BRASÍLIA – O Congresso aprovou nesta sexta-feira, 16, projeto de resolução que altera o funcionamento do orçamento secreto, esquema de compra de apoio político revelado pelo Estadão. Na Câmara, a proposta recebeu 328 votos a favor e 66 contra. No Senado, o placar ficou em 44 a 20. O texto passou com o apoio tanto do PT do presidente eleito Luiz Inácio Lula da SIlva, quanto do PL do presidente Jair Bolsonaro.
O texto define que a distribuição das indicações irá acontecer proporcionalmente de acordo com o tamanho das bancadas dos partidos. Além disso, metade das verbas deverá ser usada para saúde, educação e assistência social e os nomes dos parlamentares que indicarem as emendas precisam ser tornados públicos.
No entanto, ainda há margem para o uso do orçamento federal como moeda de troca política. O texto não estabelece, por exemplo, regras claras sobre como os recursos serão divididos entre os parlamentares – caberá ao líder de cada legenda fazer a divisão.
Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ainda terão, cada um, controle de 7,5% dos recursos, o que representa R$ 1,45 bilhão para cada um de acordo com os valores que serão praticados no ano que vem. O Orçamento da União tem R$ 19,4 bilhões para as emendas secretas em 2023.
O projeto foi articulado por Lira e Pacheco para assegurar que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare constitucional a prática do orçamento secreto a partir das reformulações aprovadas – na quinta, 15, o julgamento foi suspenso quando o placar indicava cinco votos pela inconstitucionalidade da prática e quatro por sua manutenção. Como revelou o Estadão em uma série de reportagens, o orçamento secreto virou moeda de troca para o presidente Jair Bolsonaro conseguir maioria no Congresso.
A indefinição sobre o orçamento secreto estava travando as movimentações de Lula. Com a ameaça do STF de tornar o orçamento secreto inconstitucional, Lira paralisou a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, iniciativa que pretende abrir espaço fiscal no orçamento do ano que vem para bancar o novo Bolsa Família de R$ 600 e outros programas na área social. O PT esperava ter a PEC aprovada pelo Congresso nesta semana, mas viu frustrada a expectativa após a insatisfação de Lira com a ameaça do fim do orçamento secreto.
Sem ter a PEC da Transição aprovada, o presidente eleito também decidiu represar o anúncios dos nomes de seus ministros, mesmo aquelas pastas cujas escolhas já estão definidas. A avaliação é que anunciar os futuros titulares dos ministérios poderia atrapalhar a construção de uma base parlamentar para a aprovar a PEC, visto que partidos que se sentissem preteridos nas escolhas agiriam contra o texto.
Lira já demonstrou o desejo de indicar o ministro da Saúde e do Desenvolvimento Regional. Apesar disso, aliados de Lula dizem que a escolha da presidente da Fiocruz, Nisia Trindade, já está definida para a Saúde. Já a pasta de Desenvolvimento Regional, que será dividida em Cidades e Integração Nacional, é alvo de intensa disputa entre o ex-governador de São Paulo Márcio França (PSB), o deputado eleito Guilherme Boulos (PSOL) e partidos como União Brasil, PSD e MDB.
Aliado de Lira, o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento, é cotado para ser ministro. A legenda tenta fazer com que ele seja escolhido para Minas e Energia, mas o cargo também é disputado pelo senador eleito Renan Filho (MDB-AL), filho do senador Renan Calheiros (MDB-AL), aliado próximo de Lula e rival de Lira. Mesmo diante da resistência de setores do PT, principalmente na Bahia, o União Brasil faz questão de que Elmar seja ministro, ainda que não seja de Minas e Energia, a legenda pretende ter o controle de uma pasta com “entrega”, como o Desenvolvimento Regional.
Além de Nisia na Saúde, entre os nomes considerados como certos no cargo e que Lula pode anunciar nos próximos dias estão os de Alexandre Padilha na Secretaria de Relações Institucionais, Jorge Messias na Advocacia-Geral da União, Vinícius Marques de Carvalho na Controladoria-Geral da União, Luiz Marinho no Trabalho, Silvio Almeida nos Direitos Humanos e Camilo Santana na Educação.
O PSD quer o deputado Pedro Paulo (RJ) no Ministério do Turismo. Dentro do partido, os senadores Alexandre Silveira (MG) se movimenta para tentar comandar a Infraestrutura e Carlos Fávaro (MT) para a Agricultura, mas não há garantia que todos serão contemplados.
O líder do governo Bolsonaro no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), liberou a base bolsonarista na Casa para votar como quiser no projeto que mantém o orçamento secreto. Apesar disso, a maior parte dos votos do PL e dos aliados do atual governo chancelaram a escolha, incluindo o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do presidente. Portinho argumentou que era necessário avaliar o projeto apenas depois do julgamento do STF.
O líder bolsonarista também reclamou do apoio dado pelos petistas. “Isso não é um orçamento do governo Bolsonaro porque, inclusive, o que está sendo debatido é para o próximo ano. A emenda de relator é a parte do orçamento do Congresso, tanto é que o próprio PT orienta favoravelmente”.
O esquema do orçamento secreto de distribuição de verbas sem transparência para garantir apoio político ao governo de Bolsonaro e garantir a eleição de Lira e Pacheco para os comandos da Casas Legislativas foi revelado em maio de 2021 pelo Estadão.
A prática se tornou possível após a criação das emendas secretas pelo Congresso Nacional, no final de 2019. No papel, o controle das indicações das emendas ficam sob o controle do relator do orçamento, cargo que é exercido em um sistema de revezamento entre deputados e senadores e é trocado todo ano. Na prática, porém, a indicações feitas pelo relator são administradas pela cúpula do Congresso, ou seja, Lira, Pacheco e seus aliados mais próximos.
Apesar do apoio do PT, o PSB, legenda do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, orientou contra a iniciativa na Câmara. Orientando pela bancada, o deputado Elias Vaz (PSB-GO) classificou o projeto como imoralidade. “Nós entendemos que aquilo que está errado, continua errado com essas alterações. Embora eu reconheça, em uma parte dessa emenda está se estabelecendo algum critério, mas ainda questionamos o fato de ter praticamente R$ 1,5 bi para a Mesa do Senado e R$ 1,5 bi da Mesa da Câmara Federal, sem nenhum critério, decidir para quem que vai esse tipo de emenda. Com todo respeito, achamos isso uma imoralidade”, afirmou.
O deputado Marcel Van Hattem (Novo-SP) também usou seu discurso na Câmara para chamar a atenção para o volume de recursos sob controle de Lira e Pacheco. “Eu quero saber, Vossa Excelência Rodrigo Pacheco, o que Vossa Excelência quer com R$ 1,5 bilhão? O que o presidente da Câmara, Arthur Lira, quer com R$ 1,5 bilhão?”, declarou. Van Hattem também criticou o STF e o governo eleito. “É para inglês ver, ou melhor, é para o STF ver, é para tentar a aprovar a PEC do Lula. Não por acaso, o PT está agora orientando favoravelmente”, disse.
Ainda conforme a resolução aprovada, as indicações devem ser “oriundas exclusivamente de indicações cadastradas por parlamentares” e podem ser “fundamentadas em demandas apresentadas por agentes públicos ou por representantes da sociedade civil”.
Pela forma como é hoje, o orçamento secreto permite que as emendas sejam atribuídas a “usuários externos” – prefeituras, governos estaduais, igrejas e instituições privadas, por exemplo. Nestes casos, o cidadão continua sem saber qual parlamentar “patrocinou” o pedido de recursos, ou seja, levou a demanda a ser acatada pelo relator.
Durante a campanha eleitoral, Lula não poupou críticas ao orçamento secreto e já classificou a prática como “bandidagem”, “excrescência política” e afirmou que Lira exerce o poder de um “imperador do Japão”. Quando venceu a eleição, no entanto, o petista resolveu compor politicamente com Lira. Sem possibilidade de ter um candidato forte dentro do PT para comandar a Câmara a partir de 2023, o partido de Lula resolveu apoiar a reeleição de Lira.
A avaliação foi evitar repetir o enfrentamento entre a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em 2015. Dilma bancou a candidatura do petista Arlindo Chinaglia e tentou a todo custo impedir a chegada de Cunha ao comando da Câmara. Menos de um ano após vencer, Cunha deu aval para que o processo de impeachment de Dilma começasse formalmente na Casa.
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