BRASÍLIA – Após dez meses de negociações, a Câmara aprovou nesta quarta-feira, 4, por 408 votos a favor, 9 contra e 2 abstenções, o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, desidratado e sem as principais propostas apresentadas em fevereiro pelo ex-juiz da Lava Jato. O resultado representa uma derrota para Moro e para a “bancada lavajatista”, que até o último momento defendeu a aprovação do texto original.
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Dois pontos considerados cruciais – a prisão após condenação em segunda instância e o trecho que ampliava o excludente de ilicitude, tratado por políticos como licença para matar – não foram aprovados.
Além disso, após a aprovação do texto-base do pacote, a maioria (256 a favor e 147 contra) rejeitou destaque apresentado pelo Novo que pretendia remover do texto a figura do juiz de garantia. Pelo projeto aprovado, um juiz deve conduzir a investigação criminal, mas o recebimento da denúncia e a sentença ficam a cargo de outro magistrado. A discussão sobre esse ponto rendeu os principais momentos de disputa no plenário entre apoiadores e opositores de Moro, que diziam querer evitar um “juiz parcial”.
O próprio ministro chegou a telefonar para deputados, alguns da bancada evangélica, pedindo que votassem a favor do destaque, mas não foi bem-sucedido. Moro esteve na quarta no Congresso, repetindo uma ação dos últimos dois meses, quando participou de almoços e jantares com bancadas e líderes, na tentativa de convencer os parlamentares a aprovar o texto original. Antes de votação, Moro fez um esforço final e se reuniu duas vezes com deputados do Centrão – formado por DEM, PP, PL, Solidariedade e Republicanos –, buscando reverter a derrota que já se desenhava ao longo do dia.
No encontro com deputados do DEM, Moro apelou para resgatar alguns trechos, afirmando que a opinião pública era favorável ao projeto. O ministro se queixou de pontos considerados cruciais, que haviam sido suprimidos, como a execução antecipada da pena. O texto final resultou da atuação do grupo de trabalho criado em março pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para fundir o pacote de Moro com os projetos propostos por uma comissão de juristas, encabeçada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
O pacote segue agora para o Senado e, antes de ser apreciado no plenário, passará por comissões. No Twitter, Moro admitiu a necessidade de mudanças no pacote que passou pelo crivo da Câmara. “Há avanços importantes. Congratulações aos deputados. (Mas) Há necessidade de algumas mudanças no texto. Continuaremos dialogando com CN (Congresso Nacional), para aprimorar o PL (projeto de lei)”, escreveu o ministro, após a votação.
Moro viu fracassar, além do excludente de ilicitude e da prisão em segunda instância, a tentativa de resgatar o “plea bargain”, que daria a possibilidade de acusados confessarem crimes em troca de pena menor. O instrumento já existe no Código Penal dos Estados Unidos.
Pressão de Moro não surtiu efeito esperado
Durante a discussão do pacote, o Ministério da Justiça lançou uma campanha publicitária para tentar mobilizar a sociedade e pressionar o Congresso. A ação acabou sendo suspensa pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A pressão de Moro e de seus apoiadores não surtiu efeito esperado.
Em seis horas de negociações a portas fechadas, nesta quarta, os deputados da oposição e do Centrão cederam em apenas 4 dos quase 30 pontos que Moro e a bancada da bala queriam retomar. Entre eles, a permissão da Justiça para autorizar a gravação da conversa entre advogados e presos em presídios de segurança máxima, caso o defensor fosse considerado suspeito. Foi aprovado, ainda, o cumprimento imediato da sentença do tribunal do júri, quando a pena for a partir de 15 anos.
Os deputados também aceitaram que agentes da segurança pública infiltrados possam produzir provas que levem à prisão de suspeitos, desde que exista uma operação em curso. Na prática, um policial disfarçado poderá, por exemplo, tentar comprar drogas de um traficante investigado e usar a ação para provar o crime.
Outra alteração negociada pelo grupo e pelo ministro que voltou ao pacote foi o fim da progressão de pena para condenados ligados às organizações criminosas como PCC, Comando Vermelho ou milícia.
“O texto é o do grupo de trabalho, e não o do Moro. Nós derrotamos Sérgio Moro”, afirmou o líder do PCdoB, Orlando Silva (SP). “Conseguimos evitar tragédias contidas no texto original. O combate ao crime não está nas mãos de nenhum super-herói. Triste um País que precisa de super-heróis. O que foi aprovado tem vitórias e tem derrotas significativas neste momento”, afirmou o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
Moro não quis comentar a negociação e saiu do Congresso antes do resultado final. Antes, no Senado, ele havia cobrado rapidez dos parlamentares na votação da proposta sobre execução antecipada da pena. “Nós precisamos, sim, enfrentar o problema da impunidade e da criminalidade”, afirmou. “Não haveria melhor mensagem do que o restabelecimento da prisão após segunda instância.”
Para o deputado Capitão Augusto (PL-SP), da bancada da bala e relator da proposta no grupo de trabalho criado por Maia, não houve derrota. “De 100%, o relatório está contemplando quase 70% (das propostas). Dentro do meio político é algo para se considerar.”
Desde que chegou na Câmara, o projeto de Moro foi alvo de controvérsias. O ministro tentou pressionar Maia para acelerar a tramitação da proposta, causando mal-estar com o Legislativo. Maia chegou a dizer que a Câmara não abriria mão de propostas de comissão liderada por Alexandre de Moraes por causa da “vaidade” do ex-juiz. “Chegamos a um resultado que talvez nunca acreditássemos que chegaríamos na Casa.”, disse.
Aliados do ministro também repararam na “falta de engajamento” do presidente Jair Bolsonaro em relação às medidas. Sem falar com Moro, em março, Bolsonaro combinou com Maia de adiar a discussão do pacote para não atrasar a votação da reforma da Previdência. O acordo foi visto como um sinal de desprestígio do ministro.
Apesar das modificações, o pacote foi considerado muito importante por técnicos do Ministério da Justiça e da Câmara. O projeto proíbe, por exemplo, a liberdade condicional e “saidinhas” de criminosos condenados por crime hediondo, que resultaram em morte.
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