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Candidatos aliados de Lula ‘surfam’ nas redes com institutos federais lançados em São Paulo

De 11 cidades contempladas, oito contam com pré-candidatos do PT, incluindo dois prefeitos que tentam a reeleição; MEC nega influência política nas escolhas

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Foto do author Samuel Lima
Foto do author Heitor Mazzoco
Atualização:

A lista de novos institutos federais anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 12 de março, tem sido usada por postulantes a prefeito do PT no Estado de São Paulo para impulsionar suas candidaturas. Das 11 cidades contempladas, oito contam com pré-candidatos do partido nas eleições municipais de 2024. As obras também incluem duas novas estruturas na capital paulista, onde o PT não tem protagonismo na chapa, mas firmou aliança com o PSOL do deputado federal Guilherme Boulos.

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O Ministério da Educação (MEC) nega que a presença ou não de candidatos tenha sido um fator observado no momento de definir as cidades contempladas. “Os estudos e os critérios foram desenvolvidos pelo MEC em parceria com a Casa Civil. Foram levados em conta regiões que ainda não possuem unidades de Instituto Federal ou que registram número baixo de matrículas em cursos técnicos de nível médio em relação à população da região”, afirma a pasta (veja mais informações sobre o critério adotado abaixo).

As obras de construção de novos institutos, porém, estão sendo usadas por políticos aliados que concorrerão nas eleições de outubro. O anúncio, no último dia 12, contou com a presença de diversos prefeitos e pré-candidatos do PT, que posaram para fotos ao lado do presidente Lula, do ministro da Educação, Camilo Santana, e do deputado federal licenciado e atual ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha.

O MEC decidiu, por exemplo, anunciar duas novas estruturas em Diadema e Mauá, as duas únicas cidades governadas pelo PT no Grande ABC, composto por sete municípios. Tanto o prefeito de Diadema, Filippi Júnior, quanto o de Mauá, Marcelo Oliveira, disputam um novo mandato em outubro.

Ministério da Educação anunciou a construção de 100 novos institutos federais no Brasil, 12 deles no Estado de São Paulo Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Os dois compareceram ao evento em Brasília e fizeram postagens nas redes sociais. “Nosso presidente tem um carinho especial por nossa cidade, e é por isso que o governo federal segue anunciando novos recursos e obras para o município”, declarou Filippi Júnior em uma das publicações. A informação já era conhecida desde o início de fevereiro, quando Lula visitou uma fábrica de automóveis na região.

A escolha contraria outras cidades do ABC. Em São Bernardo do Campo, o prefeito Orlando Morando (PSDB) também enviou ofício em outubro do ano passado ao MEC solicitando uma unidade do Instituto Federal na cidade. O documento, obtido pelo Estadão, afirma que “o município possui área a ser doada para as futuras instalações do novo campus do IFSP, em caso do atendimento de nossa solicitação”, mas não teria sido respondido.

O deputado estadual Luiz Fernando (PT), pré-candidato a prefeito de São Bernardo, aproveitou o momento para jogar a responsabilidade ao atual chefe do Poder Executivo. “Orlando Morando cruzou os braços e perdeu uma oportunidade importante para nossa região. Se não é do interesse dele, a prefeitura não corre atrás”, afirmou em gravação divulgada nas redes.

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Guto Volpi, prefeito de Ribeirão Pires, por outro lado, minimizou a escolha dizendo que ao menos Mauá era consenso dentro do consórcio intermunicipal do ABC por ter fácil acesso de Rio Grande da Serra e Ribeirão por meio de uma linha da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).

Candidato diz que governo atendeu o seu pedido

O deputado estadual Emídio de Souza (PT), pré-candidato em Osasco, associou diretamente ao seu mandato o anúncio do governo. “Emídio pediu e o governo Lula atendeu”, publicou o deputado em cima de uma foto com o presidente. Em outro post, agradece pessoalmente a ajuda de Padilha. O PT tem como principal adversário na cidade o grupo do prefeito Rogério Lins, do Podemos.

Outros políticos beneficiados pelo anúncio que estiveram presentes no Planalto foram Marcus Brandino, irmão do deputado federal Kiko Celeguim e pré-candidato em Franco da Rocha, Sérgio Ribeiro, ex-prefeito de Carapicuíba, e William Souza, vereador de Sumaré. Os três também posaram para fotos ao lado de Padilha e estão escalados para representar o PT nas urnas.

Há candidatos do PT ainda nas cidades de Santos e Ribeirão Preto, que também recebem novos institutos federais. Destoando das demais cidades paulistas, São Vicente e Cotia não têm pré-candidaturas da sigla postas até o momento. Nenhum dos municípios, exceto São Paulo, conta com campus da rede federal de ensino atualmente.

Obras ajudam campanha de Boulos

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Em relação à capital paulista, o Estadão já mostrou anteriormente que Lula planeja inaugurar obras em São Paulo a fim de fortalecer pré-campanha de Boulos. Os novos institutos federais serão construídos nos bairros de Cidade Tiradentes, na zona leste, e Jardim Ângela, na zona sul, região em que Nunes tem um eleitorado fiel semelhante ao de Boulos.

O anúncio já vinha sendo feito em eventos anteriores, como o “Copa do Povo”, do Minha Casa, Minha Vida, em dezembro do ano passado. Lula prometeu no palco levar um instituto federal para o Jardim Ângela e, lembrado por Boulos e Padilha, citou também o de Cidade Tiradentes.

Para a campanha do psolista, o palanque será importante para contrapor o peso das máquinas municipal e estadual, que poderiam atuar a favor do principal adversário, o prefeito Ricardo Nunes (MDB). O emedebista tem priorizado agendas de rua este ano e encontra regularmente o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), de quem é aliado.

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O presidente Lula deve usar obras dos institutos federais em SP para promover campanha de Guilherme Boulos Foto: Taba Benedicto/Estadão

Aliados capitalizam em outros Estados

Entre os outros 88 institutos federais anunciados pelo MEC em todo o Brasil, há menos coincidências em relação aos locais governados pelo PT. Cinco prefeitos do partido foram diretamente beneficiados pelo anúncio, nos municípios de Santo Estevão (BA), Águas Belas (PE), Mauriti (CE), São Leopoldo (RS) e João Monlevade (MG).

A reportagem também identificou outros pré-candidatos proeminentes capitalizando em cima das obras do PAC. No Rio de Janeiro, a lista do MEC contempla São Gonçalo, a segunda maior cidade do Estado e que já conta com um dos 15 campi do Instituto Federal do Rio de Janeiro. O deputado federal Dimas Gadelha (PT) é o pré-candidato do partido na corrida pela prefeitura este ano e gravou um vídeo enaltecendo o novo instituto federal e outros anúncios recentes de creche, arena esportiva e Centro Educacional Unificado (CEU).

O deputado estadual Evandro Leitão (PT), uma das principais apostas do partido para enfrentar o prefeito José Sarto (PDT) nas urnas em Fortaleza, posou para fotos ao lado de Camilo e Lula em meio à cerimônia em Brasília. A capital do Ceará recebe duas novas unidades da rede federal, chegando a três no total, das seis anunciadas em todo o Estado. “Nossa educação está sendo reconstruída. Estamos juntos, pelo Ceará e pelo Brasil”, publicou o político.

Em Belo Horizonte, o deputado federal e pré-candidato a prefeito Rogerio Correia (PT) firmou o “compromisso” de tentar colocar um instituto federal em cada regional da capital mineira, mesmo que, em tese, esse apontamento não passe diretamente pelo Congresso. “Nós já temos o Cefet (Centro Federal de Educação Tecnológica), vamos ter esse agora que o Lula tá colocando e depois vamos ter mais sete em Belo Horizonte”, promete o deputado.

De acordo com o Instituto Federal de São Paulo (IFSP), o custo estimado para as obras só no Estado é de R$ 300 milhões, com expectativa de abertura de 16,8 mil vagas. O recurso integra o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O cronograma não foi detalhado no evento de lançamento. Em outros momentos, o governo declarou que os novos institutos poderiam estar em funcionamento em 2026.

Em todo o Brasil, estão previstos 100 novos campi e gasto total de R$ 2,5 bilhões. O MEC também planeja incrementar a estrutura das unidades que já existem com o PAC, construindo refeitórios, bibliotecas, quadras esportivas e salas de aula e adquirindo equipamentos. Nesse caso, não há uma lista prévia de cidades contempladas.

Critério divulgado pelo MEC não explica localidades

O Estadão cruzou os dados do Censo Escolar de 2023, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), com o Censo Demográfico de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para verificar a quantidade de matriculados frente ao número de moradores. Seja considerando o ensino técnico como um todo ou apenas a oferta pública, a lista de cidades mais carentes não bate com os 11 municípios escolhidos pelo governo federal em São Paulo.

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O levantamento mostra que, na realidade, 86 cidades paulistas que não contam hoje com um instituto federal em seus domínios têm proporcionalmente menos matrículas no ensino técnico do que Carapicuíba, o município pior colocado entre aqueles incluídos na leva de novos institutos federais até 2026. Em Pederneiras, na região de Bauru, essa relação chega a um aluno em curso técnico a cada 6.404 pessoas, contra 202 em Carapicuíba e 73 em Santos, outra beneficiada pelo programa.

As cidades paulistas escolhidas, por outro lado, são bastante populosas, o que ajuda a melhorar a imagem do governo em um momento de queda de popularidade nas pesquisas de opinião.

O MEC foi procurado pela reportagem para explicar o critério usado pelo governo para a escolha das cidades e o cruzamento feito pelo Estadão, mas a pasta apenas reenviou a nota que havia sido encaminhada no primeiro questionamento, reforçando que os critérios levam em consideração o fato de as regiões não possuírem unidades de instituto federal ou registrarem número baixo de matrículas em cursos técnicos de nível médio em relação à população da região”.

Na lista do MEC, ficaram de fora cinco municípios com mais de 100 mil habitantes no Estado de São Paulo e que possuem número de matrículas mais baixo do que os contemplados. São eles: Várzea Paulista, Itapecerica da Serra, Valinhos, Itapevi e Votorantim. O número pode ser maior diante do fato de que os dados do Censo Escolar abrangem 293 do total de 645 municípios na plataforma do Inep.

Dessas cinco cidades, ao menos duas esperavam contar com um instituto federal, segundo relato gestões municipais. A prefeitura de Itapecerica da Serra, município da região metropolitana de São Paulo governado por Doutor Nakano (PL), declara que enviou ofício nesse sentido no dia 15 de fevereiro e ainda “aguarda devolutiva do governo federal”.

Valinhos, que fica na região de Campinas, por sua vez, diz que os dados de educação são públicos e informados sistematicamente aos órgãos responsáveis e pede que a decisão de não receber um instituto federal mesmo sendo “mais bem qualificado para o programa” seja revista. “Valinhos lamenta essa decisão e questiona se ela realmente foi balizada por critérios técnicos”, afirmou a prefeitura administrada por Lucimara Godoy (PSD).

A especialista em políticas educacionais e presidente do Instituto Singularidades, Claudia Costin, aponta que a localização dos institutos pode ser alvo de pressões políticas, principalmente em ano eleitoral, mas pondera que as cidades beneficiadas não contam hoje com grande oferta de ensino técnico, o que tende a gerar um resultado positivo, e que, a seu ver, não faria tanto sentido inaugurar um instituto federal em uma cidade muito pequena.

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“Se tivéssemos essa demanda por vagas no ensino técnico registrada como temos, por exemplo, no caso de creches, o critério seria melhor”, avalia. Claudia acrescenta que a localização dos institutos federais é um aspecto relevante para ampliar a oferta e estimular o desenvolvimento, sobretudo no interior. “E o ideal era que (a formação técnica) fosse conectada com a vocação econômica na cidade onde está inserida. Em áreas rurais, faz muito sentido oferecer cursos técnicos em agronegócio, por exemplo.”

A respeito da situação do ABC, onde apenas as cidades governadas pelo PT foram contempladas, a reportagem apurou que Mauá e Diadema, de fato, contam com menor proporção de matrículas no ensino técnico do que os municípios vizinhos, como justifica o MEC. Ao analisar o Estado de São Paulo como um todo, porém, 101 cidades que não têm previsão de receber institutos federais estão pior colocadas do que Mauá na lista, ou 137 no caso de Diadema.