Os vereadores da Câmara Municipal de São Paulo têm dado prioridade à indicação de emendas parlamentares para financiar eventos culturais e esportivos. Entre janeiro e abril deste ano, R$ 26,7 milhões foram direcionados para a Secretaria Municipal de Esportes e Lazer. A quantia é 356 vezes maior do que o total em emendas destinado à Educação, 134 vezes superior ao montante enviado à Segurança Urbana ou sete vezes a soma dos recursos indicados à Saúde.
Levantamento do Estadão mostra ainda que os vereadores já indicaram R$ 50,1 milhões em emendas neste ano. Desse total, R$ 40 milhões foram destinados para contratação de artistas, projetos sociais e eventos. No mesmo período, a Secretaria Municipal da Saúde recebeu R$ 3 milhões em emendas para a aquisição de insumos, equipamentos e mobiliários e R$ 1 milhão para parcerias e obras em Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Já a Educação recebeu R$ 75 mil ao todo.
Apesar de a pasta de Esportes e Lazer concentrar a maior parte dos recursos destinados a “eventos e contratação de artistas” (29,7%), outras quatro secretarias e três subprefeituras também receberam repasses para essa finalidade. O mesmo padrão se repete com as emendas direcionadas para “parcerias e projetos sociais”, onde Esportes e Lazer lidera com 19,8%, seguida por Cultura (5,1%) e Direitos Humanos e Cidadania (2,8%).
Vereadores ouvidos pela reportagem afirmam que o Legislativo paulistano prioriza áreas que recebem menos recursos da Prefeitura. A Secretaria Municipal da Educação, por exemplo, tem o maior orçamento da cidade (R$ 21,8 bilhões), enquanto Esportes e Lazer tem apenas R$ 365,9 milhões. Da mesma forma, Saúde e Segurança Urbana contam com R$ 17,8 bilhões e R$ 1,2 bilhão, respectivamente. Essa disparidade resulta em uma alocação maior de emendas para as áreas culturais, afirmam.
Alguns desses parlamentares, no entanto, admitem que as emendas direcionadas para obras ou eventos geram uma popularidade maior entre os eleitores do que os recursos destinados à saúde. Isso ocorre porque tais ações são mais visíveis e facilmente associadas ao vereador que as propôs. Em um contexto eleitoral, as emendas se tornam um trunfo importante para os vereadores demonstrarem entregas em suas áreas de atuação.
Neste contexto, o fenômeno de redução das emendas destinadas à Saúde se acentuou nos últimos anos. O montante repassado para a pasta diminuiu de R$ 50 milhões, em 2021, para R$ 22,7 milhões, em 2023, ao passo que o número de emendas caiu de 285 para 151. Em contrapartida, os recursos direcionados à Secretaria de Esportes e Lazer aumentaram de R$ 28,6 milhões para R$ 75,8 milhões no mesmo período, com o total de emendas crescendo de 162 para 358.
Entre janeiro de 2021 e abril de 2024, os vereadores direcionaram um total de R$ 750,9 milhões em emendas parlamentares. Destes, R$ 372 milhões (49,5%) foram destinados às áreas de Esportes e Lazer, Cultura e Turismo, enquanto Saúde, Educação e Segurança Urbana receberam R$ 134,1 milhões (17,8%). As subprefeituras também se destacaram nesse intervalo, com repasses totalizando R$ 160,2 milhões (21,3%).
O Estadão também identificou disparidades na distribuição de recursos entre diferentes regiões da cidade. De 2021 a 2024, as 32 subprefeituras de São Paulo receberam 693 emendas. A subprefeitura do Ipiranga liderou com R$ 13,8 milhões em recursos, seguida por Itaquera e Capela do Socorro com mais de R$ 13 milhões cada uma. A diferença entre a maior e a menor quantia empenhada foi de mais de 120 vezes, com a subprefeitura da Sé recebendo apenas R$ 110 mil.
As emendas direcionadas às subprefeituras são principalmente utilizadas na melhoria da infraestrutura urbana. A construção de campos de futebol, a revitalização de praças e obras em edifícios públicos estão entre os exemplos mais comuns. Porém, as subprefeituras também promovem eventos com os recursos provenientes de emendas, como o Festival Louva São Miguel, na zona leste, que recebeu uma emenda de R$ 1 milhão indicada pelo então vereador Beto do Social (Podemos) em 2023.
As informações foram levantadas a partir de dados publicados pela Coordenadoria de Ações Municipais (CAM), da Casa Civil da Prefeitura de São Paulo. Instituída pelo Decreto 61.928/2022, a CAM é o órgão responsável pela execução das emendas parlamentares. Já a Lei Orçamentária Anual (LOA) é o mecanismo pelo qual o valor total das emendas é definido. Desde 2021, cada um dos 55 vereadores pode indicar até R$ 5 milhões, totalizando R$ 275 milhões em emendas por ano.
As emendas parlamentares são propostas elaboradas pelos membros do Legislativo para o orçamento público. Tal mecanismo é mais comum em nível federal e estadual, porém existem cidades que também o adotam. Por meio dele, cada parlamentar pode financiar obras ou políticas públicas, como a compra de mais ambulâncias, por exemplo. Geralmente, as emendas beneficiam as bases eleitorais dos parlamentares, ou seja, a localidade onde vivem seus eleitores.
Diferentemente do que ocorre no Congresso Nacional ou na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), em que ao menos metade das emendas individuais deve ser destinada para ações e serviços públicos de saúde, na Câmara Municipal de São Paulo não existe qualquer regra do gênero. Assim, cada vereador possui total autonomia para fazer as indicações da maneira que considerar conveniente. Porém, as emendas não são impositivas. A Prefeitura pode ou não acolher as sugestões.
Segundo o coordenador do MBA de Gestão Financeira da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ricardo Teixeira, os parlamentares indicam emendas para atender as necessidades de seus eleitores ou para angariar apoio de um grupo específico. Em relação à ausência de cotas mínimas para a saúde, o professor avalia que essa liberdade não é necessariamente ruim, sendo necessário estudar o que está sendo proposto caso a caso.
“Eventualmente, o local pode estar passando por uma recessão, e uma emenda pode atender rapidamente a uma parte da população, gerando renda. Isso pode parecer, vamos dizer assim, menos nobre do que uma emenda para a saúde, mas sempre dependerá do contexto”, disse, acrescentando, porém, que a delimitação de percentuais mínimos para setores considerados fundamentais colaboram para o desenvolvimento do País.
“Embora haja liberdade na alocação dos recursos das emendas parlamentares, dentro dos limites legais, a sociedade espera, e vai exigir cada vez mais, que haja coerência com os objetivos de desenvolvimento social das comunidades representadas pelos autores das propostas”, avalia o professor da FGV.
Questionada sobre os critérios técnicos considerados na liberação das emendas, a Câmara Municipal recomendou à reportagem “que busque essas informações diretamente com o Executivo, a quem cabe a execução orçamentária”. " As emendas apresentadas respeitam um teto definido por acordo durante a tramitação da Lei Orçamentária Anual”, informou a Casa por meio de nota.
A Prefeitura esclareceu, por meio da Casa Civil, “que a destinação de emendas parlamentares é de livre iniciativa dos vereadores”. “Não há direcionamento do Executivo, que apenas encaminha as indicações para análise de viabilidade dos órgãos responsáveis”, disse em nota.
Em ano eleitoral, vereadores aceleram liberação de emendas
Diante das eleições de outubro deste ano, parte dos vereadores paulistanos acelerou o processo de indicação de suas emendas parlamentares. De acordo com dados da Casa Civil, 25 parlamentares já indicaram ao menos R$ 1 milhão em emendas cada um. Entre eles, oito vereadores já enviaram mais de R$ 2 milhões cada um. Esses recursos foram usados, sobretudo, para financiar eventos, como show sertanejo, campeonato de skate e corrida de kart.
O vereador Marlon Luz (MDB) esclarece que a Prefeitura de São Paulo geralmente libera os montantes das emendas em etapas. Até agora, a administração municipal já disponibilizou R$ 3 milhões para cada legislador, com os R$ 2 milhões restantes previstos para serem liberados no próximo lote. Após a liberação dos recursos, Luz destinou R$ 1,5 milhão para eventos automobilísticos no Autódromo de Interlagos, na zona sul da capital.
“Minhas emendas são para o automobilismo, que é um esporte como qualquer outro”, conta o vereador, que ganhou projeção com vídeos no YouTube mostrando sua rotina como motorista de aplicativo.
Luz é o autor do Projeto de Emenda à Lei Orgânica (PLO) nº 1/2024, que propõe alterações na dinâmica das emendas parlamentares em São Paulo. De acordo com o texto, as emendas se tornariam impositivas, tornando obrigatória a sua execução pela Prefeitura. Além disso, o projeto estabelece que o valor das emendas seria fixado em 0,8% da receita corrente líquida do município. Se essas mudanças estivessem em vigor, cada vereador teria direito a R$ 16,1 milhões em emendas em 2024.
Outra mudança proposta no PLO é a determinação de que 20% do valor total das emendas seja destinado a ações e serviços públicos de saúde. No ano passado, área recebeu apenas 8,6% das indicações. Na opinião de Luz, os vereadores preferem indicar emendas para eventos ou subprefeituras porque essas ações “entregam mais valor para os munícipes”.
“Quando uma emenda vai para uma subprefeitura, ela vira uma obra. Mas quando você manda para a saúde, o munícipe só vai ver o resultado da emenda quando precisar do serviço”, disse Luz, acrescentando que existem outras formas de os vereadores contribuírem com a saúde, como, por exemplo, fiscalizando obras em UBSs.
Apenas oito dos 55 vereadores da Câmara Municipal de São Paulo destinaram emendas para a Secretaria Municipal da Saúde este ano. A vereadora Rute Costa (PL) liderou, enviando R$ 1,5 milhão, seguida pelo vereador Toninho Vespoli (PSOL), com R$ 1 milhão. Enquanto isso, 34 parlamentares direcionaram recursos para contratações de artistas e eventos.
Vespoli explica que seus assessores participam das reuniões dos conselhos gestores das UBSs na zona leste. Isso permite ao vereador identificar quais unidades necessitam de recursos. Este ano, ele direcionou emendas para a reforma de três postos de saúde e para a aquisição de ar condicionado para a UBS Vila Califórnia. “O processo de liberação é demorado. Além disso, existem entraves políticos”, disse o parlamentar, que é contrário à existência das emendas.
O vereador do PSOL também relata que, de 2013 a 2016, indicou aproximadamente 15 emendas para a área da educação, porém estas não foram efetivadas. “Parei de enviar emendas para a educação porque acabava perdendo os recursos”, disse. Como as emendas não são impositivas, a Prefeitura tem a opção de não executar os recursos.
Com 12 emendas liberadas, totalizando R$ 2,4 milhões, o vereador Sidney Cruz (MDB) advoga pela alocação de recursos em atividades esportivas e culturais. Neste ano, ele já indicou emendas para festivais de futsal e de vôlei, sendo que R$ 1,2 milhão foi destinado para financiar o projeto “Karatê na Quebrada” em bairros periféricos, na zona sul. “Defendo um tripé de ensino: educação, esporte e cultura. Esses projetos mudam a qualidade de vida das pessoas”, disse.
Perguntado se também não seria importante enviar emendas para a educação, Cruz argumentou que a Secretaria Municipal da Educação já possui um orçamento robusto. Além disso, ele disse que áreas consideradas “mais importantes” – como a saúde, por exemplo – possuem um orçamento mínimo determinado em lei. “Essas pastas já recebem valores altos do Executivo”, destacou.
O processo inicial para a liberação de uma emenda é enviar o pedido para a Casa Civil. Em seguida, a Casa Civil analisa o formulário e abre o pedido no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) para avaliação pela secretaria ou subprefeitura responsável pela execução do projeto. Se o projeto for aprovado, a Secretaria Municipal da Fazenda realiza o remanejamento do recurso por meio de decreto do prefeito.
A partir deste ano, os pedidos de emendas destinados à contratação de artistas ou promoção de eventos devem ser avaliados pela Secretaria Municipal de Turismo (SMTUR) antes de serem encaminhados para a Casa Civil. Dessa forma, o vereador envia o pedido de orçamento para a SMTUR com pelo menos 30 dias de antecedência. Após receber o orçamento, o parlamentar responde para aprovação e execução. Após esse processo, o pedido é enviado à Casa Civil.
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Por um lado, alguns vereadores buscam diversificar suas emendas em diferentes projetos, enquanto outros optam por alocar grandes quantias em poucos eventos. Um exemplo disso é o vereador Adilson Amadeu (União Brasil), que destinou R$ 2 milhões para financiar uma competição de motocross no Estádio Olímpico do Ibirapuera, a Arena Cross Internacional. Os ingressos para a edição passada variaram entre R$ 40 e R$ 150. Os valores deste ano ainda não foram divulgados.
No pedido enviado à Casa Civil, Amadeu justificou o repasse alegando que “um vídeo da cidade será exibido na abertura da transmissão ao vivo da competição com o intuito de incentivar e despertar o interesse de turistas de todo mundo pela cidade de São Paulo”. “A modalidade colecionada fiéis admiradores, atraindo pessoas para acompanhar esta grande competição, movimentando de uma forma direta o turismo e a economia”, diz o documento.
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