RIO - Diretor da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o professor Marco Aurélio Ruediger vê a centro-esquerda e a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhando espaço e engajamento nas redes sociais neste segundo turno das eleições presidenciais, sob a narrativa bolsonarista até então hegemônica nas plataformas digitais. De acordo com ele, o “campo progressista” está usando o modus operandi da direita para ganhar terreno no campo dominado pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro , candidato élo PL à reeleição. Um dos responsáveis pela mudança, aponta, é o deputado federal eleito André Janones (Avante-MG), que assumiu a estratégia de redes sociais do petista.
Ruediger defende as medidas tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no combate à desinformação, mas acredita ser necessário uma estrutura permanente para o acompanhamento e controle das plataformas.
A seguir, a conversa do pesquisador com o Estadão.
Quais são as diferenças de estratégias das campanhas presidenciais nas redes sociais neste segundo turno?
Houve um certo equilíbrio nesse segundo turno em termos de desinformação e de ataques bastante impactantes dentro de uma visão de costumes e de uma dinâmica de guerra cultural. O primeiro turno também foi fraco em termos propositivos. Se houve algum traço de discussão de programas no primeiro turno, no segundo não tem nenhum; uma agressividade muito grande.
A questão do Orçamento e da saúde têm voltado, mas não voltam para se discutir a transparência do Orçamento, do Orçamento Secreto, da pandemia... Não volta de uma forma substantiva. Volta para respaldar uma discussão que é de descontração do outro numa escala de valores e não de políticas públicas.
Temos um debate totalmente personalizado. Um debate de torcida. Não é focado em discutir o País em termos estratégicos. É como se o submundo da internet tivesse contaminado todo o debate público.
Os candidatos e as campanhas estão conseguindo furar suas “bolhas”?
O centro, que já era um espaço muito pequeno entre as duas polaridades, se cindiu. Uma parte migrou para o presidente Jair Bolsonaro e a outra parte fez uma negociação no segundo turno com o ex-presidente Lula. Podemos avaliar que o ganho líquido de Lula foi maior do que o presidente Bolsonaro conseguiu. Todos os apoios que Bolsonaro anunciou de governadores já estavam dados no primeiro turno. Não teve um fato inédito. O que pesou foi o apoio enfático de Simone Tebet a Lula.
E nas redes sociais?
Foi importante a ampliação do campo de influenciadores, artistas e do mundo da cultura. Isso faz diferença. Não houve uma migração por conta do PT. Foi por Lula. A Anitta está ali não pelo PT e sim por Lula. É a caracterização de frente. Quando olhamos os dados, vemos uma aproximação da bolha da esquerda e centro-esquerda se amalgamando com o centro. Por outro lado, vemos uma dificuldade razoável da direita em fazer a mesma coisa, mesmo com um engajamento que é muito maior.
Agora, a oposição está aprendendo a usar melhor as redes. Talvez o Janones esteja fazendo diferença na campanha nesse aspecto.
Como o senhor vê o papel do deputado eleito André Janones na campanha do PT? Ele usa as mesmas ferramentas do bolsonarismo?
O Janones usa um modus operandi da direita, mas tematicamente não vai tão longe na distorção dos fatos. Ele consegue ser um pouco mais crível, no geral, mas usando de forma espetaculosa a apresentação e disseminação da informação. A narrativa que ele usa tem um potencial de engajamento muito superior ao que a esquerda vinha fazendo até agora. Ele agregou valor à esquerda nas redes sociais no sentido de furar a bolha e consegue dialogar com outros setores.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, diz que o segundo turno das eleições deste ano criou uma “segunda geração” de notícias falsas. Como o senhor avalia a atuação da Justiça eleitoral no combate à desinformação?
Esse tipo de desinformação não é novo. Já existia em 2018. O que aconteceu agora é outro nível, além do que o ministro falou, que são as deep fake news. Um exemplo foi um vídeo que passou a circular nas redes em que o William Bonner está apresentando uma pesquisa, mas os dados são errados propositalmente. Há uma manipulação mais sofisticada da própria imagem. Era algo previsto e esperado. O TSE tem funcionado bem, mas opera com algumas condições de contorno que são complexas. Eles têm o apoio das plataformas, mas não no nível que gostariam. As plataformas querem manter a monetização. O TSE tem deficiências de estrutura. Precisam de uma equipe de acompanhamento permanente de redes sociais e preparo para isso. A análise de redes é algo montado para as eleições.
É a falta capacidade de compreensão de tudo isso em um tempo curto. Toda experiência e expertise do TSE tem sido usado em propagandas de rádio e TV. As redes exigem um encurtamento de tempo e capacidade de sanção mais forte do que é hoje.
O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, intimou o vereador Carlos Bolsonaro a explicar o uso de seus perfis para disseminação de fake news. Segundo Benedito, há indícios de uma atuação concertada para a difusão massificada e veloz de desinformação.
Há notícias que são tão fantasiosas e tão óbvias o intuito delas de distorcer o debate e prejudicar a democracia que pra mim é evidente que o TSE deve atuar sobre isso. O limite da democracia é você usar a democracia para destruir a própria democracia. Quando temos mensagens ou narrativas que atentam contra a estrutura democrática, contra as instituições, contra o princípio do voto e geram notícias fantasiosas que não condizem com a verdade, não se pode deixar que ataquem a democracia. É uma defesa da própria liberdade de se expressar.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.