O começo da campanha eleitoral mostrou que a disputa presidencial de 2022 deve opor a habilidade do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas redes sociais ao talento do petista Luiz Inácio Lula da Silva em se expressar na televisão. A vitória nas urnas pode ser do candidato que conseguir combinar melhor o efeito de sua campanha nas duas plataformas. É o que pensam especialistas ouvidos pelo Estadão.
”Lula sabe usar a TV e Bolsonaro as redes sociais. Essa deve ser a tônica da campanha”, afirmou o cientista político Antonio Lavareda, diretor do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe). Segundo ele, o que deve marcar a campanha é a convergência de plataformas. “A TV hoje não é a TV isolada do passado. Ela vai para o YouTube, para as redes sociais e circula no rádio. É o efeito combinado dessa convergência que vai determinar o impacto de cada campanha.”
O mesmo vale para a popularidade digital. Lavareda lembrou que Joe Biden tinha 10% do total de seguidores em redes sociais que Donald Trump e, mesmo assim, o venceu a eleição nos EUA, em 2020. ”É preciso conexão da campanha do candidato com a conjuntura do noticiário para ela não ficar sem sentido.” Para Lavareda, será difícil medir se o eleitor viu a mensagem na TV ou nas redes sociais e qual plataforma provocou o efeito.
Esse impacto combinado da televisão com as redes sociais pode ser sentido na quantidade de pesquisas com os nomes dos candidatos em buscadores, como o Google, no dia da sabatina no Jornal Nacional, da TV Globo. Na comparação entre o dia 22, quando deu a entrevista, com a segunda-feira anterior, Bolsonaro viu as pesquisas por seu nome registrarem alta de 520%. O mesmo foi observado com Ciro (650% na terça-feira) e Lula (480% na quinta-feira), em comparação com o mesmo dia da semana anterior. Os dados são do Google Trends.
Para o cientista político Rodrigo Prando, professor do Mackenzie, Bolsonaro leva vantagem nas redes sociais sobre Lula porque sua equipe tem um repertório maior de edição e produção de conteúdo do que a do petista. Além disso, a construção do bolsonarismo nas redes precede as eleições de 2018 e, portanto, há uma tradição nesse campo. “Bolsonaro tem um desempenho melhor nas redes, mas muita dificuldade nos ambientes que não são controlados, ao contrário do Lula.”
Durante a semana, o desempnho de Lula na TV ficou evidente na sabatina JN, em comparação com Bolsonaro. Restou ao presidente usar as redes sociais para tentar diminuir o impacto da comparação entre os dois, acusando a TV Globo de ter sido benevolente com Lula. E isso apesar de Bolsonaro ter atraído audiência maior do que a do oponente. O JN registrou 33 pontos de média no Kantar Ibope na entrevista de Bolsonaro ante 31,4 de Lula e 29 de Ciro.
O melhor desempenho de Lula pode ser medido pelas menções aos candidatos nas redes sociais no dia das sabatinas. Lula obteve 836,7 mil menções no Twitter na quinta-feira, Bolsonaro alcançou 677,3 mil na segunda e Ciro, 229,6 mil na terça.
Impacto
O impacto da entrevista de Lula é confirmado pelo trabalho da Quaest Pesquisas. Segundo seu diretor, o cientista político Felipe Nunes, em média 15 milhões de pessoas foram impactadas com postagens sobre a entrevista de Lula durante a exibição. As entrevistas de Bolsonaro e de Ciro tiveram alcance menor – 9 milhões e 2 milhões, respectivamente.
Na análise do cientista político, as reações nas redes sociais mostram que Lula se saiu melhor quando defendeu as medidas anticorrupção no seu governo, ao tratar da aliança com Geraldo Alckmin (PSB) e quando afirmou que política não é lugar de ódio. Já Bolsonaro, ao admitir que xingou o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, ao afirmar que aceitaria o resultado das eleições, desde que limpas e transparentes, e ao responder sobre a aliança com o Centrão.
Além dos perfis controlados pelos candidatos e por assessores, a repercussão do desempenho dos presidenciáveis se expandiu por meio de páginas de políticos adversários e personalidades. Foi o caso da economista Elena Landau, que assessora a candidata do MDB à Presidência, Simone Tebet. Ela escreveu sobre Lula: “Vamos reconhecer. Lula está passeando. Deve estar muito feliz de ter tido a coragem de ir (à sabatina).”
Os aliados também foram essenciais nesse trabalho. O ex-governador mineiro Fernando Pimentel (PT), candidato a deputado federal que também se livrou da acusação de corrupção – foi absolvido no processo sobre a Operação Acrônimo –, disse: “Lula sendo Lula na Globo… dando show de bola”.
Fabio Faria, ministro das Comunicações, passou a semana reclamando da Globo. Viu parcialidade no JN, mas não tratou do comportamento do presidente, que confrontou o apresentador William Bonner. Bolsonaro acusou o jornalista de “fake news” após ouvir que ofendera ministros do STF e negou o que está registrado em vídeo: sua imitação de pacientes de covid-19 com falta de ar.
Em vez disso, o ministro cobrou que a emissora fosse tão dura com Lula quanto fora com Bolsonaro. Após a entrevista do petista, publicou levantamento no qual dizia que o presidente falou 12% a menos do que Lula por ter sido interrompido mais vezes – 43 vezes ante 15 de Lula. Como um time derrotado, restou-lhe reclamar do juiz. “Foi desrespeito à Lei Eleitoral o que se viu no JN”.
Quatro perguntas para: Felipe Nunes, diretor do instituto Quaest
É possível diferenciar hoje em dia o efeito de uma entrevista na TV sobre o eleitor do efeito que ela pode ter em outras plataformas?
A TV continua sendo o principal mecanismo para falar com as massas, com o eleitor mediano. Mas conversa não termina mais no fim do programa de TV, ele continua nas redes, como antigamente continuavam na mesa de jantar das famílias. Ou seja, não dá pra dizer o efeito exclusivo dos meios, mas com certeza da multiplicação de efeitos combinados das mensagens nos diferentes meios.
Estamos cada vez mais diante de um grande efeito combinado, onde a TV se reproduz nas redes; o mesmo pode acontecer na TV, o caminho inverso, das redes para a TV?
Claro! Tenho visto cada vez mais os jornalistas comentando o que os políticos dizem no Twitter. Esse é o novo formato de coletiva de imprensa. O mesmo acontece no mundo do entretenimento e do esporte. Ou seja, esses meios estão cada vez mais funcionando como complementos.
E qual desses caminhos - TV para redes e Redes para TV - é mais fácil de ocorrer para influenciar o eleitor?
Difícil dizer. Prefiro pensar em outra lógica. A TV tem mais abrangência, mas as redes mais profundidade. Opiniões superficiais transmitidas na TV ganham espaço para serem detalhadas nas redes. O que faz com que surja uma infinidade maior de opiniões sem fundamento, apenas para confirmar os vieses que o cidadão tem. Ou seja, não se trata de perguntar qual caminho gera mais efeito, mas qual o papel de cada caminho na formatação da opinião pública.
Por fim, é possível dizer que Lula é mais eficiente no caminho que nasce da TV e vai para as redes e que Bolsonaro seria o contrário, mais eficiente no caminho que nasce das redes e vai para a TV?
Lula é um homem de televisão, Bolsonaro é um influenciador digital. São personalidades forjadas em diferentes momentos, mas que terão que se adaptar. O resultado efetivo parece vir justamente da combinação e complementação dos dois espaços e meios.
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