rótulo], deixa de tratar da conduta criminalizada e estigmatiza [o indivíduo acusado], algo que o direito penal luta contra”.

Para a professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que coordena o Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada (LAPPCOM), o projeto de lei é parte de um “avanço de anseios punitivistas”. “Ele [texto] representa a percepção de que aumentar a capacidade de punição [indo além da decisão judicial] vai gerar sanções sociais e isso é uma forma de desestimular o cometimento de crimes”, analisa.

Próxima etapa

O presidente Lula tem até o dia 22 de novembro para sancionar ou vetar a lei ou trechos dela. Caso o chefe do Executivo use o seu poder de veto, o projeto volta ao Congresso. Neste caso, senadores e deputados terão 30 dias corridos para decidir, em sessão conjunta, se manterão ou derrubarão o veto presidencial.

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